A Curva de Oferta Agregada Ascendente a Longo Prazo

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GERSON PEREIRA LIMA

A CURVA DE OFERTA AGREGADA ASCENDENTE A LONGO PRAZO

Curitiba, janeiro de 1996.

GERSON PEREIRA LIMA

A CURVA DE OFERTA AGREGADA ASCENDENTE A LONGO PRAZO

Tese apresentada em Concurso Público como requisito parcial para a obtenção do título de Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná.

Curitiba, janeiro de 1996. 2

A CURVA DE OFERTA AGREGADA ASCENDENTE A LONGO PRAZO 1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE OFERTA

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3. A OFERTA AGREGADA DESDE KEYNES

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4. TEORIA GERAL DA OFERTA

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5. TEORIA GERAL DA OFERTA AGREGADA

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6. ASPECTOS METODOLÓGICOS

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7. A CURVA DE OFERTA AGREGADA NO BRASIL

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8. UMA VISÃO CRÍTICA DA POLÍTICA MONETÁRIA

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA In the serious sciences, original work is discovery finding connections that were always there, waiting to be seen1.

“O mal que fizeram não foi por maldade ou incompetência. Foi apenas porque não puderam fazer o bem. Mas os mortos que deixaram serão debitados às suas consciências porque agora sabem que podem matar, mas não podem (pelo menos até agora) ressuscitar”. Estas palavras em tom bíblico não foram pronunciadas por um bispo universal, mas por um parlamentar, ex-ministro, ex-embaixador, e ex-professor de economia, o doutor e deputado Antonio Delfim Netto. Tampouco ele se refere a fatos passados, aos tempos da escuridão política que ele vivenciou. Este comentário foi feito2 a propósito da atualidade brasileira, das conseqüências das decisões e do desempenho dos dois ministros da área econômica, responsabilizando-os pela deterioração das contas do governo federal em 1995 e, por conta disso, pelo comprometimento das perspectivas da economia para 1996. Segundo ele, no ano passado “o déficit operacional aumentou de forma dramática tanto pela redução do superávit primário (que é responsabilidade do Planejamento) como pelo aumento das despesas de juros (que é responsabilidade do Banco Central e, portanto, da Fazenda)”. O trabalho que aqui se apresenta resulta de uma tentativa de sugerir um instrumental de análise macroeconômica que permita uma melhor compreensão destes fatos da vida política em economia. Na opinião expressa da esmagadora maioria dos representantes de todos os setores da economia brasileira, e também para os técnicos e dirigentes das instituições internacionais, a política econômica atual está usando o que de melhor existe na teoria predominante. Se alguma voz em contrário há, não se faz ouvir, ou está calada. Assim como quase todos os seus antecessores, os atuais ministros têm ótima formação acadêmica e profissional e, no exercício de suas funções, desfrutam de excelente relacionamento com o poder legislativo, com o setor comercial e de serviços, com a indústria, com o mercado financeiro, com os trabalhadores, com os professores e pesquisadores de todas as tendências, tanto no Brasil quanto no exterior. Ninguém coloca em dúvida que o penoso trabalho deles na administração da vida econômica do país é orientado para o bem estar da sociedade. Como resume o deputado Delfim Netto, “é claro que seria ridículo imaginar que estes aumentos de déficits tenham sido “planejados” ou “desejados” pelos ministros ou que eles tenham se empenhado na sua realização. Os dois, certamente, desejariam exatamente o contrário”. Portanto, a razão que os leva a praticar o mal, embora aspirem ao bem, está localizada na teoria predominante. A perspectiva adotada nesta pesquisa é a de que o déficit operacional acontece porque a taxa de crescimento da dívida pública é tão elevada que o gasto com o pagamento dos juros desta dívida cresce mais depressa do que a “poupança” do governo gerada pelo ajuste fiscal. Ou, visto do ângulo do Ministro da Fazenda, o ajuste fiscal conseguido nunca é suficiente. A seu turno, a dívida pública cresce porque a política econômica segue a regra de que o déficit operacional do governo, qualquer que seja a sua causa, deve obrigatoriamente ser financiado por empréstimos do setor privado, os quais devem ser obtidos junto ao mercado financeiro 1 2

ROBINSON, 1965a, pag. 95. “O Asno de Buridan era Tucano”, artigo na Folha de São Paulo, 17 de janeiro de 1996.

através da colocação de títulos da dívida pública. A alternativa seria emitir moeda, mas esta opção parece ter sido banida da literatura econômica, mais uma vez seguindo o princípio de que o abuso na utilização do instrumento deve ser punido com a eliminação do instrumento. Resta então a regra do financiamento, que é quase um corolário da idéia simplista de que emitir moeda só inflaciona. Argumenta-se aqui que esta idéia só seria procedente se a curva de oferta agregada de longo prazo fosse vertical. Este é o tema tratado neste trabalho. A noção de que a oferta é uma linha vertical, de forma que a produção seria fixa no nível correspondente ao pleno emprego da população, é clássica, bastante antiga, e traduz, na interpretação de Keynes, a lei de Say. Nos tempos modernos, os novos-clássicos passaram a admitir o conceito de “taxa natural de emprego”, em substituição à desconfortável premissa do pleno emprego como regra, com isso retocando e “revalidando” a noção de verticalidade. Ora, se a oferta agregada fosse vertical, nada poderia ser feito pela política fiscal no sentido de aumentar o emprego e a produção. Neste caso, qualquer expansão fiscal acompanhada da emissão de moeda teria como único efeito pressionar os preços provocando, inutilmente, a inflação. Se assim fosse a realidade econômica, e se for convenientemente esquecido que a emissão de títulos implica em custos a serem absorvidos pela política fiscal, deveria então prevalecer a política monetária como instrumento de base da política econômica. A tese defendida neste trabalho de pesquisa é a de que a curva de oferta agregada é ascendente, não no curto prazo como exposto nos livros-texto mas, e principalmente, a longo prazo. Sendo a oferta agregada ascendente, e não vertical, o mundo real é “keynesiano” e não novo-clássico, com todas as implicações que daí derivam. A mais importante delas é que a oferta agregada ascendente implica na primazia da demanda agregada na política econômica. Isto significa que cabe ao governo a responsabilidade maior na promoção do pleno emprego, na medida em que é só ele que pode expandir a demanda agregada através de uma atitude consciente neste sentido. Deixado a si próprio, como argumentava Keynes, o mercado encontrará um estado de equilíbrio no qual a norma é o desemprego. As teorias novo-clássica, neoclássica e aquela que Keynes chamou de “clássica” adotam a premissa de que o desempregado deveria oferecer trabalho a um salário real cada vez menor, até achar emprego. Havendo então pleno emprego, segundo estes clássicos, e adicionando-se a hipótese de que no curto prazo o capital é “dado”, a produção seria a máxima. Como sempre há pleno emprego, a produção está sempre no seu nível máximo, não podendo pois aumentar. Para estes clássicos a curva de oferta seria, portanto, vertical. Ocorre que, mesmo se estas premissas sobre o mercado de trabalho fossem corretas, o fato do capital ser dado não significa que ele seja todo utilizado na produção. Se a taxa de juros for suficientemente atrativa, o capital financeiro permanecerá no mercado financeiro e a produção não poderá ser maximizada. Mostra-se aqui que, ainda que o pleno emprego fosse uma imposição às empresas, se os mercados dos outros fatores de produção forem regidos pela livre lei da oferta e da procura, então a curva de oferta agregada a longo prazo não será vertical. A tese baseia-se no princípio de que prevalece, em mercados que são livres, a lei da oferta e da demanda de bens e de fatores. Isto implica em que não se impõem a priori soluções “de canto”, no sentido de que ou a oferta ou a demanda sejam, por hipótese, verticais ou horizontais. Na teoria geral proposta a oferta ajusta-se à demanda, conforme sugeria Marshall. A curva de oferta resulta do processo decisório dos produtores: dadas as curvas de demanda os ofertantes encontrarão nelas as suas posições de equilíbrio teórico. Se a demanda se expande, o emprego também; se a demanda se retrai, o emprego também. Se a demanda varia, variam os níveis de vendas, de produção e de emprego. Junto com eles, variam os preços e os salários. 2

