A RESPONSABILIDADE PENAL DO ESTADO - escolamp.org.br

A RESPONSABILIDADE PENAL DO ESTADO POR CONDUTAS LESIVAS AO MEIO AMBIENTE Luís Eduardo Marrocos de Araújo* SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Fundamentos constit...

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A RESPONSABILIDADE PENAL DO ESTADO POR CONDUTAS LESIVAS AO MEIO AMBIENTE Luís Eduardo Marrocos de Araújo

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SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Fundamentos constitucionais da responsabilidade penal do Estado por condutas lesivas ao meio ambiente. 3 A responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público na Lei 9.605/98. 3.1 Penas aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público. 4 Conclusões.

1 INTRODUÇÃO Segundo Déjant-Pons1 (apud MACHADO, 1994, p. 25), “o direito ao meio ambiente é um dos maiores direitos humanos do século XXI, na medida em que a humanidade se vê ameaçada no mais fundamental de seus direitos – o da própria existência”. Apesar da importância atribuída ao direito ao meio ambiente, verificam-se diuturnamente nos veículos de comunicação de massa relatos de graves violações aos bens jurídicos ambientais. Noticiam-se acidentes nucleares, desastres petrolíferos, desmatamento de áreas de preservação permanente, atividades poluidoras de todas as formas, fatos que, em geral, causam danos irreversíveis à natureza, e que, em regra, são provocados por pessoas jurídicas, muitas vezes, de forma criminosa. Nesse quadro criminológico, as pessoas jurídicas de direito público ocupam espaço importante. O Estado de nossos dias, fruto da concepção de Estado-do-bem-estar-social, intervém direta ou indiretamente em uma infinidade de atividades de natureza econômica e social, produzindo quantidades expressivas de condutas potencialmente lesivas ao ambiente. As pessoas jurídicas de direito público movimentam orçamentos gigantescos e empregam milhões de pessoas para satisfazer necessidades coletivas das mais variadas espécies em áreas *

Luís Eduardo Marrocos de Araújo é membro do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e pósgraduando em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental pela Universidade de Brasília. 1

DÉJEANT-PONS, Maguelonne. In Revue Universelle des Droits de l’Homme. “L’insertion du droit de l’homme à l’environnemement dans les systèmes régionaux de protection des droit de l’homme”. StrasbourgKehl. vol. 3. n. 11, p. 461-470, 1991.

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como as de transporte, comunicações, habitação, saneamento básico, biotecnologia, mineração, recursos hídricos, energia, defesa, além de inúmeras outras. Tais atividades, assim como as que são exercidas pelas pessoas jurídicas privadas, oferecem riscos ambientais, que devem ser controlados pelo ordenamento jurídico por meio de tutela penal. A política de responsabilização penal das pessoas jurídicas representa um avanço na tutela penal do meio ambiente, mas não pode ser efetiva se restrita apenas às pessoas jurídicas privadas como sugere parte da doutrina. É preciso que todas as pessoas jurídicas capazes de causar lesões ao meio ambiente sujeitem-se ao controle penal ambiental, o que implica, necessariamente, na sujeição criminal das pessoas jurídicas de direito público. A importância da responsabilização criminal do Estado para a contenção dos delitos contra o meio ambiente já foi assimilada em nível internacional. O Conselho da Europa em 1977, por meio da Resolução 77-28, e a Organização das Nações Unidas em 1979, no VI Congresso para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, expediram recomendações aos seus respectivos Estados-membros no sentido de incluir as pessoas jurídicas de direito público na política de responsabilização penal das corporações. No campo doutrinário, a Associação Internacional de Direito Penal no XV Congresso Internacional de Direito Penal (1994) expediu recomendação específica, propondo a sujeição criminal das pessoas jurídicas públicas, nos seguintes termos:

Onde for possível, nos termos da lei básica de um país, responsabilizar as entidades públicas por delitos penais cometidos no curso do desempenho de funções públicas ou em outras circunstâncias, deve ser possível a persecução dessas autoridades públicas por crimes contra o meio ambiente, ainda que a responsabilidade pelo delito não possa ser diretamente imputada a um elemento humano dessa entidade.

