Direito Constitucional I Teoria Geral da Constituição
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO
1. Introdução ao Direito Constitucional Direito Constitucional é o conjunto de normas que regulam o próprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder.1 O Direito Constitucional engloba as regras jurídicas que definem a titularidade do poder, os órgãos que exercem o poder do Estado, e a relação destes com os cidadãos. Formalmente Direito Constitucional é o ramo do direito público interno dedicado à análise e interpretação das normas constitucionais. Qualquer Estado envolve uma estrutura institucional do poder, no sentido em que tem de dispor de dispor de regras, ou normas jurídicas, em que assenta o seu ordenamento.2 Porém, só a partir do século XVIII surge a Constituição como um conjunto de regras jurídicas definidoras das relações do poder político. Surge então o constitucionalismo moderno. O Constitucionalismo tende a disciplinar toda a actividade dos governantes e todas as suas relações com os governados. Pretende submeter à lei todas as manifestações da soberania e consagra e protege direitos dos cidadãos perante os órgãos do Estado.3
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Jorge Miranda, in “Manual de Direito Constitucional”, tomo I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 13. Jorge Miranda, in “Manual de Direito Constitucional”, tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 7. 3 Miranda, tomo II, 1996, pág. 7. 2
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Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.4 A Constituição é resultado da necessidade dos povos de limitar o poder político, garantindo o exercício do poder ao serviço do povo e os direitos individuais fundamentais. O constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.5 O Direito Constitucional configura-se como “Direito Público fundamental” por referir-se directamente à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política.6 Breve história das constituições: A organização política das comunidades remonta à pré-história tendo começado com a organização das famílias e dos clãs como grupos com interesses e fins comuns. As primeiras formas conhecidas de Constituição, enquanto organização do Estado e limitação de poderes, surge com os hebreus que criaram limites pela chamada “lei do Senhor” ao poder político, cabendo aos profetas, legitimados pela vontade popular, fiscalizar e punir os actos dos governantes que ultrapassassem os limites bíblicos. As Cidades-Estado gregas praticam a democracia directa, havendo identidade entre governantes e governados, sendo os cargos públicos exercidos por cidadãos escolhidos em sorteio e limitado no tempo a sua designação.
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José Joaquim Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 51. 5 Canotilho, 2000, pág. 51. 6 Pedro Lenza, in “Direito Constitucional Esquematizado”, 12ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2008, pág. 1, citando José Afonso da Silva, in “Curso de direito constitucional positivo”, pág. 36.
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Em Roma, os denominados interditos pretendiam garantir os direitos individuais contra o arbítrio e a prepotência dos governantes. O Estado romano, embora essencialmente municipal, consagrava direitos básicos ao cidadão romano, nomeadamente o direito de eleger os seus representantes e de acesso às magistraturas, o direito de casamento legítimo e o direito de celebração de actos jurídicos. Na Idade Média o monarca tinha um poder absoluto, embora segundo a doutrina do pactum subjectionis, o governo teria de ser exercido com equidade, existindo ainda regras fundamentais do reino, especialmente as referentes à sucessão e indisponibilidade do domínio real. Existiam, porém, forais, pactos e cartas de franquia que concediam direitos especiais a determinadas pessoas ou aos habitantes de certas localidades. Com o cristianismo acentuou-se o valor da pessoa humana (criada à semelhança de Deus), implicando a igualdade de todas as pessoas perante Deus, constituindo forte abalo ao poder imperial romano ao contestar o carácter sagrado do imperador. Uma das principais manifestações de limitação do exercício do poder político pelo Rei surgiu em Inglaterra com a Magna Carta, de 15 de Junho de 1215.7 A Magna Carta resultou da rebelião da aristocracia contra o Rei em resultado do fracasso deste na guerra de reconquista de territórios perdidos para os franceses, com consequente agravamento da situação da aristocracia inglesa, e por ingerência com a Igreja. Nos termos do seu art. 39º “Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra” e, de acordo com o art. 40º, “A ninguém venderemos, a ninguém recusaremos ou atrasaremos, direito ou justiça”. Petition of Right, de 7 de Junho de 1628, foi aprovada por ambas as câmaras do Parlamento inglês em reacção à decisão do rei Carlos I de cobrar impostos não aprovados pelo parlamento e aquartelamento forçado dos soldados em casas particulares, para suportar o esforço com a guerra dos trinta anos. A principal consequência da Petition of Right foi a proibição do rei cobrar 7
Anteriormente já Carta de Liberdades de Henrique I, outorgada em 1100, submetia o rei a determinadas regras no tratamento de oficiais da igreja e nobres, concedendo assim determinadas liberdades civis à igreja e à nobreza inglesa.
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impostos que não tivessem sido aprovados pelo Parlamento e a proibição da prisão sem justa causa. À Petition of Right sucedeu o Bill of Rights de 1689, lei do Parlamento inglês que impôs que as leis emanassem apenas do Parlamento. O Constitucionalismo moderno nasceu com a Constituição da Federação dos Estados Unidos da América, de 1787, e com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 8, proclamada em Paris em 2 de Outubro de 1789, e que serviu de preâmbulo à Constituição da República Francesa de 3 de Setembro de 1791. 8
Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As destinações sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente. Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. Art. 5.º A lei não proíbe senão as acções nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene. Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência. Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei. Art. 12.º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada. Art. 13.º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades. Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a colecta, a cobrança e a duração. Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração. Art. 16.º Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indemnização.
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2. A posição da Constituição na Ordem Jurídica timorense Numa perspectiva material, a Constituição é o estatuto jurídico-político do Estado, resultado do poder constituinte material, como poder do Estado de se dotar de tal estatuto, de se autoregulamentar.9 Numa perspectiva formal, a Constituição traduz-se na relação das normas constitucionais, ou do sistema jurídico-constitucional, com as demais normas do ordenamento jurídico em geral.10 Os seja, formalmente é Constituição o conjunto de normas que revestem força jurídica superior às demais normas jurídicas.11 Assim, nos termos do art. 2º, nº 3, da Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro, que enumera as fontes de direito nacionais, a Constituição da República ocupa o primeiro lugar nas mesmas. Esta ideia tem expressão no art. 2º da Constituição, ao consagrar no seu nº 2 que o Estado subordina-se à Constituição e às leis (expressão do Estado de direito democrático consagrado no art. 1º, nº 1, da Constituição), esclarecendo de seguida que as leis e os demais actos do Estado e do poder local só são válidos se forem conformes com a Constituição (nº 3 do art. 2º).
3. O Estado Constitucional O Estado Constitucional é o Estado que resulta da Constituição.
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Miranda, tomo II, 1996, pág. 11. Miranda, tomo II, 1996, pág. 11. 11 A Constituição enquanto texto constitucional é designada por Jorge Miranda de Constituição em sentido instrumental (ibidem, pág. 12). 10
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Na sequência das constituições francesa e norte-americana, hoje todos os Estados estão estruturados constitucionalmente, no sentido em que dispõem de uma Constituição que estabelece a estrutura política do Estado e os limites ao poder do mesmo. Ao subordinar-se à Constituição, o Estado apresenta-se como um Estado de direito. Porém, ele deve estrutura-se como um Estado de direito democrático (art. 1º, nº 1, da Constituição), ou seja, uma ordem de domínio legitimada pelo povo.12 As constituições escritas reforçam a institucionalização jurídica do poder político, a soberania nacional, uma e indivisível, a sua unidade, o povo como conjunto de cidadãos iguais em direitos e deveres e a imediaticidade destes.13 O Estado Constitucional, mais do que uma mera organização das instituições do poder, traduz ideias programáticas de defesa dos direitos fundamentais e de prossecução do interesse geral, emanadas da filosofia política do iluminismo do século XVIII, consagradas no texto constitucional.14
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Canotilho, 2000, pág. 98. Miranda, tomo I, 1997, pág. 83, e tomo II, 1996, pág. 17. 14 “Sendo o Estado comunidade e poder, a Constituição material nunca é apenas Constituição política, confinada à organização política. É Também Constituição social, estatuto da comunidade perante o poder ou da sociedade politicamente conformada. Estatuto jurídico do Estado significa sempre estatuto do poder político e estatuto da sociedade – quer dizer, dos indivíduos e dos grupos que a compõem – posta em dialéctica com o poder e por ele unificada. E, sendo Constituição do Estado (em si) e Constituição do Direito do Estado, necessariamente abarca tanto o poder quanto a sociedade sujeita a esse Direito” (Miranda, tomo II, 1996, pág. 21). 13
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CAPÍTULO II - A CONSTITUIÇÃO
1. Formas e Tipos de Constituição Jorge Miranda divide os modelos constitucionais em quatro famílias distintas15: a) Os sistemas constitucionais de matriz inglesa ou britânica; b) Os sistemas constitucionais de matriz americana; c) Os sistemas constitucionais de matriz francesa; e d) Os sistemas constitucionais de matriz soviética. A. Os sistemas constitucionais de matriz inglesa ou britânica No direito constitucional britânico a predominância das fontes de direito pertence ao costume. Embora se verifique a existência de textos constitucionais escritos, como a Magna Carta, estes são simples contratos resultantes de interesses pontuais que determinaram à data a necessidade de limitações ao poder do rei, mas não constituem em si uma constituição conforme definida supra (estatuto jurídico-político do Estado, resultado do poder constituinte material, como poder do Estado de se dotar de tal estatuto, de se auto-regulamentar). Uma outra característica própria deste tipo de predominância do costume como fonte do direito constitucional traduz-se no facto de a constituição não assumir a forma escrita. Contudo, como já se viu, existem inúmeros textos constitucionais ingleses, que pontualmente foram limitando em específicos aspectos os poderes do rei. “Tais leis não se ligam, contudo, sistematicamente, não se qualificam formalmente como constitucionais e não possuem, enquanto tais, uma força jurídica específica, como acontece nos países com constituição escrita ou formal”. Constituição predominantemente consuetudinária, a Constituição britânica apresenta-se ainda, pela natureza das coisas, como Constituição cuja 15
Miranda, tomo I, 1997, págs. 122 a 196.