Assim, segundo o modelo geral proposto, se a forma da curva de oferta agregada não for imposta ad hoc, ela será ascendente. Keynesiana na essência, esta tese evita “defender Keynes” contra as teorias neo e novoclássicas. A motivação da tese, seguindo Kregel, é ser fiel à preocupação com o pleno emprego, e não necessariamente com o que Keynes disse ou disseram que ele disse. O objetivo é contribuir para a teoria econômica, sugerindo uma teoria geral que conduz a uma “engenharia” da formação dos preços. Talvez o caminho adotado por Keynes para derivar a curva de oferta agregada tenha uma coloração neoclássica mas, como se demonstra, a noção de curva de oferta não é uma exclusividade de domínio neoclássico. O método talvez seja, mas o conceito de oferta agregada não é um resquício neoclássico em Keynes. Alguns críticos dos neoclássicos e dos novos-clássicos consideram que a matemática faz parte de um arsenal ocultista, e tendem a descartar a matemática como instrumento sério de análise. Apesar de ser anti-neoclássica e anti-novo-clássica, até porque não existe teoria neoclássica da oferta em nível microeconômico, esta tese é conduzida de acordo com o formalismo da matemática. Usa-se inclusive associar o modelo geral, desde a fase de seu desenvolvimento teórico, às exigências da econometria, com a finalidade de dar suporte à lógica interna do modelo e, ao mesmo tempo, assegurar que suas proposições podem ser testadas empiricamente. Este trabalho consolida um longo esforço de pesquisa, cujos resultados parciais estão distribuídos em várias publicações. A peça central que faltava para esta consolidação é a teoria geral da oferta agregada apresentada no capítulo 5. A principal conclusão a enfatizar é a de que há um forte suporte teórico para a curva de oferta ascendente a longo prazo, e os dados empíricos não permitem rejeitá-la. A conseqüência mais importante é a de que, sendo a oferta agregada ascendente, prevalecem os princípios keynesianos sobre a política econômica. Isto é muito mais do que uma opção de enfoque teórico ou de linha acadêmica. Isto é muito mais grave do que parece. Demonstra-se aqui que a política econômica de cunho monetarista praticada no Brasil tem conseguido fazer com que a realidade se comporte como a teoria novoclássica prevê, como se a oferta fosse vertical e não pudesse crescer. Graças ao crescente endividamento, que é inútil quanto a seus propósitos declarados, mas fortemente defendido pela teoria predominante adotada pelos nossos ministros, a produção brasileira foi estagnada ao nível da média observada no período que se segue ao primeiro plano heterodoxo implantado no país. Em conseqüência, a demanda de trabalho não cresce, o que, combinado com o avanço da tecnologia, tem condenado milhões de pessoas ao desemprego e à falta de perspectiva de uma vida digna. “O mal que fizeram não foi por maldade ou incompetência. Foi apenas porque não puderam fazer o bem”.