No Brasil, as manifestações doutrinárias acerca do tema têm sido, em sua maior parte, favoráveis à sujeição criminal do Estado. Segundo Paulo Affonso Leme Machado (2002, p. 656): A irresponsabilidade penal do Poder Público não tem ajudado na conquista de uma maior eficiência administrativa. A tradicional “sacralização” do

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Estado tem contribuído para o aviltamento da sociedade civil e das pessoas que a compõem. Responsabilizar penalmente todas as pessoas de direito público não é enfraquecê-las, mas apoiá-las no cumprimento de suas finalidades.

Além de Machado, manifestaram-se favoravelmente à política de responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público, entre outros, Walter Claudius Rothenburg (1997, p. 212); Nicolao Dino de Castro e Costa Neto; Ney de Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa (2001, p. 69); Maria Celeste Cordeiro Leite Santos (in GOMES, 1999, p. 125) e Klaus Tiedemann (in GOMES, 1999, p. 149). Contra essa possibilidade estão entre outros Sérgio Salomão Shecaira (2003, p. 188), Guilherme José Purvin de Figueiredo e Solange Teles da Silva (1998, p. 43).

2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA RESPONSABILIDADE PENAL

DO

ESTADO

POR

CONDUTAS

LESIVAS

AO

MEIO

AMBIENTE O crescente impacto das condutas ofensivas ao meio ambiente praticadas pelas corporações levaram o constituinte de 1988 a prever explicitamente a queda do dogma societas delinquere non potest em relação aos delitos ambientais nos termos do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, segundo o qual “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Tal dispositivo contém a matriz constitucional da responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público por atos lesivos contra o meio ambiente. A referida disposição constitucional encerra uma valoração político-criminal do constituinte, determinando ao legislador infraconstitucional a edição de lei que sujeite as pessoas físicas e jurídicas responsáveis por lesões ao meio ambiente a sanções de natureza penal. É uma obrigação constitucional expressa de tutela penal que abrange a sujeição criminal das pessoas jurídicas de direito público. Não há como raciocinar de outro modo. A expressão “pessoas jurídicas” representa o gênero do qual as pessoas jurídicas públicas e privadas são espécies. É príncipio básico de

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hermenêutica que onde a lei não faz distinção, não cabe ao intérprete distinguir (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). A interpretação sistemática confirma a exegese apresentada. O caput do art. 225 menciona expressamente o Poder Público como sujeito da obrigação constitucional de defender e preservar o meio ambiente nos seguintes termos: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A expressão “preservar” empregada no art. 225 evidentemente não tem o mesmo significado que “defender”, já que a lei, em especial a Constituição, não contém palavras inúteis. A palavra “defender” está empregada no sentido de garantir o meio ambiente, protegê-lo. É uma obrigação positiva, um agir para evitar o dano ambiental. Para o Poder Público, significa a imposição de implantar políticas e ações públicas de fiscalização e controle das atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente. A palavra “preservar”, por outro lado, implica na proibição de praticar condutas lesivas ao meio ambiente. É uma vedação, uma obrigação negativa. Significa igualmente para o Poder Público, representado pelas pessoas jurídicas de direito público, e para a comunidade, representada pelas pessoas físicas e jurídicas privadas, que todas as suas condutas deverão ser pautadas pela obrigação de não lesar o meio ambiente. O § 3º do art. 225 nada mais faz do que prever as sanções aplicáveis àqueles que vierem a descumprir os deveres ambientais previstos no caput. Em sendo o Poder Público um dos destinatários do dever constitucional de preservar o meio ambiente, não há dúvida de que a previsão de sanções penais a ele também se destina. Segundo Konrad Hesse2 (apud FREITAS, 2002, p. 198):

Dado que a Constituição pretende ver-se atualizada e uma vez que as possibilidades e condicionamentos históricos dessa atualização modificamse, será preciso, na solução de problemas, dar preferência àqueles pontos de vista que, sob as circunstâncias de cada caso, auxiliem as normas constitucionais a obter a máxima eficácia. 2

HESSE, Konrad. Grundzüg des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Heidebeg: C. F. Muller Juristischer Verlag, 1978 (Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983), p. 30. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, abr. 2005. Disponível em: .