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modificação se faz, a todo o tempo, pelo Parlamento, sem necessidade de um processo diferenciado do processo de exercício da função legislativa. É o que os juristas ingleses chamam uma Constituição flexível – em contraste com as restantes Constituições ditas rígidas”.16 Um dos elementos essenciais da Constituição consuetudinária é o princípio do “rule of law”, enquanto princípios, instituições e processos que a tradição e a experiência dos juristas e dos tribunais entendem serem fundamentais enquanto salvaguarda da dignidade das pessoas face ao Estado, “à luz da ideia de que o Direito deve dar aos indivíduos a necessária protecção contra qualquer exercício arbitrário de poder”17 (constitucionalismo). Em termos de organização política do Estado o sistema define-se pela predominância do Parlamento (parlamentarismo). B. Os sistemas constitucionais de matriz americana Sistema com Constituição escrita, cujo núcleo fundamental não pode ser em princípio alterado18 (Constituição rígida), sendo porém a mesma adaptada à evolução histórica da sociedade, através de sucessivos aditamentos e sobretudo através da sua interpretação pelos tribunais. Assim, como principal característica, a Constituição americana apresenta-se tendencialmente imutável, impondo a noção da Constituição a sua supremacia sobre todos os demais actos legislativos da união ou dos Estados federados, sendo uma Constituição que se adapta às circunstâncias históricas em função da relevância atribuída aos tribunais na sua interpretação. Em termos de organização política do Estado o sistema define-se pelo federalismo e por um sistema de governo presidencialista Consequência própria do federalismo e da democracia directa. C. Os sistemas constitucionais de matriz francesa
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Miranda, tomo I, 1997, págs. 129 e 130. Miranda, tomo I, 1997, págs. 129 e 130. 18 A alteração da Constituição depende de um sistema complexo com a participação dos Estados Federados, o que torna muito difícil a mesma. 17
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A primeira Constituição francesa nasce da revolução de 1789, contrariamente ao que sucedeu nos dois exemplos anteriores (a Constituição americana tem raiz não na revolução mas nos acordos celebrados com a potência colonial inglesa anteriormente; foi precisamente o incumprimento de tais acordos que despoletou a revolução americana). Esta génese revolucionária leva à criação de uma concepção do Estado completamente nova, influenciada pelo pensamento do iluminismo preponderante na altura. Verifica-se um corte radical com a tradição e a eleição de um novo modelo político-social assente numa nova filosofia do Estado e do direito. Este período é caracterizado por uma grande instabilidade constitucional, sendo frequentes as substituições da Constituição vigente sempre que a mesma não se mostrava adequada, por outra nova, sempre com base em pensamentos jurídico-filosóficos dominantes. A Constituição, em França, é essencialmente lei, lei escrita ao serviço dos direitos e liberdades e da separação dos poderes, acreditando-se que, sendo a lei escrita, mais patente se tornarão as suas violações e, assim, se dissuadirão os governantes de as cometer.19 É excluída qualquer tipo de relevância ao costume. Por outro lado, os tribunais nenhuma interferência têm na apreciação da constitucionalidade das normas, a qual é remetida para uma entidade judicial própria. D. Os sistemas constitucionais de matriz soviética O sistema constitucional soviético nasceu directamente da revolução bolchevique de 1917, sendo produto directo da ideologia marxista-leninista e essencialmente delineado por Lenine. A ideia base do constitucionalismo soviético é que o poder assenta nos sovietes (conselhos de operários, soldados, camponeses e marinheiros) e é exercido através do partido comunista que assumiu como sua a ideologia marxista-leninista.
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Miranda, tomo I, 1997, pág. 167.
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A especificidade do constitucionalismo soviético radica no domínio de todo o poder pelo partido comunista (o partido, depois de permitir ao proletariado a conquista do poder, exerce o poder em seu nome).20 O poder é, assim, exercido pelo partido e não pelos órgãos do Estado, e o verdadeiro chefe político é o Secretário-Geral do Partido e não o Presidente do Soviete Supremo ou o Presidente do Conselho de Ministros. Juridicamente os actos políticos provêm dos órgãos do Estado, mas politicamente as decisões mais importantes são sempre tomadas pelos órgãos do partido. A Constituição é desvalorizada, sendo inaplicada em face de leis ordinárias entendidas mais conformes com o Estado socialista. Os tribunais não interpretem a Constituição, assumindo a Procuradoria-Geral um papel de maior relevância na aplicação uniforme da lei e no controlo da administração. O partido pode dar ordens aos tribunais e determinar a interpretação das normas por estes.
Podemos ainda classificar as Constituições:21 a) Quanto ao conteúdo: materiais e formais; b) Quanto à forma: escritas e não escritas; c) Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas; d) Quanto à origem: populares (democráticas) ou outorgadas; e e) Quanto à estabilidade: rígidas, flexíveis e semi-rígidas. a) Quanto ao conteúdo
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A democracia socialista é uma democracia dirigida, dirigida pelo Partido e pelo Estado no interesse do desenvolvimento do socialismo e da construção do comunismo (Miranda, tomo I, 1997, pág. 186). 21 Existem ainda outras classificações, variando segundo os autores, mas estas são as essenciais.
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Constituição material: em sentido amplo, identifica-se com a organização total do Estado, com regime político; em sentido estrito, designa as normas escritas ou costumeiras, inseridas ou não num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Constituição formal: é o peculiar modo de existir do Estado, reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabelecida. b) Quanto à forma Constituição escrita: é considerada, quando codificada e sistematizada num texto único, elaborado por um órgão constituinte, encerrando todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, a organização dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de actuação e os direitos fundamentais. Não escrita: é a que cujas normas não constam de um documento único e solene, baseando-se nos costumes, na jurisprudência e em convenções e em textos constitucionais esparsos. Ex. Constituição inglesa. c) Quanto ao modo de elaboração Constituição dogmática: é a elaborada por um órgão constituinte, e sistematiza os dogmas ou ideias fundamentais da teoria política e do Direito dominantes no momento. Histórica ou costumeira: é a resultante de lenta formação histórica, do lento evoluir das tradições, dos fatos sociopolíticos, que se cristalizam como normas fundamentais da organização de determinado Estado. d) Quanto à origem Promulgadas (democráticas ou populares): as que se originam de um órgão constituinte composto de representantes do povo, eleitos para o fim de elaborar e estabelecer a mesma. 11
Outorgadas: são as elaboradas e estabelecidas sem a participação do povo, aquelas que o governante por si ou por interposta pessoa ou instituição, outorga, impõe, concede ao povo. e) Quanto a estabilidade Rígida: é a somente alterável mediante processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação das leis ordinárias ou complementares. Flexível: é a que pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de elaboração das leis ordinárias. Semi-rígida: é a que contém uma parte rígida e uma flexível.
2. Estrutura da Constituição: Preâmbulo, Partes, Títulos, Capítulos, Artigos e Disposições Finais e Transitórias O preâmbulo é o enunciado solene do espírito de uma Constituição, do seu conteúdo ideológico e do pensamento que orientou os trabalhados da Assembleia Constituinte. A Constituição divide-se em sete partes: Parte I – Princípios Fundamentais; Parte II – Direitos, Deveres, Liberdades e Garantias Fundamentais; Parte III – Organização do Poder Político; Parte IV – Organização Económica e Financeira; Parte V – Defesa e Segurança Nacionais; Parte VI – Garantias e Revisão da Constituição; e Parte VII – Disposições Finais e Transitórias.
3. Princípios e Garantias: Diferenças e semelhanças 12
Os princípios constitucionais são o núcleo da Constituição em sentido material, a ideia do Estado moderadora do regime ou da decisão constituinte. As garantias visam assegurar o cumprimento dos princípios fundamentais frente ao próprio Estado, por meios preventivos ou sucessivos que lhe conferem efectividade ou maior efectividade.22
4. A Constituição em outros países23 A Constituição Brasileira: Tal como a Constituição nacional, também a Constituição Brasileira de 1988 trata em primeiro os direitos fundamentais, com prioridade sobre as demais matérias. O Brasil assume-se como uma federação de Estados, sendo o regime político presidencialista, embora controlado ou fiscalizado (tratou-se de um compromisso com a corrente maioritária na Assembleia Constituinte, que tinha pendor parlamentarista). O sistema assenta no princípio da separação de poderes, assente em três poderes. O Congresso é uma câmara bicameral (a Câmara dos Deputados e o Senado). Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar originariamente a acção directa de inconstitucionalidade das leis, federais ou estaduais. A Constituição Portuguesa: A Constituição Portuguesa de 1976 resultou da revolução de 25 de Abril de 1974, que teve, entre outros, como ponto de referência a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
22 23
Miranda, tomo II, 1996, pág. 241. Veja-se Miranda, tomo II, 1996, págs. 221 a 238 e 324 a 411.