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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE OFERTA A noção de que o preço resulta da interação dos interesses e do poder de influência dos ofertantes e dos demandantes parece ter nascido com o próprio homem social. Segundo a pesquisa de ROOVER (1965), na Idade Média imperava a preocupação com o “preço justo”, mas a lei da oferta e da procura era aceita como sendo a regra pela qual este preço era obtido. Preço de mercado podia já então ser visto como sinônimo de preço justo. Ilustrando, Roover cita as palavras de Alberto Magno (1193-280), para quem o preço justo é o que o mercado avalia, no momento da venda. Santo Tomás de Aquino (1226-74) que, de acordo com Roover, foi eleito por alguns historiadores como o precursor do marxismo, afirmou que “não infringe a lei da justiça o comerciante que, chegando a uma cidade faminta, vende seu cereal ao preço do momento, sem informar que outros carregamentos, como é do seu conhecimento, estão a caminho”. É também um fato curioso que, nesta citação, Tomás de Aquino diz repetir um exemplo dado por Cícero (106-43 AC). A maioria dos escolásticos aceitava a noção de que o mercado pode providenciar o justo preço, mas com reservas. Nos casos de conluio ou de emergência, o estado tinha o direito de intervir para impor um “preço adequado” (fair price). Também se opunham ao monopólio, como o caso dos guilders. Pode-se encontrar na literatura medieval muitos registros de atacadistas presos, julgados, condenados, enforcados, excomungados, etc, pois em geral o monopólio era proscrito por ser um “turpe lucrum”. A principal conclusão de Roover é a de que os doutores da época não confiariam só no sistema de preços para manter a hierarquia social, mas defendiam a concorrência e aceitavam que, em condições normais, o mercado fixasse o preço dos produtos. Idéia antiga, a formalização matemática do sistema de oferta e procura começou com COURNOT (1838), cuja contribuição maior foi a demonstração de qual é a única maneira de se maximizar o lucro sem a necessidade da imposição de formas ad hoc de interação entre as empresas. No modelo de Cournot, as empresas buscam apenas maximizar o lucro individual; elas não visam cooperar entre si para elevar o preço “um pouco” acima do mercado e nem tampouco guerrear para prejudicar os concorrentes, pois estas atitudes não permitem obter a solução de maximização. Se, então, cada uma das empresas quer maximizar, todas seguiriam o frio cálculo diferencial, cada uma limitando-se a achar que todas as outras estão fazendo a mesma coisa (LIMA, 1992a, pag. 41). Cournot inova propondo uma equação de demanda na qual o preço P é uma função da quantidade demandada D. Dada a demanda e o custo marginal c, a condição de maximização da empresa i fica: P + Di ( dP/dD ) = c Supondo um caso particular no qual há dois produtores e o custo marginal é igual a zero, a condição de maximização passa a ser descrita por: D + 2 P ( dD/dP ) = 0 Cournot apresenta no seu gráfico 4 a solução do sistema formado pela equação de demanda e esta condição de maximização do exemplo particular. Trata-se da primeira solução gráfica para o equilíbrio de mercado. Em seguida, Cournot volta à equação geral de maximização, compõe um mercado com N produtores e faz uma análise do efeito da fixação de um imposto específico sobre um produto. Para tanto ele elabora o seu gráfico 6, onde o preço P foi colocado no eixo das abcissas. Neste gráfico, a soma das equações dos lucros máximos individuais faz o papel de curva de oferta de mercado, curva esta que é deslocada 4

pelo imposto de forma que o preço de mercado aumenta, porém menos que o valor do imposto. Cournot traz assim não só a primeira determinação do equilíbrio de mercado através de oferta e demanda, como também usa este instrumental para analisar uma situação onde há um choque de oferta. Só não usou o termo “oferta”. O modelo formal de oferta e demanda foi introduzido por MARSHALL (1890) que, entretanto, evitou utilizar o método diferencial, preferindo ser “vagamente correto” a estar “completamente errado” ao definir a curva de oferta como sendo situações de curto ou de longo prazo nas quais os preços são dados pelos “custos normais” de produção. Depois de Marshall, a teoria neoclássica assumiu e consolidou sua predominância na pesquisa em economia, e a formalização matemática caminhou no sentido da “concorrência perfeita”. Concluiu-se então que a curva de oferta só existe quando há concorrência perfeita. Mais ainda, a teoria neoclássica não é omissa quando se trata de concorrência não-perfeita, mas afirma categoricamente que, nestes casos, não existe curva de oferta. Esta visão da teoria neoclássica é a que predomina em microeconomia. Apesar disto, alguns pesquisadores vêm tentando desenvolver uma noção geral de oferta, uma oferta que possa ser independente de uma hipótese ad hoc sobre a intensidade da concorrência. O pioneiro destas tentativas parece ter sido AMOROSO (1930). A curva de oferta que ele propõe é: (p - m)/p = xi /( e X) onde p é o preço, m é o custo marginal, xi é a produção individual, o símbolo e representa a elasticidade da demanda e, finalmente, X é a produção total do mercado. Segundo Amoroso, com esta fórmula o preço será diretamente proporcional à quantidade vendida e inversamente proporcional à elasticidade da demanda. Ocorre que, substituindo a elasticidade pela sua definição e transpondo termos, esta fórmula pode ser transformada em: p - xi (dp/dX) = m Esta expressão de Amoroso é, portanto, exceto pelo sinal da elasticidade, a condição de maximização do lucro da empresa i deduzida por Cournot. Amoroso desenvolve este enfoque, criando mais tarde (AMOROSO, 1935) a sua “equação fundamental”, que seria a curva de oferta do monopolista, ou melhor, de um mercado em concorrência monopolística: (p - m)/p η = xi / [xi + y ( 1+ σ )] onde η é a elasticidade invertida, y é a produção das outras empresas do mercado e σ é definido como sendo um “coeficiente de reação da concorrência”, medido pela elasticidade das vendas das outras empresas do mercado em relação às vendas do produtor i. ROBINSON (1933) tenta elaborar uma curva de oferta, partindo da noção intuitiva de que “podemos imaginar que nos movemos ao longo da curva de oferta através de sucessivos aumentos da demanda” (pag. 85). Contudo, considerando que a demanda pode mudar de várias maneiras, ela conclui que existiria uma curva de oferta associada a cada tipo de movimento. Neste sentido, suas conclusões são divergentes, existindo situações em que uma expansão da demanda poderia mesmo levar a uma queda dos preços. Na sua dissertação de doutorado, AUBERT (1949), cujo orientador era Chamberlin, aquele mesmo da concorrência monopolística,3 tentou aplicar e formalizar as proposições de Joan Robinson. Todavia, ela 3