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Na atual realidade social em que corporações públicas são responsáveis por significativas parcelas de condutas potencialmente lesivas ao meio ambiente, a única interpretação que auxilia o § 3º do art. 225 da Constituição Federal a obter máxima eficácia é aquela que sujeita as pessoas jurídicas públicas à responsabilização criminal. Essa é a interpretação que corresponde à aplicação do princípio constitucional da máxima efetividade na lição de Hesse. Ademais, sob a perspectiva da concepção de Estado de Direito as pessoas jurídicas públicas se sujeitam à lei tanto quanto as pessoas privadas. Não há razão alguma para se vislumbrar a impossibilidade de responsabilização penal do Estado sob essa perspectiva. Além disso, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público harmoniza-se com o regime jurídico-administrativo instituído pela Constituição Federal para as pessoas jurídicas públicas. Os princípios básicos do regime jurídico-administrativo constam do art. 37, caput, da Constituição Federal, compreendendo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O instituto da responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público reforça os princípios da legalidade, moralidade e eficiência na medida em que, ao cumprir com a sua função de prevenir delitos, evita a prática de atos ilegais e imorais por parte do Poder Público, favorecendo o funcionamento eficiente da máquina administrativa. O instituto contribui também para com o princípio da impessoalidade, uma vez que realça a distinção que deve ser feita entre a responsabilidade própria do Estado e a dos agentes públicos que agem em seu nome. A responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público desempenha também uma função de concretização do princípio da publicidade. Com efeito, embora o Estado possa na prática cometer delitos ambientais, segundo o conceito material de crime, a sociedade somente poderá assimilar esse fato se houver sobre ele um reconhecimento formal por parte do Poder Judiciário, já que ninguém pode ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado de sentença condenatória, conforme dispõe o art. 5º, LVII, da Constituição Federal. É direito dos cidadãos, segundo o princípio da publicidade, ter ciência de todas as condutas praticadas pelo Estado, em especial sobre eventuais condutas ilícitas, a fim de possibilitar o seu controle pela sociedade. Trata-se de direito que se funda na própria concepção de Estado Democrático de Direito. Sobre o princípio da publicidade afirma Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p. 71):

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Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

Sem o reconhecimento formal de ilícitos penais praticados pelo Estado, os cidadãos deixam de ter a oportunidade de conhecer a gravidade dos atos praticados pelas pessoas jurídicas públicas, deixando de exercer seus direitos democráticos de participação nos negócios do Estado a fim de corrigir-lhe a atuação, evitando a prática de novos delitos. Eis a importância da sujeição criminal do Estado para a realização do princípio da publicidade e da concepção de Estado Democrático de Direito.

3 A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO NA LEI 9.605/98 O legislador, com o fim de atender à obrigação de tutela penal imposta pelo § 3º do art. 225 da Constituição Federal, editou a Lei 9.605/98. O art. 3º da Lei 9.605/98 instituiu a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por condutas lesivas ao meio ambiente nos seguintes termos: Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

O caput do art. 3º da Lei 9.605/98, assim como o § 3º do art. 225 da Constituição, não excepcionou as pessoas jurídicas de direito público da responsabilidade criminal ambiental. Deve, portanto, ser interpretado do mesmo modo que a sua matriz constitucional (art. 225, § 3º, da Constituição Federal).