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O tratamento dos direitos fundamentais assenta na afirmação simultânea dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais, com predominância dos primeiros sobre os segundos, como é característico do Estado Social de Direito.24 O regime é semi-presidencialista e a apreciação da constitucionalidade das normas é deferida a um órgão próprio (o Tribunal Constitucional). As Constituições dos Países Africanos de Expressão Portuguesa: Como principais características iniciais (1973-1975): a) Concepção monista do poder e institucionalização de partido único (correspondente ao movimento de libertação do país); b) Abundância de fórmulas ideológicas-proclamatórias e de apelo às massas populares; c) Empenhamento na construção do Estado (director de toda a sociedade); d) Restrição das liberdades públicas, em moldes autoritários, ou mesmo totalitários; e) Organização económica de tipo colectivizante; f) Recusa da separação de poderes a nível da organização política e primado formal da assembleia popular nacional. Estas formas constitucionais evoluíram para constituição de natureza democrática (1990-1992), não através de novas constituição, mas mediante processos de revisão das constituições iniciais. Principais características das constituições actuais: a) Reforço dos direitos e liberdades fundamentais, com enumerações largas e relativamente precisas, regras gerais sobre a sua garantia e proibição da pena de morte; b) Previsão de mecanismos de economia de mercado, com pluralismo de sectores de propriedade e a retirada da carga ideológica da Constituição económica; c) Consagração de regras básicas de democracia representativa, e reconhecimento do papel dos partidos políticos; d) Eliminação do princípio da unidade do poder e distribuição mais clara de competências entre os diversos poderes do Estado; 24
Miranda, tomo II, 1996, pág. 351.
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e) Sistemas de governo assentes em três órgãos de poder político (presidente da República, Assembleia e Governo). É acentuado o parlamentarismo em Cabo-Verde, presidencialismo em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, e semi-presidencialismo em São Tomé e Príncipe. f) Consagração da criação de autarquias locais; g) Consagração de órgãos próprios independentes de fiscalização da constitucionalidade das leis.
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CAPÍTULO III – ELABORAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL
1. Breve história da Elaboração da Constituição da RDTL A Directiva da UNTAET nº 3/2001, de 31 de Março, procedeu à criação de treze comissões constitucionais (uma por cada distrito administrativo), compostas inteiramente por timorenses (em número de 5 a 7) assessorados por peritos nacionais e internacionais, para, funcionando entre 1 de Abril e 15 de Julho de 2001, recolherem opiniões do povo sobre as questões essenciais da futura Constituição do País, elaborando e apresentando relatórios escritos, não vinculativos, ao Administrador Transitório e à Assembleia Constituinte. A Assembleia Constituinte foi composta por 88 Deputados, eleitos por sufrágio directo e universal, em 30 de Agosto de 2001. A composição da Assembleia Constituinte era a seguinte: Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), 55 lugares; Partido Democrático (PD), 7 mandatos; Partido Social Democrata, 6 mandatos; Associação Social-Democrata Timorense (ASDT), 6 mandatos; União Democrática Timorense (UDT), 2 mandatos; Partido Nacionalista Timorense (PNT), 2 mandatos; Klibur Oan Timor Asuwain (KOTA), 2 mandatos; Partido do Povo de Timor (PPT), 2 mandatos; Partido Democrata Cristão (PDC), 2 mandatos; Partido Socialista de Timor (PST), 1 mandatos; Partido Liberal (PL), 1 mandatos; União Democrática Cristã (UDC), 1 mandatos; Deputados Distritais Independentes, 1.
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Regulamento da UNTAET nº 2/2001, de 26 de Fevereiro, regulamentou as eleições para a Assembleia Constituinte, optando por um sistema misto que combinava um círculo eleitoral nacional com 75 deputados eleitos por um método de representação proporcional, chamados “representantes nacionais”, e 13 círculos distritais uninominais elegendo um deputado por cada distrito administrativo de acordo com o sistema maioritário, denominados “representantes distritais”. Os documentos elaborados pelas comissões constitucionais foram coligidos e encadernados, tendo sido apresentados a numerosas entidades, nomeadamente ao Administrador Transitório e à Assembleia Constituinte. A Assembleia Constituinte tinha por função laborar e aprovar uma Constituição, tomando em devida consideração os relatórios das comissões constitucionais. A Assembleia Constituinte iniciou os seus trabalhos em 15 de Setembro de 2001 tendo terminado os mesmos a 22 de Março de 2002, com a aprovação e assinatura do texto final da Constituição da República Democrática de Timor-Leste.25
2. O Poder Constituinte Originário: Conceito, Alcance, Limites e Funções A questão do titular do poder constituinte originário é indissociável, na prática, da questão do titular da soberania. Soberano é o poder que cria o direito; soberano é o poder que “constitui a constituição”; soberano é titular do poder constituinte.26 A soberania popular consiste essencialmente no poder constituinte do povo. A vontade constituinte é a vontade do povo, expressa por meio de seus representantes.27
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Fonte: http://timor-leste.gov.tl José Joaquim Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”, 6ª ed. revista, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 98. 27 Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, 23ª ed. atualizada, Editora Atlas, São Paulo, 2008, pág. 26. 26
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Assim, o poder constituinte é um poder inicial (porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito, qualquer outro poder), autónomo (a ele e só a ele compete decidir se, como e quando, deve “dar-se” uma constituição à Nação) e omnipotente ou incondicionado (o poder constituinte não está subordinado a qualquer regra de forma ou de fundo).28 O poder constituinte originário implica sempre uma situação de ruptura com a ordem jurídicoconstitucional anterior, seja pela constituição do novo Estado, seja por uma convulsão revolucionária. Surge como uma vontade popular de mudança relativamente a uma ordem vigente. O poder constituinte originário é aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem jurídica precedente.29 Sendo um poder ilimitado e incondicionado é dentro da própria vontade popular que o poder constituinte originário vai encontrar os seus limites. Aqui pode desempenhar o seu papel a ciência política e a sociologia política. Em Timor-Leste a relevância da vontade popular foi manifestada através da criação das comissões constitucionais supra referidas. Porém, doutrinariamente apontam-se como limites ao poder constituinte os resultantes de imperativos de direito natural, de valores éticos superiores, de uma consciência jurídica colectiva (nomeadamente os relacionados com os direitos fundamentais relacionados com a dignidade da pessoa humana); os ligados à própria configuração do Estado, ou à ideia de Estado (por exemplo, um Estado soberano não pode na sua constituição abdicar da soberania); e os resultantes do direito internacional.30 No dizer de Gomes Canotilho, “A validade de uma constituição pressupõe a sua conformidade necessária e substancial com os interesses, aspirações e valores de um determinado povo em determinado momento histórico. Desta forma, a constituição não representa uma simples positivação do poder; é também uma positivação de “valores jurídicos”. O critério da legiti-
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Moraes, 2008, pág. 26 Lenza, 2008, pág. 84. 30 Miranda, tomo II, 1996, pág. 107-108. 29
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midade do poder constituinte não é a mera posse do poder, mas a concordância ou conformidade do acto constituinte com as “ideias de justiça” radicadas na comunidade”.31 A função primordial do poder constituinte originário consiste no poder de criação originária de um “complexo normativo” ao qual se atribui a força de Constituição, ou seja, o poder constituinte material visa a criação de uma Constituição formal.32
3. O Poder Constituinte Derivado: Conceito, Alcance, Limites e Funções O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.33 Diz-se poder constituinte derivado porque resulta da própria Constituição, na sua versão vigente à data do exercício de tal poder. Daí que o poder constituinte derivado só possa ser exercido nas condições previstas na própria Constituição e com os limites por ela impostos. Trata-se do poder de modificar a constituição em vigor segundo as regras e processos nela prescritos, que é também considerado como constituinte, embora seja instituído pela própria constituição.34 Nenhuma Constituição deixa de prever a sua própria revisão, seja de forma expressa ou pelo menos tacitamente.