CHAMBERLIN (1933). 5

também acaba por perder-se num sem número de alternativas possíveis, envolvendo inclusive expectativas dos produtores em relação à concorrência, sem conseguir chegar a uma conclusão geral sobre a forma da curva de oferta. WORKING (1949) cria uma noção de oferta não para um fluxo de produto, mas para os estoques, com o objetivo de compreender o comportamento do mercado de produtos agrícolas, cuja produção é sazonalmente concentrada no tempo. Sugere para isso a existência de um certo “lucro conveniente”, que seria a razão básica para um agente qualquer reter estoques mesmo quando a proximidade de uma nova safra indica que os preços de mercado vão cair. BRENNAN (1958) desenvolve a sugestão de Working e testa empiricamente a curva de oferta de estoque, na qual a diferença entre o preço futuro e o preço de hoje, nesta ordem, é uma função crescente do nível dos estoques. Para chegar a esta função, Brennan assumiu uma curva de oferta-fluxo num mercado em concorrência perfeita, apesar de se poder perceber, no tratamento matemático da questão, que esta hipótese poderia ter sido dispensada. Esta mesma observação, a de que o desenvolvimento de certos modelos pode dispensar a concorrência perfeita como hipótese, poderia ser feita a propósito do processo de ajustamento do preço proposto por SAMUELSON (1948). Segundo ele, o preço ajusta-se em direção ao equilíbrio, após um choque exógeno qualquer, em função da discrepância entre as quantidades ofertadas e demandadas. No entanto, a velha noção de que enquanto houver discrepância entre oferta e demanda o preço continuará variando, parece mais um princípio universal do que uma exclusividade da concorrência perfeita. Talvez seja esta a razão segundo a qual ARROW (1959) afirma que a evolução do preço no tempo (dP/dt) é uma função da diferença entre a quantidade S ofertada e quantidade D demandada: dP/dt = h ( S - D ) Segundo Arrow, esta “é, evidentemente, a conhecida lei da oferta e da demanda”. No mesmo sentido, ECKSTEIN & FROMM (1968) afirmam (pag. 1161) que “o mecanismo de oferta e demanda é, em termos algébricos, usualmente especificado” por uma função na qual a variação relativa do preço (∆P/P) é explicada pela discrepância entre a demanda d e a produção x, em relação às vendas s efetivas: ∆P/P = α ( d - x ) / s Mais uma vez, afirma-se que este mecanismo de oferta e demanda funciona num ambiente de concorrência perfeita, mas a fórmula acima é genérica. Visto de outro ângulo, a integral desta função, ou daquela de Arrow mais acima, será uma equação na qual o nível do preço é uma função da discrepância acumulada entre oferta e demanda, ou seja, do estoque disponível do produto, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos às vendas. E, para que esta integral seja logicamente válida, é dispensável a hipótese de que o mercado esteja em concorrência perfeita. Ora, se não se está em concorrência perfeita, mas o preço resulta da interação entre oferta e demanda, pareceria lógico concluir-se que existe uma curva de oferta fora da hipótese da concorrência perfeita. PORTER (1983) faz uma tentativa neste sentido, propondo que a oferta seja descrita pela seguinte equação: P ( 1+ θ / α ) = c

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onde α é a elasticidade da demanda, c é o custo marginal e o parâmetro θ pode ter um de três valores: a) se as empresas se comportam como Cournot, então θ é igual à participação da empresa no mercado. De fato, substituindo-se este valor na equação de Porter reproduz-se a condição de lucro máximo de Cournot linhas acima; b) se prevalece a solução de Bertrand, então θ é zero e o preço será igual ao custo marginal c; c) se as empresas formam um conluio para estabelecer o preço de monopólio, então θ é igual à unidade. No teste empírico, Porter conclui que o valor de θ é igual a (0.336), que ele considera consistente com o modelo de Cournot e que, certamente, está bem longe da concorrência perfeita. Mas, o importante a destacar é que Porter propôs um modelo de oferta e demanda que não foi rejeitado pelos dados disponíveis. A contribuição de Porter é uma modernização da sugestão de Amoroso, o “coeficiente σ de reação da concorrência”. Este coeficiente tem o poder de generalizar a equação da condição de maximização do lucro, transformando-a numa condição universal, que Porter denominou de “oferta”. No campo da economia industrial, muitos pesquisadores tem utilizado este procedimento de generalizar a condição de lucro máximo pela introdução de um parâmetro, então denominado de “variação conjetural” pois se refere às conjeturas que uma empresa faz a respeito do comportamento concorrencial ou cooperativo das outras empresas do mercado. A variação conjetural abrangeria qualquer estrutura de mercado, a não apenas aquelas três consideradas por Porter. Contudo, ao mesmo tempo estes pesquisadores rejeitam a proposta de que esta equação possa ser identificada como uma curva de oferta4. BRESNAHAN (1989) desenvolve este enfoque ainda mais, propondo um modelo no qual a aplicação do cálculo diferencial é acompanhada de uma “hipótese sintética” sobre o comportamento dos produtores. Segundo esta hipótese, todos os fatores comportamentais e estruturais de mercado que influem na oferta podem ser condensados na noção de “índice de competitividade”5. Contudo, Bresnahan aceita a tradição neoclássica de que só se pode falar em curva de oferta quando em concorrência perfeita, denominando então a sua equação geral de “relação” de oferta. A mudança de termos parece ser sutil demais, mas ela é estabelecida para diferenciar a situação em que os produtores são tomadores de preços daquelas situações em que os produtores poderiam fixar ou o preço ou a produção. Os resultados estatísticos de Bresnahan não permitem que seja rejeitado o modelo proposto, que é baseado numa curva de oferta generalizada. Apesar destas evidências e tentativas, prevalece nos livros-texto a colocação de que não existe curva de oferta a não ser aquela da concorrência perfeita. A contribuição das teorias não-neoclássicas é ainda mais desalentadora. Embora a pesquisa no campo da formação do preço em nível microeconômico seja vasta, a rigor só a teoria do mark-up aproxima-se de uma definição de oferta. Kalecki é, como não poderia deixar de ser, a referência de base nesta contexto. KALECKI (1940) transforma a elasticidade da demanda individual da empresa k de forma que seja descrita por:

ek = εk ( pk / p ) SCHMALENSEE (1988) apresenta uma revisão compreensiva da literatura a este respeito. Um resumo da proposta de Bresnahan, seguido de uma aplicação empírica, pode ser encontrado em LIMA (1995a). 4 5

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onde pk é o preço de venda desta k-ésima empresa, p é o preço de mercado e εk é um parâmetro que representa a “natureza da imperfeição” do mercado. Nada impede que se veja εk como mais uma espécie dos precursores do “índice de competitividade” de Bresnahan, pois ele reflete a elasticidade da demanda da empresa em relação às suas tentativas de distanciar-se do preço de mercado:

εk = ( dqk / qk ) / (dpk / p ) Kalecki aplica então o cálculo diferencial para a maximização do lucro, obtendo a condição:

pk [ 1 + 1 / εk ( pk / p )] = ck onde c é o custo marginal. Kalecki simplifica esta expressão, reduzindo-a para:

mk = pk [ φk ( pk / p ) ] onde as partes entre colchetes são as mesmas nas duas expressões e o custo marginal passou a ser representado por m. Observando que mk é uma função da produção individual qk, que é igual à k-ésima parte da produção total, Kalecki denomina esta equação de “curva de oferta da indústria a curto prazo”. Em seguida ele examina seu primeiro caso, no qual os preços de todas as empresas são iguais entre si, o mesmo acontecendo com as produções individuais. Nestas condições, a expressão resume-se a:

p [ 1 +1 / ek ] = ck Todavia, substituindo a elasticidade ek pela sua definição, e chamando a produção total do mercado de Q, obtém-se:

pk + qk ( dp / dQ ) = ck Esta é a condição de maximização deduzida por Cournot, se bem que a notação seja diferente daquela apresentada linhas acima. Kalecki complementa o trabalho analisando o seu segundo caso, o oligopólio, para o que ele adota o enfoque da demanda quebrada de SWEEZY (1939). O objetivo era o de encontrar uma curva de oferta da qual resultasse um preço cuja margem sobre os custos fosse variável. Kalecki não conseguiu atingir este objetivo, passando então a adotar um mark-up que, mesmo sendo rígido no modelo, na prática pode variar em função de outras condições como a fase conjuntural da economia e o poder de monopólio. Este enfoque do mark-up rígido foi adotado pelos pós-keynesianos, mas sem rejeitar a versão neoclássica da concorrência perfeita. Segundo relata KENYON (1979), a teoria póskeynesiana divide a formação do preço em duas vertentes: a competitiva, que deve ser deixada para os neoclássicos, e a oligopolística à la Eichner,6 na qual o nível do mark-up é explicado pelos planos de investimentos das empresas. Neste caso, o mark-up é rígido, como se existisse uma curva de oferta perfeitamente horizontal. Neste contexto, Kenyon observa que “o enfoque pós-keynesiano da determinação dos preços não tem a intenção de fazer crer que os póskeynesianos consideram que ele seja aplicável a todos os mercados” (pag. 44). Um programa 6

Este modelo pode ser encontrado, por exemplo, em EICHNER & KREGEL (1975). 8

de pesquisa nesta área analisa a noção de “tempo histórico”, um conjunto de condições de contorno que explicariam porque o mark-up varia de uma situação a outra. Um caminho quase paralelo é o do enfoque das instituições, cujo papel na formação dos preços seria semelhante ao do tempo histórico. Por enquanto, resta apenas a melancólica conclusão de Kenyon (pag. 45), no sentido de que “a teoria pós-keynesiana está ainda num estágio embrionário de desenvolvimento, e deve-se tomar cuidado para não exigir muito dela”. A conclusão geral é a de que há tentativas de se criar uma curva de oferta que corresponda livremente à idéia fundamental do equilíbrio entre oferta e demanda, libertando-se do confinamento intelectual imposto pela hipótese da concorrência perfeita. Entretanto, estas tentativas têm sistematicamente adotado como ponto de partida o procedimento neoclássico do cálculo diferencial para a maximização do lucro. Talvez esteja aí a dificuldade que tem impossibilitado um resultado mais contundente. Para não cair no lugar comum de sempre, o objetivo da pesquisa neste sentido deveria ser o de elaborar uma teoria que elimine de vez o problema apontado por STIGLER (1957 ) no sentido de que, cada vez que se sai fora da concorrência perfeita, torna-se necessário rediscutir toda a teoria econômica. Por tudo isto, a história da curva de oferta não pode ser dada como terminada. Pelo contrário, muito há que ser feito neste campo. Acima de tudo, é importante enfrentar e vencer posturas pouco científicas como a de DORNBUSCH (1992), para quem “nenhum economista sério deseja desafiar a microeconomia como a abordagem correta”.

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3. A OFERTA AGREGADA DESDE KEYNES Também no ambiente macroeconômico registram-se várias tentativas de conceituação da oferta mas, por envolver questões de política, o assunto torna-se muito mais complexo. Este capítulo delineia a evolução histórica da noção de oferta agregada, começando, como não poderia deixar de ser, pela proposição keynesiana. Keynes foi o primeiro e revolucionário pesquisador a aventurar-se na crítica à teoria tradicional, concentrando-se na lei de Say. Para tanto, ele propôs uma curva de oferta agregada que, certamente, não é vertical, posto que a verticalidade da oferta é uma hipótese que traduz a essência da lei de Say. Em seguida comentam-se, separadamente, os caminhos trilhados e os resultados obtidos pelos pós-keynesianos e pelos neoclássicos, que por sua vez se subdividem em novosclássicos e novos-keynesianos. A conclusão geral é a de que não há um conceito universal de oferta agregada. Em particular, os pós-keynesianos adotaram uma postura neoclássica com relação à oferta agregada, e não conseguiram sair da armadilha na qual entraram voluntariamente. Já os neoclássicos parecem mais interessados em reduzir Keynes a um caso especial da teoria deles, evitando aplicar o modelo de oferta e demanda agregadas exatamente naquilo que lhe é natural: a determinação do preço (inflação) e do emprego (desenvolvimento). A proposição básica de Keynes é a de que “o volume de emprego é determinado pelo ponto de interseção da função da demanda agregada e da função da oferta agregada” (pag. 38) 7 . A função de oferta agregada é dada por Z = φ ( N ), enquanto a demanda agregada é descrita por D = f ( N ). A variável N mede o nível de emprego, Z é o preço de oferta e D é o preço que os empresários esperariam receber se empregassem a quantidade N. No ponto de equilíbrio o preço de oferta é igual ao valor esperado de D, valor este que é então definido como “demanda efetiva”. No modelo de Keynes a produção agregada não é medida por um índice físico, mas sim pelo nível do emprego. O argumento dele é o de que “quando somarmos as atividades de todas as empresas, só nos exprimiremos com exatidão por meio de quantidades de emprego aplicadas a determinado equipamento” (pag. 49). Quanto a preços, Keynes critica o índice geral de preços, que conteria um “conhecido e inevitável elemento de imprecisão” (pag. 48) que tornaria seu uso “inadequado para análise causal” (pag. 48). Em lugar do índice geral Keynes adota a noção de “quantidades de valor monetário” (pag. 49) ou simplesmente “moeda” (pag. 51). Keynes define como “preço de oferta” a renda agregada do trabalho e do empresário. Esta definição corresponde ao valor bruto da produção do qual se deduz o custo de uso, que por sua vez compreende o custo de oportunidade de utilização do capital fixo próprio instalado e a aquisição de bens e serviços intermediários. O preço de oferta keynesiano corresponde, pois, ao conceito contábil moderno de PIB medido pelo valor adicionado. A medida da demanda efetiva é, pois, o valor das vendas, e não só as vendas esperadas, mas as efetivamente realizadas, cujo volume iguala-se à produção então obtida. À demanda efetiva, indicada por uma escala de valores “preço” x quantidade num dos eixos de um sistema de coordenadas ortogonais, corresponderá um certo nível de emprego no outro eixo. Este níveis de demanda efetiva e emprego são definidos como “equilíbrio” (pag. 41), mas não necessariamente, ou raramente, correspondem ao pleno emprego. Para Keynes, equilíbrio e pleno emprego não são equivalentes. Prosseguindo, Keynes não deixa claro, talvez por achar óbvio demais, quais são as formas gráficas das curvas de oferta e demanda agregadas de seu modelo. Todavia, o gráfico tradicional, onde a oferta é ascendente enquanto a demanda 7