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A responsabilidade criminal das pessoas jurídicas de acordo com o referido dispositivo depende de duas condicionantes: em primeiro lugar, o fato criminoso deve ter sido cometido por decisão do representante legal ou contratual da pessoa jurídica, ou de seu órgão colegiado. Em segundo lugar, a decisão deve ter sido feita no interesse ou benefício da pessoa jurídica. A primeira condicionante é a versão positivada da teoria do órgão, forma tradicional com que o Direito admite a formação da vontade das corporações. Mello (1999, p. 85) bem explica a dinâmica de formação da vontade das pessoas jurídicas estatais, nos moldes preconizados pela referida teoria: 2. Órgãos são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado. Por se tratarem, tal como o próprio Estado, de entidades reais, porém abstratas (seres de razão), não têm nem vontade nem ação, no sentido de vida psíquica ou anímica próprias, que, estas, só os seres biológicos podem possuí-las. De fato, os órgãos não passam de simples repartições de atribuições, e nada mais. 3. Então, para que tais atribuições se concretizem e ingressem no mundo natural, é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de agentes. O querer e o agir desses sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nesta qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir dos órgãos componentes do Estado. Em suma, a vontade e a ação do Estado (manifestada por seus órgãos, repita-se) são constituídas na e pela vontade e ação dos agentes; ou seja: Estado e órgãos que o compõem se exprimem através dos agentes, na medida em que ditas pessoas físicas atuam nessa posição de veículos de expressão do Estado.

A segunda condicionante representa um plus exigido pela Lei 9.605/98 para imputar vontade criminosa às pessoas jurídicas. Para tanto, a deliberação corporativa há de ser tomada “no interesse ou benefício” da entidade. Para as pessoas jurídicas de fins lucrativos, essa condicionante fica implementada sempre que a decisão puder trazer algum benefício econômico direto ou indireto à pessoa jurídica, ainda que determine uma ação desvinculada das atividades empresariais que a pessoa jurídica normalmente desenvolve. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, abr. 2005. Disponível em: .

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Quanto às pessoas jurídicas de fins não lucrativos, entre as quais se inserem as pessoas jurídicas de direito público, o interesse ou benefício capaz de sujeitá-las a sanções criminais liga-se aos serviços que desenvolvem para alcançar os seus fins institucionais. Ou seja, a deliberação haverá de estar ligada à obtenção de vantagem de qualquer natureza que possa de colaborar para o exercício das atividades desenvolvidas pela pessoa jurídica na persecução de seus fins institucionais. Pode-se ilustrar com exemplo de Machado (2002, p. 671) em que determinado Município, com o fim de desempenhar atividade de saneamento básico, lança esgotos públicos em determinada praia, dificultando o seu uso pela população, incidindo assim nas penas do art. 54, § 2º, IV, da Lei 9.605/98. Pode-se ilustrar também com a hipótese de a União, por meio das Forças Armadas, vir a praticar exercícios militares em área de proteção ambiental, com o fim de manter suas tropas preparadas para a defesa nacional, praticando com isso degradações ambientais criminosas, puníveis na forma da Lei 9.605/98. Anote-se que entidades ambientalistas há alguns anos denunciaram o exército brasileiro pela prática de exercícios militares em ilha do litoral paulista considerada santuário ecológico e um dos poucos onde é viável a reprodução de tartarugas (Shecaira, 2003, p.190). 3.1 PENAS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO A finalidade das penas aplicáveis às entidades estatais vincula-se à teoria da prevenção positiva dos delitos. A teoria da prevenção negativa, baseada na idéia de prevenção dos delitos por meio da intimidação, não se aplica às pessoas jurídicas, porque não são intimidáveis no sentido psíquico da expressão. Sobre essa questão, João Marcello de Araújo Junior (in GOMES, 1999, p. 74) faz interessante reflexão ao refutar cultores do dogma societas delinquere non potest: Nos dias atuais, o Direito Penal não sofre mais do mal da retribuição, que gerou uma idéia de prevenção negativa. Não se dá mais crédito à crença na intimidação de criminosos ou potenciais criminosos, pela ameaça de sofrimento, dor e tormentos. O sentido do sinal da prevenção inverteu-se, passando de negativo para positivo. Nos dias que correm, obtém-se melhor efeito preventivo através da tutela das expectativas da comunidade em relação à manutenção da validade da norma infringida, ou, nas palavras de Jacobs, o que se busca é a

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estabilização das expectativas comunitárias de validade e vigência da norma violada. Em suma, o Direito Penal moderno repeliu a idéia de retribuição e adotou um conceito funcional de prevenção geral e especial positiva. Abandonou a idéia de que o autor precisa sofrer para emendar-se (as idéias de arrependimento e emenda são secundárias). Hoje a missão do Direito Penal não é mais causar sofrimento, mas sim reforçar no âmbito da cidadania a idéia de vigência, utilidade e importância, para a convivência social, da norma violada pelo criminoso. Para esse fim, pouco importa que o violador da norma tenha sido uma pessoa natural ou uma pessoa jurídica.