4. Outorga e Promulgação da Constituição
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Canotilho, 1993, pág. 111. Canotilho, 1993, pág. 106. 33 Moraes, 2008, pág. 29. 34 Canotilho, 1993, pág. 95. 32
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Trata-se aqui de analisar a forma de expressão do poder constituinte originário. Segundo Alexandre de Moraes “são duas as formas básicas de expressão do Poder Constituinte: outorga e assembleia nacional constituinte/convenção”.35 Conforme se referiu anteriormente, as constituições outorgadas são próprias das monarquias absolutas ou dos Estados ditatoriais ou ainda se situações revolucionárias,36 caracterizando-se pelo estabelecimento das regras fundamentais da organização política do Estado por iniciativa do chefe do Estado, seja ele um monarca ou um ditador, ou pela autoridade revolucionária. Não significa isto que tais constituições não possam conter igualmente as características fundamentais do constitucionalismo moderno, nomeadamente a consagração de direitos fundamentais do cidadão e a limitação de poderes dos órgãos do Estado. O que distingue este tipo de constituições é a forma da sua elaboração e não o seu conteúdo. No dizer de Gomes Canotilho, “O rei sujeitava-se aos esquemas constitucionais, mas reservava para si o direito de dar a constituição aos súbditos”.37 A outorga é o estabelecimento da Constituição por declaração unilateral do agente revolucionário, que autolimita seu poder.38 Pode ainda existir uma forma mista de criação da Constituição, resultante da articulação de dois princípios diversos: o princípio monárquico e o princípio democrático. São as chamadas
35
Moraes, 2008, pág. 28. O Estado Português criou um Estatuto especial para o território de Timor-Leste, por anexo à Lei nº 7/75, de 17 de Julho, mas que não se pode considerar uma constituição. A Fretilin não chegou a outorgar nenhuma Constituição formal para o Estado independente de Timor-Leste, na sequência da declaração de independência de 28-11-1975, mas pode entende-se que com a declaração de independência foi outorgada uma constituição com os princípios básicos do Estado independente. É o seguinte o Texto da Declaração Unilateral da Independência de Timor-Leste, proclamada pela FRETILIN e lida por Xavier do Amaral: “Encarnando a aspiração suprema do povo de Timor-Leste e para salvaguarda dos seus mais legítimos direitos e interesses como nação soberana, o Comité Central da FRENTE REVOLUCIONÁRIA DE TIMOR LESTE INDEPENDENTE – FRETILIN – decreta e eu proclamo, unilateralmente a independência de Timor Leste que passa a ser, a partir das 00H00 de hoje, a República Democrática de Timor-Leste, anti-colonialista e anti-imperialista”. 37 Canotilho, 1993, pág. 122. 38 Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, 13ª ed. atualizada, Editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 57. 36
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constituições dualistas ou pactuadas, através das quais se efectiva um compromisso entre o rei e assembleia representativa.39 Como já se referiu, o poder constituinte, ou competência originária, radica no povo ou na nação que determinam este processo de criação constitucional é o que, rigorosamente, se poderá chamar poder constituinte formal. Por poder constituinte material entende-se o poder de qualificar como direito constitucional formal determinadas matérias e princípios.40 A assembleia nacional constituinte, também denominada convenção, nasce da deliberação da representação popular, devidamente convocada pelo agente revolucionário, para estabelecer o texto organizatório e limitativo de Poder.41 O procedimento constituinte, nas constituições promulgadas, pode ser directo ou indirecto. Fala-se em procedimento constituinte directo quando o projecto de lei constitucional obtém validade jurídica através de uma aprovação directa do povo (plesbicito, referendo); designa-se por procedimento constituinte indirecto ou representativo a técnica da elaboração de constituição na qual a participação do povo se situa no momento da eleição de representantes para uma assembleia constituinte, cabendo a estes representantes a deliberação de aprovação da lei constitucional. Na forma representativa pura cabe à assembleia constituinte elaborar e sancionar a constituição.42 O princípio da soberania popular é compatível quer com o procedimento constituinte directo quer com o procedimento constituinte representativo.
5. Revisão da Constituição
39
Canotilho, 1993, pág. 122. Canotilho, 1993, pág. 106. 41 Moraes, 2003, pág. 28. 42 Canotilho, 1993, pág. 121. 40
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A revisão da Constituição resulta de um Poder Constituinte derivado, porque inserido na própria Constituição, e decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações
constitucionais
constitucionalidade.
expressas
e
implícitas
e
é
passível
de
controle
de
43
“Nenhuma Constituição deixa de regular a sua revisão, expressa ou tacitamente”.44 A escolha de um processo agravado de revisão, impedindo a livre modificação da lei fundamental pelo legislador ordinário (constituição flexível), considera-se uma garantia da Constituição. O processo agravado da revisão é um instrumento dessa garantia, a rigidez constitucional é um limite absoluto ao poder de revisão, assegurando, desta forma, a relativa estabilidade da Constituição.45 Segundo Zagrebelsky “O poder de revisão da constituição baseia-se na própria constituição; se ele a negasse como tal, para substituí-la por uma outra, transformar-se-ia em inimigo da constituição e não poderia invocá-la como base de validade”.46 Gomes Canotilho47 enuncia os seguintes limites ao processo de revisão constitucional: “I. Limites quanto ao titular do poder de revisão a) O órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário. Neste caso, a revisão ou modificação da constituição é feita pelo mesmo órgão que desempenha funções legislativas normais, mas segundo um processo particularmente agravado. O agravamento pode traduzir-se na exigência de um parecer ou participação de outros órgãos, na exigência de maiorias qualificadas para a deliberação, na exigência de deliberações intervaladas no tempo, na renovação dos componentes do órgão legislativo.48 b) O órgão de revisão é o órgão legislativo, mas a revisão exige a participação directa do povo. Aqui a revisão constitucional continua a pertencer ao órgão legislativo, mas as modificações
43
Moraes, 2003, pág. 28. Miranda, tomo II, 1996, pág. 148. 45 Canotilho, 1993, pág. 1123. 46 Citado por Gomes Canotilho, 1993, pág. 1124. 47 Canotilho, 1993, págs. 1125-1128. 48 Na Constituição da RDTL o poder de revisão constitucional pertence ao Parlamento Nacional (art. 154º, nº 1 e 2). 44
23
constitucionais carecem de aprovação popular através de referendum, preventivo ou sucessivo, facultativo ou obrigatório. c) O órgão de revisão é um órgão especial. Neste esquema poderemos descortinar duas hipóteses consoante haja ou não ligação com o órgão legislativo normal. II. Limites relativos às maiorias deliberativas Quando se reconhece ao órgão legislativo ordinário o poder de revisão, é normal a constituição sujeitar as deliberações deste órgão a maiorias qualificadas, demonstrativas de uma adesão ou consenso mais inequívoco dos representantes quanto às alterações da constituição. As revisões extraordinárias, efectuadas em qualquer momento, implicam naturalmente um processo mais agravado.49 III. Limites temporais Este limite costuma ser justificado pela necessidade de assegurar uma certa estabilidade às instituições constitucionais.50 IV. Limites quanto à legitimidade do órgão com poderes de revisão A fim de se evitar que o legislador ordinário tenha a constituição à sua completa disposição, estabelecem-se requisitos tendentes a impedir que as maiorias parlamentares no poder assumam poderes de revisão para moldar a constituição de acordo com os seus interesses.51 V. Limites circunstanciais A história ensina que certas circunstâncias excepcionais (estado de guerra, estado-de-sítio, estado de emergência) podem constituir ocasiões favoráveis à imposição de alterações constitucionais, limitando a liberdade de deliberação do órgão representativo”.52
49
A Constituição da RDTL só pode ser revista por maioria de dois terços dos deputados do Parlamento Nacional em efectividade de funções (art. 155º, nº 1). 50 A Constituição da RDTL só pode ser revista decorridos seis anos sobre a data da entrada em vigor da Constituição originária ou sobre a data da publicação da última revisão (art. 155º, nº 2 e 3). 51 Fora da limitação temporal referida, a Constituição será revista apenas a solicitação de quatro quintos dos deputados em efectividade de funções (art. 155º, nº 4). 52 A Constituição da RDTL não pode ser revista durante o período em que vigore o estado de sítio ou de emergência (art. 157º).
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6. As Cláusulas Pétreas As chamadas Cláusulas Pétreas constituem os limites materiais à revisão da Constituição.53 Trata-se de normas ou princípios constitucionais que a própria Constituição prevê que não possam ser alteradas numa revisão constitucional. Trata-se de uma manifestação da prevalência do Poder Constituinte originário relativamente ao Poder Constituinte derivado. Para Jorge Miranda, “O problema dos limites materiais da revisão reconduz-se, no fundo, ao traçar de fronteiras entre o que vem a ser a função própria de uma revisão e o que seria já convolação em Constituição diferente”.54 Seguindo ainda Gomes Canotilho,55 existem os seguintes limites materiais: “I. Limites expressos e limites tácitos Limites expressos são os limites previstos no próprio texto constitucional. As constituições seleccionam um leque de matérias, consideradas como o cerne material da ordem constitucional, e furtam essas matérias à disponibilidade do poder de revisão. Outras vezes, as constituições não contêm quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão, mas entende-se que há limites não articulados ou tácitos, vinculativos do poder de revisão. Esses limites podem ainda desdobrar-se em limites textuais implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta. II. Limites absolutos e limites relativos Consideram-se limites absolutos de revisão todos os limites da constituição que não podem ser superados pelo exercício de um poder de revisão; serão simples limites relativos aqueles limites que se destinam a condicionar o exercício do poder de revisão, mas não a impedir a 53
Os limites materiais encontram-se enunciados no art. 156º da Constituição. Miranda, 1996, tomo II, pág. 199. 55 Canotilho, 1993, págs. 1129-1132. 54
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modificabilidade das normas constitucionais, desde que cumpridas as condições agravadas estabelecidas por esses limites. A existência de limites absolutos é, porém, contestada por alguns autores, com base na possibilidade de o legislador de revisão poder sempre ultrapassar esses limites mediante a técnica da dupla revisão. Num primeiro momento, a revisão incidiria sobre as próprias normas de revisão, eliminando ou alterando esses limites; num segundo momento, a revisão far-se-ia de acordo com as leis constitucionais que alteraram as normas de revisão. Desta forma, as disposições consideradas intangíveis pela constituição adquiririam um carácter mutável, em virtude da eliminação da cláusula de intangibilidade operada pela revisão constitucional”.56 Já para Jorge Miranda, não é admissível a revisão constitucional, mesmo com recurso ao mecanismo da dupla revisão, relativamente às cláusulas referentes aos limites dos próprio poder constituinte originário. Mas já admissível a alteração mediante tal mecanismo relativamente aos restantes limites.57
56
Gomes Canotilho afasta, porém, esta possibilidade. Em Portugal a técnica da dupla revisão foi usada, por exemplo, com a Constituição Portuguesa de 1976, eliminandose algumas normas de limitação da revisão constitucional. 57 Miranda, tomo II, 1996, pág. 207.