Até menção em contrário, os números de páginas entre parênteses referem-se à edição de 1992 de KEYNES (1936). 10

é decrescente, é coerente com sua descrição da tendência em direção ao ponto de equilíbrio. De fato, segundo Keynes, “se para determinado valor de N o produto esperado for maior que o preço de oferta, isto é, se D for superior a Z, haverá um incentivo que leva os empresários a aumentar o emprego acima de N” (pag. 38). É necessário reconhecer, entretanto, que esta descrição não é incompatível com uma oferta horizontal. A oferta poderia mesmo ser descendente, desde que a demanda fosse mais inclinada que ela. De outro ângulo, a demanda poderia ser ascendente, desde que a oferta tivesse um coeficiente angular maior. Complicando, pode-se lembrar que o valor das compras medido por D poderia ser decrescente num certo intervalo de N e crescente em outro, dependendo se a demanda é, respectivamente, inelástica ou elástica. Para eliminar esta discussão teria sido melhor se Keynes tivesse apresentado o seu gráfico mas, sem pretensão de interpretar o que “Keynes quis dizer”, nada impede que se imagine que ele poderia estar raciocinando oferta e demanda agregadas no gráfico tradicional. Isto posto, nos itens a seguir analisa-se o desenvolvimento dado por pós-keynesianos e neoclássicos à noção fundamental de oferta agregada de Keynes. 3.1. PÓS-KEYNESIANOS De acordo com HARCOURT (1987), o termo “pós-keynesiano” compreende muitas ramificações. A tradição kaleckiana que leva a Marx é uma delas, enquanto uma outra é a do modelo de oferta e demanda agregadas. KING (1994) apresenta uma revisão abrangente de toda a literatura neste tema mas, uma vez mais, a conclusão não é muito alentadora. King começa seu artigo observando que, há trinta anos atrás a análise de oferta e demanda agregadas despertava o interesse de apenas uma meia dúzia de pós-keynesianos. Hoje em dia, “o modelo de oferta e demanda agregadas vem rapidamente ocupando o lugar do modelo IS x LM como principal instrumento de análise macroeconômica” (RAO, 1991, pag. 265) nos livros-texto. Enquanto isso, “a maioria dos pós-keynesianos abandonou sem fazer alarde” (KING, 1994, pag. 3)8 o modelo de oferta e demanda agregadas. As informações neste item foram tomadas, basicamente, deste trabalho de King, cuja pesquisa mostrou que, em matéria de oferta e demanda agregadas, a era dos pós-keynesianos encerrou-se com a contribuição de DAVIDSON & SMOLENSKY (1964), e não despertou o interesse de economistas keynesianos mais convencionais. Neste sentido, “nem todos os divulgadores da Teoria Geral estavam convencidos do significado da análise de oferta e demanda agregadas” (pag. 5). Historiando, o primeiro livro-texto a tratar da oferta agregada foi TARSHIS (1947), que propôs uma oferta agregada no plano preço x produto real (P x Y) mas, estranhamente, seu modelo não tem demanda agregada. Logo em seguida aparece DILLARD (1948), que elabora oferta e demanda agregadas no mesmo plano geométrico (Z x N) de Keynes. A demanda agregada de Dillard é ascendente enquanto a oferta é uma reta com uma inclinação um pouco menor do que 45 graus. A argumentação de Dillard neste sentido não é lá muito convincente, mas o fato é que usa o modelo para mais nada além de repetir Keynes e definir a demanda efetiva como o ponto de interseção entre a oferta e a demanda agregadas, ponto no qual os produtores maximizam lucro. Weintraub foi um dos mais profícuos intérpretes da oferta agregada de Keynes. Seu primeiro trabalho neste tema foi também um livro-texto, WEINTRAUB (1951), no qual ele começa por associar a oferta agregada à linha de 45 graus no tradicional plano gasto x renda, 8