Na perspectiva da prevenção geral positiva, as penas aplicáveis às pessoas jurídicas públicas têm por finalidade manter estáveis as expectativas da sociedade acerca da validade e vigência das normas penais, obtendo com isso a inibição de práticas delitivas, efeito que se fortalece com a percepção de que a lei penal impõe-se a todos, inclusive ao próprio Estado. Sob a perspectiva da prevenção especial positiva, as penas dirigidas às pessoas jurídicas públicas têm por finalidade obter a alteração do modo de atuação das entidades condenadas por meio de pressões democráticas resultantes da repercussão da condenação da entidade pública no meio social. Cientes dos desvios praticados por determinada entidade pública, os cidadãos podem exigir dos governantes as ações necessárias à correção dos rumos da entidade estatal, prevenindo assim a prática de novos delitos. O art. 21da Lei 9.605/98 prevê as sanções penais aplicáveis às pessoas jurídicas em geral: Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I – multa; II – restritivas de direitos III – prestações de serviços à comunidade.

A multa, conforme o art. 18 da Lei 9.605/98, será calculada segundo os critérios do Código Penal, mas, revelando-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo de acordo com aquele Código, poderá ser aumentada até 3 (três) vezes, tendo em vista o valor da vantagem auferida. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, abr. 2005. Disponível em: .

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As sanções restritivas de direitos e de prestação de serviços à comunidade constam dos arts. 22 e 23 da referida lei, nos seguintes termos: Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. § 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. § 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Figueiredo e Silva (1998, p. 43), autores contrários à responsabilização penal da pessoa jurídica pública, afirmam serem inadequadas as sanções previstas na Lei 9.605/98 quando aplicadas ao Estado, porque ou seriam inócuas ou acabariam por prejudicar a população. A primeira colocação a se fazer com relação à ponderação dos citados autores é a de que têm razão quanto ao fato de que há penas que não podem ser aplicadas às pessoas jurídicas de direito público em face de prejuízos que poderiam ser causados à população. Mas, nem todas as penas previstas na Lei 9.605/98 são incompatíveis com as pessoas estatais. As penas que não podem ser aplicadas às pessoas jurídicas de direito público são as penas restritivas de direitos: a suspensão parcial ou total de atividades; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. Tais penas, se aplicadas, prejudicariam a

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produção de serviços da pessoa jurídica condenada, atingindo a população, sem que houvesse uma compensação dessas perdas mediante a sua conversão em benefícios sociais. Devem, portanto, ser evitadas em respeito ao princípio da pessoalidade da pena, previsto no art. 5º, XLV, da Constituição Federal. A aplicação da pena de multa, por outro lado, não encontra esse óbice porque, além de não influir nas atividades da pessoa jurídica de direito público, será destinada ao Fundo Penitenciário, revertendo-se, portanto, em uma prestação social, do que resulta em inexistência de prejuízos à população quando de sua aplicação. A aplicação da pena de prestação de serviços à comunidade, evidentemente, é perfeitamente possível, já que constitui em si um benefício para a população, não havendo de se falar em prejuízos. A crítica que Figueiredo e Silva fazem com relação às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade é de que seriam inócuas. A multa não passaria de um remanejamento orçamentário, enquanto que a imposição de prestação de serviços à comunidade não seria pena, porque a prestação de serviços faz parte da missão institucional das pessoas jurídicas de direito público. Não têm razão os referidos autores. A multa e a prestação de determinados serviços à comunidade têm natureza jurídica de pena porque restringem a liberdade de ação das pessoas jurídicas públicas em função da prática de uma infração penal por decisão do Poder Judiciário. Além disso, a condenação penal inflige na pessoa jurídica de direito público o estigma da pena, nota essencial de qualquer condenação criminal. É preciso considerar, outrossim, que as penas aplicáveis às pessoas jurídicas públicas não têm como objetivo infligir-lhes pesados gravames. Não é intenção do Direito Penal voltado às pessoas jurídicas públicas prejudicar suas atividades ou buscar infligir-lhes temor para que não venham a delinqüir (teorias da prevenção negativa da pena). A finalidade das penas aplicáveis às entidades estatais, conforme mencionado, vincula-se à teoria da prevenção positiva dos delitos. Nessa perspectiva, as penas de multa e de prestação de serviços à comunidade não se mostram inócuas, mas suficientes e adequadas às finalidades das penas aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público. Muito mais importante do que infligir severas punições ao Estado é a possibilidade de se levar ao conhecimento da sociedade o reconhecimento pelo Poder Judiciário da prática de ilícitos criminais pelo Poder Público, especialmente com relação aos delitos que ofendem