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CAPÍTULO IV – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO
1. República, Soberania, Constitucionalidade, Cidadania, Território, Objectivos do Estado: Conceitos, significados e importância Os princípios constitucionais estruturam a Constituição. Constituem os fundamentos do Estado constitucional, ou “princípios constitutivos do «núcleo essencial da constituição», garantindo a esta uma determinada identidade e estrutura”.58 Conforme a Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, relativamente ao art. 1º, “A “República”, destacada na epígrafe, sem adjetivos, identifica a comunidade política na sua totalidade intemporal, como substrato pré-constitucional distinto e anterior ao Estado que agora, precisamente, se pretende qualificar e ordenar”.59 No dizer de Gomes Canotilho, República é a “forma de exprimir a ideia relacional da Constituição com a «comunidade» e não apenas com o Estado”.60 O termo República está aqui utilizado no sentido de colectividade política, de sociedade política ou de comunidade política, enfim, de res publica”.61 Salienta ainda Gomes Canotilho que se tal definição exprime um Estado organizado e regido por leis. Por outro lado, exprime ainda o exercício de poder não pessoalizado.62 O conceito de república encontra-se ainda associado aos conceitos de democracia e de Estado de direito.
58
Canotilho, 1993, pág. 345. Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, coordenação de Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos, edição de Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de Direito da Universidade do Minho, Campus de Gualtar, Braga, pág. 19. 60 Canotilho, 1993, pág. 484. “Logo aqui se revela que Constituição se apresenta como lei fundamental da comunidade ou lei-quadro fundamental da República, globalmente considerada, e não apenas como estatuto organizatório do Estado” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 197. 61 Canotilho e Moreira, 2007, pág. 197. 62 Por contraposição ao regime monárquico. 59
27
Para Gomes Canotilho e Vital Moreira, “As bases da República são a dignidade da pessoa humana e a vontade popular”.63 A soberania exprime a ideia da unidade nacional, que impede a desagregação territorial do Estado soberano, bem como a rejeição total, se necessário mediante resistência armada à violação do território nacional por qualquer outro país. Exprime-se “o exercício autónomo da criação e aplicação das suas próprias normas jurídicas, o relacionamento em pé de igualdade com os demais Estados membros da comunidade internacional”.64 No dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira, “o qualificativo significa não só a soberania nacional em sentido político formal mas também a autodeterminação (independência política em sentido material). Na verdade, soberania quer dizer, antes de tudo, autonomia, ou seja capacidade de se dotar das suas próprias normas, da sua própria ordem jurídica (a começar pela Lei Fundamental)”.65 Constitucionalidade, expressão do Estado de direito, significa a primazia da Constituição como fonte de direito, conforme o art. 2º, nº 2. Todas as leis nacionais devem subordinar-se à Constituição. “O propósito essencial deste preceito é o de afirmar a supremacia da Constituição (princípio da constitucionalidade), que, enquanto lei fundamental do país, subordina o Estado (n° 2), impondo-se como parâmetro de validade para a atuação dos órgãos do Estado e do poder local (n° 3), define os termos do exercício da soberania pelo povo (n° 1) e institui os limites dentro dos quais poderão ser reconhecidos as normas e os usos costumeiros de Timor-Leste (n° 4). Precisamente porque a Constituição é a lei suprema, a partir do momento em que existe uma disposição constitucional sobre uma dada matéria, essa disposição não poderá ser afastada. É nisto que consiste a força normativa da Constituição”.66
63
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 198. Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 20. 65 Canotilho e Moreira, 2007, pág. 197. 66 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 22. 64
28
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Do princípio da constitucionalidade em geral e da constitucionalidade do Estado em particular decorre necessariamente o princípio da constitucionalidade da acção do Estado e de quaisquer outras entidades públicas”.67 A cidadania encontra consagrada no art. 3º. “A cidadania pode ser definida como o vínculo jurídico que traduz a pertença de um indivíduo a uma comunidade política. Para os seus titulares, a cidadania representa, além de um importante alicerce de identidade, o estatuto jurídico fundamental e primário, a matriz de que decorrem os seus direitos e deveres. A cidadania é, simultaneamente, um status e o direito de participar na vida jurídica e política que o Estado propicia e de beneficiar da defesa e da promoção de direitos que o Estado concede. Para os Estados, a delimitação do universo dos seus cidadãos (o seu povo) constitui uma prerrogativa fundamental, expressão da sua soberania e matéria do seu domínio reservado, ainda que o direito internacional imponha algumas condições (como a do caráter efetivo dos laços existentes entre o indivíduo e o Estado) sem as quais o vínculo, conquanto estabelecido a nível interno, não será oponível aos demais Estados nem poderá ser invocado na esfera internacional”.68 O direito de cidadania está consagrado no 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (“Todo o cidadão tem direito a uma nacionalidade”). A cidadania nacional encontra-se regulamentada na Lei nº 9/2002, de 20 de Outubro. O território, princípio consagrado no art. 4º, “delimita o espaço físico dentro do qual o Estado exerce plenamente o seu poder, constituindo, nessa medida, um pressuposto material do exercício válido, efetivo e exclusivo da soberania e uma condição da independência política e económica relativamente a outros Estados”.69 A soberania territorial encontra-seconcretizada na Lei nº 7/2002, de 24 de Agosto.70 Veja-se o art. 10º, nº 1.
67
Ob. cit., pág. 217. Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 25. 69 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 29. 70 Sobre a definição da zona marítima nacional a Lei 7/2002, de 24 de Agosto, de acordo com a Convenção das Nações Unidas de direito do mar de 1982 (convenção de Montego Bay). Assim, nos termos do art. 5º, “O limite 68
29
Os objectivos do Estado encontram-se enunciados no art. 6º. Timor-Leste, enquanto Estado constitucional, está vinculado, quanto aos meios e quanto aos fins à própria Constituição.71 “O Estado está vinculado à realização dos objetivos estabelecidos na Constituição, por força de se assumir como Estado constitucional, isto é, um Estado subordinado ao disposto na Constituição (art. 2°, n° 2). A obrigação do Estado é completa, no sentido de que o Estado deve não só empregar todos os meios adequados como ainda assegurar que os fins sejam efetivamente realizados”.72 Trata-se de norma programática, que delimita e obriga o Estado na sua actividade legislativa e administrativa, mas dela não se extraem directamente direito subjectivos dos cidadãos. A única consequência da sua violação será a inconstitucionalidade por omissão.
2. Sufrágio Universal e multipartidarismo. “Entendeu o legislador constituinte especificar em artigo autónomo os objetivos do Estado já enunciados nas alíneas b) e c) do artigo anterior, para sublinhar a centralidade do sufrágio universal na formação da vontade popular, quer para eleição dos seus representantes quer para o referendo”.73
exterior do mar territorial de Timor-Leste é definido por uma linha em que cada um dos pontos se situa a uma distância de doze milhas náuticas do ponto mais próximo da linha de base”, ou seja, veio fixar-se como mar territorial o mar adjavente à costa até 12 milhas marítimas (conforme o art. 3º da Convenção), havendo ainda uma zona contígua ao mar territorial, até ao limite de 24 milhas, nos termos do art. 6º da Lei, a contar da linha de base do mar territorial, onde o Estado pode tomar medidas de fiscalização e prevenção, nos termos do art. 10º, nº 2 da Lei (conforme o art. 33º da Convenção). Para além disso existe a zona económica exclusiva, a área marinha situada para além do mar territorial e a este adjacente, até 200 milhas marítimas a contar do ponto mais próximo da linha de base, nos termos do art. 7º da Lei, que conferem direitos de fruição exclusiva, nomeadamente dos recursos naturais aí existentes, de harmonia com o disposto no art. 56º da Convenção. A plataforma continental, definida no art. 8º da Lei, é semelhante à zona económica exclusiva e refere-se aos fundos marínhos (arts. 76º e 77º da Convenção), fundamentando nomeadamente a prospecção de petróleo na zona referida. 71 Canotilho e Moreira, 2007, pág. 275. 72 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 36. 73 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 39.
30
Segundo Gomes Canotilho, “O sufrágio universal é considerado quase como a ratio essendi da República”.74 Acrescentam Gomes Canotilho e Vital Moreira, “O presente artigo é uma concretização do princípio democrático [consagrado nos arts. 1º, nº 1, e 2º, nº 1, da Constituição]. Nestes preceitos elevam-se à dignidade de princípio fundamental da Constituição as figuras do sufrágio e dos partidos políticos, significando que, em certo sentido, o Estado democrático [timorense] é um Estado-de-eleições e um Estado-de-partidos, ou seja, uma democracia eleitoral e uma democracia de partidos. De facto, ressalvado o papel do referendo como instrumento de democracia participativa, a democracia constitucional é essencialmente uma democracia representativa, baseada em eleições de órgãos representativos protagonizados em geral pelos partidos políticos. De resto, a conjugação destas duas figuras no mesmo preceito sublinha a ligação constitucional entra ambas e justifica, por exemplo, o papel dos partidos na protagonização do sufrágio”.75 Sobre a matéria veja-se os arts. 46º, 47º e 48º da Constituição.