Neste tópico, os números de páginas entre parêntese referem-se a KING (1994). 11

definido pela soma de consumo e investimento no eixo vertical e produto real no horizontal. Em seguida ele oferece como alternativa uma oferta agregada ascendente, no mesmo plano. Uma terceira versão é traçada no plano preço x produto real (P x Y) com inclinação positiva e definida como uma composição dos custos marginais das empresas. Na última alternativa deste livro, Weintraub propõe uma oferta agregada ascendente no plano da geometria original de Keynes. WEINTRAUB (1956) continua no plano keynesiano e reformula seu conceito de oferta agregada, que agora refere-se ao faturamento esperado, a cada nível N de emprego. Pela primeira vez a oferta agregada é associada à distribuição de renda, pois o valor de Z corresponde à soma da folha de pagamento com os custos fixos (juros e renda) e o lucro. No gráfico de Weintraub a oferta e a demanda agregadas são ascendentes, e a oferta é côncava com relação ao eixo N, possivelmente porque o salário seria crescente com N. No artigo seguinte, WEINTRAUB (1957), embora o resultado final seja o mesmo de sempre, ele adiciona a premissa de que as empresas maximizam lucro em concorrência perfeita. HANSEN (1953) é citado como um sucesso comercial, mas a oferta agregada que sugere é simplesmente a linha de 45 graus no tradicional plano gasto x renda. No mesmo ano aparece o livro de STONIER & HAGUE (1953), que reproduz a exposição de Keynes mas enfatiza que a demanda agregada é o valor que os empresários “realmente esperam” receber, enquanto a oferta agregada é o valor que eles “deveriam esperar” receber na venda da produção obtida com o emprego no nível N. Segundo eles, se os produtos médio e marginal do trabalho forem constantes, a oferta agregada poderia ser linear até o nível de pleno emprego. Segundo MURAD (1962), a linearidade da oferta agregada deriva da hipótese do salário nominal constante. WELLS (1960) formaliza a dedução da oferta agregada a partir da maximização do lucro em concorrência perfeita, supondo que são dados o salário nominal e (sic) o nível de preços. Isto posto, o valor do produto marginal do trabalho é, então, o salário. Wells iguala oferta e demanda agregadas e chega à expressão que ele identifica como a “curva de oferta agregada há tanto tempo procurada”: N = ( X´ / W Xm ) x D onde X´ e Xm são, respectivamente, os produtos marginal e médio do trabalho e W é o salário nominal. Wells se equivoca a respeito desta sua curva de oferta agregada, pois esta expressão é, de fato, uma equação componente de um certo modelo reduzido, já que, segundo o próprio Wells, ela “estabelece o nível de emprego para cada nível da demanda agregada”. A última contribuição relevante dos pós-keynesianos anotada por King é a de Davidson, que é o editor do journal onde o artigo foi publicado. DAVIDSON (1962a) trabalha o plano keynesiano (Z x N) e mostra que a inclinação da oferta agregada depende da mudança da razão produto médio/produto marginal. Em particular, DAVIDSON (1962b) demonstra que, com uma função do tipo Cobb-Douglas a oferta agregada seria linear. De todo modo, para ele a oferta agregada pode ser linear ou convexa, sendo pouco justificável que ela seja côncava à la Weintraub. Quanto à demanda agregada, para Davidson ela é ascendente. Davidson também deriva uma curva de oferta agregada real, que relaciona o produto real ao nível de emprego. Contudo, ele mesmo observa que esta é a familiar curva do produto total. Segundo King, o livro de DAVIDSON & SMOLENSKY (1964) encerrou o ciclo da oferta e demanda agregadas no plano keynesiano (Z x N). É provável que os teóricos modernos, mais do que os “antigos”, considerem o esquema (Z x N) muito obscuro, estando interessados primordialmente 12

na determinação dos níveis do preço e do produto real, “apesar das reservas de Keynes a respeito” (pag. 27). O modelo de oferta e demanda agregadas à la Keynes mostrou-se incapaz de atrair a atenção da maioria dos pós-keynesianos. Por exemplo, nenhum economista de Cambridge o adotou. Com alguma exceções, este modelo notabiliza-se pela ausência nos modernos livrostexto pós-keynesianos. As palavras finais de King são para afirmar que “a maioria dos póskeynesianos parecem ter concluído que a análise de oferta e demanda agregadas é um dos resquícios neoclássicos em Keynes que deve ser abandonado no interesse da renovação da teoria” (pag. 28). De fato, o uso de uma variável “combinada”, como é o PIB, no papel do preço torna a análise um tanto vaga. Uma expansão da demanda agregada, por exemplo, provocará um aumento maior do preço ou do produto e, por conseqüência, do emprego? Visto de outro ângulo, a variável Z de Keynes assemelha-se ao hábito neoclássico do valor real, como o salário real, cuja utilização ele próprio criticou. Trabalhando no ambiente do “real”, na maioria dos casos o preço acaba sendo, por conveniência, suposto constante, quando de fato trata-se da mais importante variável endógena a ser estudada. King parece extrapolar, ou outra razão o move, ao lamentar o abandono a que foi relegado o espaço (Z x N) da proposição original de Keynes. King defende Keynes ao exagero, pois o que realmente interessa não é a engenharia mas sim a filosofia keynesiana. Deve-se reconhecer, contudo, que tanto o método de Keynes quanto os destes autores citados mantêm um excessivo compromisso com os princípios neoclássicos. Talvez este tributo se dê pela força da argumento do lucro máximo, apesar da fraqueza inerente ao cálculo diferencial tornar impossível assegurar que o resultado final - a curva de oferta agregada - seja uma conseqüência necessária da maximização do lucro. Talvez Keynes tenha achado mais prudente não se afastar tanto e tão rapidamente dos demais economistas seus contemporâneos que raciocinavam marginalmente. Talvez os pós-keynesianos queiram mostrar domínio da técnica neoclássica. Talvez, talvez. Mas é inegável que há um excesso de neoclassicismo nas proposições dos pós-keynesianos para a curva de oferta agregada de Keynes, e isto deve causar um certo desconforto nos outros economistas keynesianos não especializados nesta área, por três motivos. Em primeiro lugar, o pressuposto do equilíbrio adotado pela teoria neoclássica faz com que muitos teóricos pós-keynesianos associem “equilíbrio” a “pleno emprego”. Keynes faz a distinção bastante clara, mas aparentemente não o suficiente. Vai daí, estes teóricos podem rejeitar a noção de oferta e demanda agregadas por ver nela um “mecanismo equilibrador”, no sentido de que ele asseguraria um “estado ideal” ou “justo” da vida econômica. Em segundo plano, a teoria neoclássica, usualmente desenvolvida no seu ambiente de concorrência perfeita, traz implícita a noção de distribuição de renda segundo a produtividade marginal dos fatores, ou seja, a distribuição da renda seria a-política, “ideal” ou “justa”. Como isto contradiz a filosofia do pensamento keynesiano, Keynes e os pós-keynesianos teriam sido mais coerentes com eles mesmos se evitassem “falar neoclassiquês”. Não tendo sido assim, torna-se mais compreensível o estado de perplexidade dos póskeynesianos a respeito da curva de oferta agregada, e também o que eles passam a seus leitores. Como King observou, os livros-texto pós-keynesianos fogem do assunto mas, além disso, as coletâneas destinadas a explicar o pós-keynesianismo, tal como a de SAWYER (1988), também não tocam no assunto. No contexto, merece ser lembrada a edição seguinte ao número no qual saiu o artigo do King. Nesta edição, Paul Davidson publicou um mini13