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bens jurídicos tão caros à humanidade, como são os bens jurídicos ambientais. É a publicidade que se dá ao reconhecimento formal das condutas criminosas do Estado que permite fazer surgir na sociedade a irresignação necessária a que pressões democráticas surjam e determinem mudanças nos rumos da máquina pública, evitando assim a prática de novos delitos. Eis a essência do Direito Penal direcionado às pessoas jurídicas de direito público.

4 CONCLUSÕES Com base no exposto, há de se concluir que: 1 - No âmbito da tutela penal do meio ambiente, a responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público constitui um importante e necessário avanço para a superação do atual quadro criminológico em que o meio ambiente tem sido alvo de crescentes incidências criminais por parte das corporações. 2 - O art. 225 da Constituição Federal contém em seu § 3º uma obrigação constitucional de tutela penal ambiental, que abrange a responsabilização das pessoas jurídicas de direito público na medida em que o caput do art. 225 dispõe que o dever de preservar o meio ambiente dirige-se não somente à coletividade, representada pelas pessoas físicas e jurídicas de direito privado, como também ao Poder Público, representado pelas pessoas jurídicas de direito público. 3 - Os princípios de direito administrativo, assim como os próprios valores do Estado Democrático de Direito recomendam a responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público. 4 - A lei 9.605/98, que regulamentou o art. 225, § 3º, da Constituição Federal, desincumbiu-se satisfatoriamente de sua missão, incluindo na tutela penal do meio ambiente a responsabilização criminal das pessoas jurídicas sem ressalva às pessoas jurídicas de direito público. 5 - As penas aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público são as de multa e de prestação de serviços à comunidade. As penas restritivas de direitos não podem ser aplicadas às pessoas jurídicas públicas em face do princípio da pessoalidade previsto no art. 5º, XLV, da Constituição Federal, já que, se aplicadas, limitariam excessivamente a capacidade de

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prestação de serviços públicos da condenada, resultando em inevitável prejuízo à população. 6 - O reconhecimento pelo Poder Judiciário de infrações penais cometidas pelo Estado é essencial para que a sociedade, ciente desses delitos, possa alterar os rumos da máquina pública por meio de pressões democráticas, prevenindo novas infrações estatais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flávio Dino de Castro e. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais – Comentários à Lei nº 9.605/98. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; SILVA, Solange Teles da. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas de Direito Público na Lei 9.605/98. In: Revista de Direito Ambiental nº 10, ano 3, abr.-jun., 1998, p. 43-59. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10.ed. São Paulo: Editora Malheiros Editores, 2002. ________. Estudos de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Malheiros Editores, 1994. GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias e Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11.ed. São Paulo: Editora Malheiros Editores, 1999. ROTHENBURG, Walter Claudius. A Pessoa Jurídica Criminosa. Curitiba: Juruá Editora, 1997. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. 2.ed. São Paulo: Editora Método, 2003.

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