3. Relações Internacionais, Recepção do direito internacional e Solidariedade. “O art. 8.° trata do posicionamento de Timor-Leste no mundo, contendo os princípios e as regras jurídicas fundamentais que devem nortear a atuação do Estado timorense no âmbito das relações que estabelece e mantém com os outros Estados soberanos e com os demais membros da comunidade internacional. A ideia geral que resulta do conjunto é a de uma grande abertura ao relacionamento com os outros povos e Estados e de um significativo entrosamento da atuação do Estado timorense com os princípios jurídicos fundamentais que regem a vida internacional”.76
74
Canotilho, 1993, pág. 313. Canotilho e Moreira, 2007, pág. 285. 76 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 43. 75
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Revela-se aqui a importância que o legislador constituinte atribuiu ao próprio Eatdo na relações internacionais, onde se assiste a uma cada vez maior interdependência entre os Estados, bem como um incremento do sistema normativo internacional. Para Vital Moreira e Gomes Canotilho, “O nº 1 contém, na sua maior parte, princípios gerais de direito internacional comum que regem as relações internacionais e que, mesmo no silêncio da Constituição, já vinculariam o Estado”. A norma “estabelece de forma inequívoca e reforça, com a autoridade da Lei fundamental, os mesmos princípios”.77 “No nº 1 a Constituição dá guarida a duas categorias de direitos: os direitos do homem e os direitos dos povos”. “Os direitos dos povos (também conhecidos por direitos de quarta geração ou por terceira dimensão dos direitos humanos), transportam uma dimensão colectiva que aponta, desde logo, para direitos considerados como pré-condição básica e inalienável de todos os direitos – o direito à autodeterminação e independência”.78 Nesta sequência, estabelece o art. 10º, nº 1, a solidariedade com a luta dos povos pela libertação nacional. “Por solidariedade, neste contexto, crê-se dever entender-se o empenhamento ativo do Estado com a luta de outros povos que ainda não atingiram a autodeterminação a que aspiram. “… já no n.° 2 deste mesmo artigo a Constituição traduz esta solidariedade num compromisso concreto com as vítimas daquela luta. “Da localização sistemática desta norma sobre asilo e do próprio enunciado do artigo resulta que o direito de asilo não é um direito fundamental das vítimas de perseguição, mas apenas uma concessão do Estado, que vincula as autoridades públicas, mas não atribui um direito subjetivo fundamental às vítimas de perseguição”.79
77
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 239-240. Canotilho e Moreira, 2007, págs. 240 e 241. 79 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 54-55. 78
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Este preceito deve ser interpretado “não só no sentido do reconhecimento do direito à inssureição como direito de resistência colectiva activamente exercida, mas também no sentido de legitimar o apoio … aos povos que lutam contra a oporessão”.80 O art. 9º “define a relação do ordenamento jurídico timorense com o direito internacional, distinguindo, como noutros ordenamentos jurídicos, diferentes regimes de receção de direito internacional. “A definição das condições de receção constitucional do direito internacional tem encontrado duas modalidades: incorporação81 e transformação. O regime de incorporação é dominante segundo a tradição dos sistemas jurídicos da família civilista, nos quais os atos de direito internacional vigoram no ordenamento jurídico nacional nessa qualidade de atos de direito internacional. Nestes sistemas, a receção pode ser automática, por simples operação constitucional, ou condicionada à prévia adoção de atos derivados de direito interno. Os regimes de transformação, típicos dos sistemas common law, exigem que a vigência de qualquer ato de direito internacional se faça pela conversão em atos de direito interno, especialmente de cariz parlamentar. Estas distinções são cada vez menos decisivas, encontrando-se na Constituição diferentes regimes que distinguem em função das normas de direito internacional recebidas”.82 Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “O nº 1 estebelece um regime de recepção automática das normas e princípios de direito internacional geral que assim beneficiam de uma cláusula geral de recepção plena, sendo tal direito incorporado como parte integrate do direito [timorense], sem necessidade de observância das regras ou formas constitucionais específicas de vinculação estadual ao direito internaciona (aprovação, ratificação, publicação)”. “Normas de DIP83 geral são as normas consuetudinárias (costume internacional) de âmbito geral, mesmo que se encontrem positivadas em instrumentos internacionais de âmbito Universal (Carta da ONU ou a DUDH); princípios de DIP geral são os princípios fundamentais geralmente reconhecidos no direito interno dos Estados e que, em virtude da sua radicação generalizada na consciência 80
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 242. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, pág. 255, teoria da adopção. 82 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 54-55. 83 Direito Internacional Público. 81
33
jurídica das colectividades, acabam por adquirir sentido normativo no plano do direito internacional (por ex: princípio da boa-fé, cláusula rebus sic stantibus84, princípio do abuso de direito, princípio da legitima defesa)”.85
4. Valorização da resistência, O Estado e as confissões religiosas, Línguas oficiais e línguas nacionais, Símbolos nacionais e Bandeira Nacional. Como já se referiu anteriormente, “a exaltação [no art. 11º] das ações heroicas dos fundadores e a legitimação da desordem revolucionária donde emergiu a nova ordem jurídico-constitucional pertencem a uma tradição comum ao movimento constitucional moderno”.86 Dele nasce o poder constituinte originário. Não obstante o disposto no art. 11º, nº 2, o art. 12º consagra a laicidade do Estado timorense. Este artigo deve ser interpretado em articulação com o art. 45.°, onde explicitamente é consagrado o princípio da separação entre as confissões religiosas e o Estado.87 Nos termos do art. 13º, nº 1, “O tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste”.88 Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Esta norma constitui uma imposição no sentido de, em cerimónias do Estado ou em missões oficiais dos titulares dos órgãos de soberania do Estado”, ser utilizada uma das línguas oficiais.89 Sobre os símbolos oficiais regulam os arts. 14º e 15º.
84
Rebus sic stantibus é uma expressão latina que significa “estando as coisas assim” ou “enquanto as coisas estão assim”. A cláusula rebus sic stantibus consagra princípio de que uma convenção pode ser ajustada a uma nova realidade, ou uma situação imprevista. 85 Canotilho e Moreira, 2007, págs. 254-255. 86 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 58. 87 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 59. 88 O padrão ortográfico da língua tétum desenvolvido pelo Instituto Nacional de Linguística (INL) foi aprovado pelo Decreto do Governo n° 1/2004, de 14 de Abril. 89 Canotilho e Moreira, 2007, pág. 292.
34
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Os símbolos nacionais, antes de serem símbolos do Estado, são símbolos da colectividade política (da República, no sentido do art. 1º). São valores de referência de toda a colectividade, de comunhão cultural e ideológica, de identificação e de distinção. Assumem, assim, alto relevo sob o ponto de vista constitucional”.90
90
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 291 (Quando, no artigo [14°], se fala de “Bandeira Nacional” e de “Hino Nacional”, o adjectivo nacional aponta para o conceito de Nação como sinónimo de povo “fomado e determinado historicamente”, isto é, “portador de historicidade existencial”).
35
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Direito Constitucional II Teoria Geral do Estado
CAPÍTULO I – FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
1. Estado – Elementos do Estado O Estado é a sociedade política organizada. Para Gomes Canotilho, “o conceito de Estado é assumido como uma forma histórica de um ordenamento jurídico geral cujas características ou elementos constitutivos [são] os seguintes: (1) - territorialidade, isto é, a existência de um território concebido como “espaço da soberania estadual”; (2) - população, ou seja, a existência de um “povo” ou comunidade historicamente definida; (3) -politicidade: prossecução de fins definidos e individualizados em termos políticos. A organização política do Estado era, por sua vez, uma parte fundamental (“parte orgânica”) da Constituição”.91 Num sentido amplo, o Estado abrange “todo o complexo de entidades públicas, isto é, aquelas dotadas, entre outras coisas, de poder de autoridade -, e neste sentido se pode dizer por exemplo que o Estado abrange não apenas o Estado central, mas também os [órgão de poder local]. Noutros casos, tem um sentido menos amplo, excluindo precisamente as outras entidades públicas territoriais. Noutros casos ainda tem um sentido ainda mais restrito, abrangendo apenas o Estado-pessoa-colectiva representada pelo Governo e excluindo todas as outras entidades públicas”.92 No art. 1º da Constituição “o Estado designa a organização política da sociedade constitucionalmente institucionalizada”.93
91
Canotilho, 1993, págs. 14-15. Canotilho e Moreira, 2007, pág. 204. 93 Canotilho e Moreira, 2007, pág. 204. 92
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Jorge Miranda considera que o Estado tem as seguintes características: (a) complexidade de organização e actuação; (b) institucionalização; (c) coercibilidade e autonomização do poder político; e (d) sedentariedade.94 a) “A complexidade de organização e actuação consiste em centralização do poder, multiplicação e articulação de funções, diferenciação de órgãos e serviços, enquadramentos dos indivíduos em termos de faculdades, prestações e imposições”. b) Institucionalização do poder “significa dissociação entre a chefia, a autoridade política, o poder, e a pessoa que em cada momento tem o seu exercício; fundamentação do poder, não nas qualidades pessoais do governante, mas no Direito, que o investe como tal; permanência do poder para além da mudança de titulares; e sua subordinação à satisfação de fins não egoísticos, à realização do bem comum”. c) A coercibilidade traduz-se no poder do Estado de administrar justiça, o que implica o monopólio da força física. Por outro lado, as instituições do Estado, as instituições políticas e instituições especializadas, adquirem autonomia. d) A sedentariedade significa que o Estado assenta num território determinado. O mesmo autor, definindo o Estado moderno apresenta-lhe as seguintes características: - Estado nacional: “o Estado tende a corresponder a uma nação ou comunidade histórica de cultura”; - Secularização ou laicidade: o temporal e o espiritual afirmam-se em esferas distintas e a religião já não serve de base à comunidade. O poder político não prossegue fins religiosos. - Soberania: poder supremo e aparentemente ilimitado para vencer qualquer resistência interna à sua acção e para afirmar a sus independência perante outros Estados.95
94 95
Miranda, tomo I, 1997, pág. 47. Miranda, tomo I, 1997, págs. 64-65.
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2. Princípios constitucionais A Constituição (art. 1º, nº 1) define o Estado timorense como “um Estado de direito democrático”. Como já se referiu, “A “República”, destacada na epígrafe, sem adjetivos, identifica a comunidade política na sua totalidade intemporal, como substrato pré-constitucional distinto e anterior ao Estado que agora, precisamente, se pretende qualificar e ordenar”.96 Segundo Gomes Canotilho, o princípio do Estado de direito pressupõe por sua vez os seguintes princípios: a) O princípio da legalidade da administração “O princípio da legalidade da administração, sobre o qual insistiu sempre a teoria do direito público e a doutrina da separação de poderes, foi erigido, muitas vezes, em «cerne essencial» do Estado de direito. Postulava, por sua vez, dois princípios fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei (Vorrang des Gesetzes) e o princípio da reserva de lei (Vorbehalt des Gesetzes). Estes princípios permanecem válidos, pois num Estado democráticoconstitucional a lei parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático (daí a sua supremacia) e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo dos direitos fundamentais e da vertebração democrática do Estado (daí a reserva de lei). De uma forma genérica, o princípio da supremacia da lei e o princípio da reserva de lei apontam para a vinculação jurídico--constitucional do poder executivo.”97 b) Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos “Estes princípios apontam sobretudo para a necessidade de uma conformação formal e material dos actos legislativos, postulando uma teoria da legislação, preocupada em racionalizar e 96 97
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 19. Canotilho, 1993, pág. 371.
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optimizar os princípios jurídicos de legislação inerentes ao Estado de direito. A ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral de segurança: princípio da determinabilidade de leis expresso na exigência de leis claras e densas e o princípio da protecção da confiança, traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos”.98 c) O princípio da proibição do excesso “O princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso (Úbermassverbot), desdobra-se em várias exigências ou princípios que, esquematicamente, poderemos arrumar da seguinte maneira”: a) Princípio de conformidade ou adequação de meios (Geeignetheit), pretende “salientar que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada para a prossecução do fim ou fins a ele subjacentes”; b) Princípio da exigibilidade ou da necessidade (Erforderlichkeit), “este requisito, também conhecido como «princípio da necessidade» ou da «menor ingerência possível» coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível; c) O princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Verhãltnis-màssigkeit), necessidade de o resultado obtido com a intervenção ser proporcional à «carga coactiva» da mesma.99 d) O princípio da protecção jurídica e das garantias processuais “«Terceira dimensão do Estado de direito», «pilar fundamental do Estado de direito», «coroamento do Estado de direito», são algumas das expressões utilizadas para salientar a importância, no Estado de direito, da existência de uma protecção jurídica individual sem lacunas”.100 Aqui se incluem as garantias de direito penal, processuais e procedimentais, bem como de direito administrativo e do processo judicial em geral. “A expressão, “Estado de direito democrático, soberano, independente” insere a República timorense na família das modernas democracias constitucionais: a subordinação do poder ao Direito e à vontade popular, o exercício autónomo da criação e aplicação das suas próprias 98
Canotilho, 1993, págs. 371-372. Canotilho, 1993, págs. 382-384. 100 Canotilho, 1993, págs. 385-388. 99
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normas jurídicas, o relacionamento em pé de igualdade com os demais Estados membros da comunidade internacional. “A “vontade popular” e a “dignidade da pessoa humana” são os fundamentos do “Estado de direito democrático”, orientadores da ação e condições da sua própria legitimidade. São os polos indissociáveis da permanente tensão entre a vontade da maioria e a liberdade individual, entre o bem comum e a subjetividade, o público e o privado”.101
3. Objectivos e funções do Estado Como já se referiu, a Constituição da RDTL, vai para além da consagração de um Estado de direito democrático, prevendo já a criação de um Estado de direito democrático e social, na senda das modernas constituições mundiais. Gomes Canotilho divide as funções do Estado em três ordens: - Funções de Estado de primeira ordem são as de manutenção da segurança interna e externa do Estado, ou a criação de “ordem-quadro para o exercício de liberdade política e económica” (art. 6º, al. a)); - Funções de Estado de segunda ordem, como a política de “intervenção” e “estímulo” com o fim de criar instrumentos de “integração” necessários à organização capitalista da economia (art. 6º, al. d)); e - Funções de Estado de terceira ordem, a criação de pressupostos materiais para a realização da democracia social e económica. As funções de Estado de terceira “pressupõem intervenções qualitativas na ordem económica existente. Estas intervenções não se limitam a uma função de direcção (Steuerung durch Recht, Lenkungsrecht) ou de «coordenação» de uma «economia de
101
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 20.
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mercado»; são instrumentos de transformação e modernização das estruturas económicas e sociais” (art. 6º, als. e), f), g), i) e j)).102 Promover a “edificação de uma sociedade com base na justiça social, criando o bem-estar material e espiritual dos cidadãos”, sintetiza os objetivos do Estado da proteção da liberdade individual e a garantia dos direitos de participação política, os quais só “realizáveis no quadro de valores de uma sociedade solidária, atenta à criação das condições materiais indispensáveis ao desenvolvimento económico, à melhoria das condições de vida, à igualdade de oportunidades no acesso à educação, à saúde, e à segurança social”.103
102 103
Canotilho, 1993, págs. 474. Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 37.
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CAPÍTULO II - ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO
1. Princípios Gerais Parte III da Constituição é dedicada à “organização do poder político”, aí se definindo as competências e atribuições do Presidente da República (Título II), as competências e atribuições da Assembleia da República, a forma e o processo dos actos deste mesmo órgão, a sua organização e funcionamento (Título III); a função e estrutura do Governo, sua formação, responsabilidade e competência (Título IV); a organização dos tribunais e o estatuto dos titulares da função jurisdicional, Ministério Público e Advocacia (Título V); a estrutura da administração pública (VI). Conforme resulta da própria definição da Constituição, enquanto instrumento de organização do poder político do Estado, “a uma lei fundamental pertence determinar vinculativamente as competências dos órgãos de soberania e as formas e processos do exercício do poder”.104 Nos termos do art. 67º da Constituição, “São órgãos de soberania o Presidente da República, o Parlamento Nacional, o Governo e os Tribunais.” “A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de Poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade”.105 O princípio da separação de poderes está consagrado no art. 69º da Constituição. “A separação de poderes tem uma dimensão negativa, de separação/limitação do exercício do poder pelo seu controlo recíproco, e uma dimensão positiva, ordenadora da organização do poder político segundo variáveis critérios de legitimidade e democraticidade. Por um lado, importa proteger os cidadãos pela disseminação dos centros de exercício do poder público, cujo controlo mútuo 104 105
Canotilho, 1993, págs. 73. Moraes, 2003, pág. 369.
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(checks and balances) é uma das suas principais garantias. Por outro lado, a separação de poderes impõe constitucionalmente a legitimidade democrática (direta e indireta) da ação dos órgãos de soberania, como sucede diretamente com o Parlamento ou o Presidente da República e, indiretamente, com o Governo que responde perante o PN e o PR. No caso dos tribunais, a legitimidade da sua ação é de outra forma garantida pela Constituição, por exemplo, impondo especiais garantias de independência, que todos os demais poderes deverão respeitar. A legitimidade própria de cada um dos órgãos de soberania é o fundamento para o seu controlo mútuo (checks and balances) – razão pela qual, além de estrita separação, este é também um princípio de interdependência de poderes”.106 Conforme explica Alexandre de Moraes, “Lembremo-nos que o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade a proteção da liberdade individual contra o arbítrio de um governante onipotente. Em conclusão, o Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha da idéia de Tripartição de Poderes, já entende que esta fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo o seu povo o bem-estar, devendo, pois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado “freios e contrapesos” (checks and balances)”.107 Acrescenta Gomes Canotilho, trata-se de racionalizar e limitar os poderes públicos. “É também uma função clássica associada ao princípio da divisão de poderes (separação e interdependência) como princípio informador da estrutura orgânica da constituição. Separando os órgãos e distribuindo as funções consegue-se, simultaneamente, uma racionalização do exercício das funções de soberania e o estabelecimento de limites recíprocos”.108 Citando, de novo Alexandre de Moraes, “Não existirá, pois, um Estado democrático de direito, sem que haja Poderes de Estado e Instituições, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de direitos fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade
106
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 243. Moraes, 2003, pág. 373. 108 Canotilho, 1993, pág. 73. 107
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desses requisitos. Todos estes temas são de tal modo ligados que a derrocada de um, fatalmente, acarretará a supressão dos demais, com o retorno do arbítrio e da ditadura”.109 No que respeita à forma de organização do poder político pode-se caraterizar o regime político consagrado na Constituição como semi-presidencial, ou regime misto parlamentar presidencial, “onde são visíveis elementos caracterizadores do regime parlamentar e dimensões próprias da forma de governo presidencialista”.110 Seguindo Gomes Canotilho111, são traços do regime parlamentar: a) Autonomia do Governo “Tal como no regime parlamentar, onde existe um conselho de ministros, presidido por chefe de governo, com autonomia institucional e competência própria, e ao contrário do regime presidencialista puro, em que os «secretários de Estado» não formam um corpo autónomo, sendo meros executantes do Presidente da República, a [Constituição da RDTL] estabelece a existência de um Governo dirigido por um Primeiro-Ministro como órgão de soberania institucionalmente autónomo” (arts. 103º a 105º). b) Responsabilidade ministerial “A responsabilidade política do governo perante o parlamento … está constitucionalmente consagrada na [Constituição da RDTL] como pode ver-se nos arts. 109º a 112º. O desenvolvimento da responsabilidade política do Governo perante o Parlamento não se afasta, no nosso sistema, do clássico modelo parlamentar: (i) ou se trata de uma iniciativa [do PN] através de uma moção de censura (art. 111º); (ii) ou se verifica uma iniciativa do próprio Governo através de uma moção de confiança (art. 110º)”. 109
Moraes, 2003, pág. 374. “Sendo a lei “fonte do direito”, “instrumento principal de dominação” e “prerrogativa máxima do poder soberano”, indiscutível a necessidade de se prever a existência de um órgão estatal para sua realização. Órgão este independente e autônomo, a fim de realizar seu mister sem ingerências indevidas de outros órgãos estatais. Para tanto, consagrouse a separação das funções do Estado mediante critérios funcionais” (Moraes, 2003, pág. 419). 110 Canotilho, 1993, pág. 582. 111 Canotilho, 1993, págs. 583-585.
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Traços do regime presidencial: a) A instituição de um Presidente da República eleito através de sufrágio directo “Tal como acontece nos sistemas presidencialistas, o PR é eleito através de sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos [timorenses (art. 76º, nº 1)]. Não se estabelece, pois, uma legitimidade indirecta do PR derivada da sua eleição pelas câmaras como acontece nos regimes parlamentares republicanos. b) O direito de veto político e legislativo “Embora o PR não disponha de iniciativa legislativa, pode opor-se através do veto, como acontece nos regimes presidenciais, às leis” votadas pelo PN (cfr. art. 88º, nº 1). c) A existência de poderes de direcção política “Um regime presidencial caracteriza-se pela existência de poderes de direcção política por parte do presidente da república, diferentemente do que acontece com um presidente da república em regime parlamentar. O que rigorosamente imprime uma dimensão presidencialista ao regime é: (i) o conjunto de poderes institucionais conferidos ao PR e inexistente nos regimes parlamentares; (ii) a existência de poderes próprios de um indirizzo político activo; (iii) a desnecessidade, como corolário da natureza activa dos poderes próprios, da referenda ministerial … (nos regimes parlamentares a regra é, pelo contrário, a necessidade de referenda ministerial)”.
2. Poder Legislativo “O sistema de governo semipresidencialista timorense acolhe a típica atribuição do exercício da função legislativa a um órgão democrático-representativo. Por isso, o Parlamento Nacional é, nos
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termos deste artigo, “o órgão de soberania da República Democrática de Timor-Leste, representativo de todos os cidadãos timorenses”.112 Conforme resulta do art. 92º da Constituição, o Parlamento Nacional (titular do poder legislativo segundo o princípio da separação de poderes) não tem apenas funções legislativas, competindolhe igualmente a função de fiscalização e a função de decisão política. “O Parlamento assume, para o pleno cumprimento destas funções, um conjunto de poderes que os arts. 95.° a 98.° melhor especificam: poder orçamental; poder de revisão constitucional; poder exclusivo para legislar sobre as matérias mais sensíveis – como a delimitação do território, a nacionalidade, direitos, liberdades e garantias – e poder de colaborar com o Governo na regulação de outras, através do mecanismo de autorização legislativa; e poderes amplos de controlo da ação de outros órgãos, em particular, do Governo e da Administração”.113 Quanto ao poder legislativo, a Constituição atribui ao Parlamento Nacional o exclusivo da acção legislativa (“a lei entendida no sentido formal e restrito” de “acto normativo emanado [do Parlamento Nacional e] elaborado de acordo com a forma e procedimento constitucionalmente prescrito”).114 “A Função Legislativa dos Parlamentos nacionais caracteriza tipicamente a formulação constitucional liberal, segundo a qual a “vontade geral” da comunidade política seria formulada através da representação democrática que se conseguia no Parlamento. Por serem órgãos plurais, representativos de ideologias e sensibilidades diversas e por ser o debate parlamentar uma discussão transparente e aberta acessível aos representados, justifica-se que os atos legislativos do Parlamento gozem de prerrogativas especiais relativamente aos atos legislativos do Governo. Assim, a Constituição consagra um princípio de reserva de lei formal de lei, previsto no art. 95º, nº 1 e 2”.115
112
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 308. Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 308-309. 114 Canotilho, 1993, pág. 704. 115 Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 318. 113
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Segundo Gomes Canotilho, “No momento actual de progressiva ampliação da competência legislativa do executivo, o problema da reserva da lei ganha sentido se quisermos acentuar não tanto a divisão dos poderes (hoje substancialmente atenuada face à institucionalização da prática dos decretos-leis) ou a função dos parlamentos como simples órgãos de controlo político ou de ratificação da legislação governamental, ou ainda a redução das leis parlamentares à fixação racionalizadora e estabilizadora de uma ordem estadual (reserva de lei informada pela ideia de Estado de direito), mas sim a legitimidade democrática das assembleias representativas, expressa na consagração constitucional da preferência e reserva de lei formal para a regulamentação de certas matérias”.116\ Na Constituição da RDTL esta tendência foi devidamente acautelada reservando o poder legislativo efectivamente ao Parlamento Nacional, conforme se pode verificar confrontando os poderes legislativos de tal órgão com os poderes legislativos do governo. “Destaca-se, no nº 1 deste artigo, a previsão de uma competência legislativa genérica do Parlamento Nacional. Apesar de esta competência genérica parecer operar apenas na ausência de previsão especial em sentido contrário nos catálogos da reserva absoluta e relativa do PN e do Governo, a verdade é que não poderá ser esquecida como critério interpretativo de todo o sistema de repartição de competências legislativas”. “A previsão de uma competência legislativa genérica do PN presta homenagem ao princípio democrático, assim mais fiel e diretamente cumprido”.117 Hegel, ao conceber o poder legislativo como o poder de organizar o universal, considera a lei como expressão do geral e os actos do executivo como expressão do particular. “Quando se tem de distinguir entre aquilo que é objecto de legislação geral e aquilo que pertence ao domínio das autoridades administrativas e da regulamentação governamental, pode essa distinção geral assentar em que na primeira se encontra o que, pelo seu conteúdo, é inteiramente universal. No segundo encontram-se, ao contrário, o particular da modalidade de execução”.118
116
Canotilho, 1993, págs. 704-705. Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 320-321. 118 Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, Lisboa, 1959, pág. 309, citado por Canotilho, 1993, pág. 695. 117
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3. O Governo O governo é o “órgão de soberania autónomo, que define a condução política e administrativa do Estado” (art. 103º da Constituição).119 Para Gomes Canotilho, “A palavra ‘governo’ é plurisignificativa: (1) é o complexo organizatório do Estado (conjunto de órgãos) ao qual é reconhecida competência de direcção política (ex.: forma de governo); (2) conjunto de todos os órgãos que desempenham tarefas e funções não enquadráveis no «poder legislativo» e no «poder jurisdicional» (ex.: «poder executivo»); (3) órgão constitucional de soberania com competência para a condução da política geral do país e superintendente na administração pública (cfr. art. [103º da Constituição])”.120 “O Governo é institucionalmente constituído por três órgãos necessários, distintos mas estreitamente conexionados (cfr. arts. 104º e 105º): o Primeiro-Ministro, o Conselho de Ministros e os ministros, individualmente considerados. Quando se fala em Governo no sentido rigoroso deve entender-se o Governo como órgão colegial e não o Primeiro-Ministro e ministros. Neste sentido, a [Constituição] atribui determinadas competências ao Governo que só ele, como órgão colegial, pertence exercer” (cfr. arts. 108º, nº 2, e 116º).121 Porém, “embora o Governo seja responsável perante o Presidente da República e perante a Assembleia da República, ele não é nem uma «comissão do parlamento» nem um «executivo» submetido ao Presidente da República. É um órgão constitucional autónomo com competência (política, legislativa e administrativa) específica”.122 Embora a Constituição não faça qualquer referência ao poder legislativo do Governo, com excepção da matéria da sua exclusiva competência (art. 115º), certo é que os Decretos Lei do
119
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 343. Canotilho, 1993, pág. 745. 121 Canotilho, 1993, págs. 745-746. 122 Canotilho, 1993, pág. 746. 120
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Governo foram elencados entre as fontes nacionais de direito no art. 5º, nº 2, al. d), da Lei nº 1/2002, de 7 de Agosto. No entanto, este facto, associado à circunstância de não existir nenhuma norma que atribua ao Governo competência legislativa residual, ou concorrente, significa que o Governo não pode legislar fora do âmbito expressamente previsto no art. 115º, o que reforça de forma clara a competência legislativa do Parlamento Nacional, em detrimento do Governo.
4. A Presidência da República Ao Presidente da República são atribuídos poderes próprios (numa linha mista de regimes presidencialistas e de governos dualistas) e poderes partilhados (numa orientação próxima de regimes parlamentares republicanos). Os poderes próprios (por vezes chamados «institucionais») são aqueles que o Presidente da República é autorizado pela Constituição a praticar, só e pessoalmente, mesmo quando se verifiquem algumas exigências constitucionais (pareceres, consultas): dissolução da Assembleia da República (art. 86º, al. f)),; nomeação do Primeiro-Ministro (art. 85º, al. d)) e demissão do Governo (arts. 86º, al. g); etc.. Porém, “os poderes (próprios ou partilhados) constitucionalmente reconhecidos ao Presidente da República não devem confundir-se com direcção política presidencial. O Presidente da República não é na estrutura constitucional, um Presidente que governa, mas é, seguramente, um Presidente com funções politicamente conformadoras”.123 Particularmente relevantes são as funções atribuídas ao Presidente em tempos de crise (art. art. 85º, als. g) e h)).
123
Canotilho, 1993, págs. 729-730.
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O Conselho de Estado é um órgão constitucional auxiliar, pois ele é configurado constitucionalmente como “órgão de consulta política do Presidente da República” (art. 90º).
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