simpósio sobre o tema “A Política Keynesiana da Demanda Agregada É Ainda Viável?”9 Embora a resposta dada pelos participantes seja, sem surpresas, positiva, chama a atenção o fato de que não há neste simpósio qualquer referência ao modelo de oferta e demanda agregadas. DAVIDSON (1991) é outro exemplo, pois ele não incluiu o modelo de oferta e demanda agregadas nas suas “controvérsias”. Colecionando as evidências, não é incorreto concluir que os pós-keynesianos não consideram a oferta agregada um tema controverso, eles simplesmente não querem adotá-la. Em terceiro e último lugar, parece que os pós-keynesianos não se deram conta da importância capital do equilíbrio entre oferta e demanda, tanto no ambiente micro quanto no macroeconômico. É possível que Keynes não tenha conseguido dominar a engenharia do modelo de oferta e demanda agregadas, mas isto é irrelevante quando comparado com a grandeza de sua contribuição. O importante é a idéia, a filosofia do modelo. É este modelo que determina, dadas as condições exógenas dentre as quais se inclui a política econômica, tanto o nível geral dos preços quanto o da produção e, via tecnologia, do emprego. Assim sendo, temas como inflação e desemprego deveriam ser tratados no universo abstrato super-agregado da oferta e demanda. Malinvaud tenta ocupar este espaço. Ele desenvolve um modelo que admite duas soluções para o nível de emprego: a “clássica”, na qual a curva de oferta é vertical, e a “keynesiana”. A conclusão dele é a de que, para haver desemprego, é necessária a existência de algum tipo de “racionamento” ad hoc da produção, ou clássico ou keynesiano. Em seguida ele observa que “aliás, os dois tipos de racionamento são tão interdependentes que, no estudo de políticas econômicas contra o desemprego involuntário, o pesquisador sente-se justificado ao concentrar sua atenção exclusivamente no mercado de bens” (MALINVAUD, 1985, pag. 3). Ele lembra que este é um dos princípios de Keynes e mostra-se surpreso com a falta de atenção a ele dedicada, inclusive porque, segundo ele, este princípio não se choca com o enfoque neoclássico. 3.1. NEOCLÁSSICOS, NOVOS-CLÁSSICOS, NOVOS-KEYNESIANOS A observação de Malinvaud é aplicável não apenas a alguns teóricos, mas a todos eles. De fato, BLANCHARD & FISCHER (1985) mostram (pag. 520) um modelo “normal” de oferta e demanda agregadas observando que, perante um choque exógeno de oferta, este modelo permite “uma explicação desafiadoramente simples para a ocorrência simultânea de alta inflação e baixa produção”. Segundo eles, o gráfico também mostra claramente o dilema da política econômica baseada no instrumental da demanda agregada quando confrontada com um choque adverso de demanda. Neste caso, a política monetária ou controla preços e reduz ainda mais o produto real, ou recupera a produção (e o emprego), mas inflaciona (ênfase do autor). Apesar destas evidências, o modelo de oferta e demanda agregadas entra nos modernos livros-texto da teoria predominante com outras finalidades que não a determinação do nível geral de preços e do volume de emprego. O livro de SACHS & LARRAIN B (1995) é ilustrativo quanto a este ponto. Eles definem oferta e demanda agregadas nos primeiros capítulos, dedicados ao instrumental de base mas, na análise da inflação & desemprego, ou partem de aumentos autônomos do salário, como se de repente os sindicatos aumentassem o salário da maioria para manter alguns trabalhadores que foram desempregados por este salário maior, ou então utilizam o mecanismo da curva de Phillips. 9

Journal of Post Keynesian Economics, vol. 17, nº 2, inverno de 1994/95. 14

A estrutura neoclássica de oferta e demanda associa o equilíbrio no mercado de trabalho à função de produção e daí à oferta agregada. A perspectiva neoclássica de que no curto prazo o capital é “dado” faz com que “a curva de oferta agregada seja na verdade a condição de equilíbrio no mercado de trabalho” (RAO, 1991, pag. 276). Com isso, se os trabalhadores fossem inteligentes e procurassem estar sempre empregados, a curva de oferta agregada seria vertical. Chega a ser intrigante a facilidade com que os pesquisadores póskeynesianos aceitam esta estrutura dos neoclássicos, sem exigir destes uma metodologia que seja coerente com o procedimento utilizado para determinar o nível de emprego. Para tanto, a determinação do volume de capital aplicado deveria ser dar através do modelo de oferta e demanda de capital. Esta estrutura neoclássica serve a outras finalidades, seja ela intencional ou não, tenha ou não o apoio de todos os economistas teóricos. Os novos-keynesianos usam esta estrutura, seja este o objetivo declarado ou não, para deduzir que, se não há pleno emprego, é porque os salários não são suficientemente flexíveis. A agenda de pesquisa nesta linha concentra-se nas razões da rigidez dos salários, ou dos preços. Demonstra-se assim que a culpa do desemprego cabe às idiossincrasias próprias dos trabalhadores ou da economia, mas nunca à inação da política econômica. Já os novosclássicos são ainda mais rígidos. LUCAS (1970), o expoente desta linha, sugere que se o governo adotar políticas consistentes, a curva de oferta será vertical no nível correspondente à taxa natural de desemprego. O que acontece é que a consistência de política exigida por Lucas refere-se à curva de oferta agregada vertical. Aliás, o modelo que ele propõe já parte da premissa de que a curva de oferta agregada seja vertical. Todo o aparato matemático utilizado destina-se a transformar a premissa em resultado final. No modelo de Lucas a oferta agregada vertical não é uma das possibilidades, mas sim o ponto de partida e de chegada. O que há de potencialmente perigoso neste enfoque circular é que a adoção, na prática, das recomendações monetárias dos novo-clássicos pode fazer com que a oferta agregada acabe por comportar-se na vertical, transformando a predição teórica em realidade. Este ponto é importante e será retomado mais tarde, tendo como referência empírica os dados da economia brasileira. A impressão que fica do enfoque neoclássico é a de que, apesar da advertência de Malinvaud, não há a intenção de se utilizar o princípio keynesiano das curvas de oferta e demanda agregadas na sua vocação natural: a determinação do preço e da produção real de equilíbrio. A curva de oferta agregada ascendente keynesiana ainda é colocada como uma variante da oferta vertical e, segundo os neoclássicos, só acontece a curto prazo devido a “rigidezes” que deveriam ser anuladas por uma boa política econômica. Talvez a postura neoclássica seja ainda um resquício, psicologicamente explicável, do esforço de seus teóricos no sentido de mostrar que o mercado funciona e que o governo não deve interferir de modo algum na economia. Vale lembrar, contudo, que pode muito bem ser que o mercado funcione, mas para isto não é necessário que a oferta agregada seja vertical, ela pode ser “keynesiana”. Mais uma vez, intencionalmente ou não, o enfoque neoclássico e suas variantes novoclássica e novo-keynesiana adaptam-se à defesa da primazia da política monetária sobre a política fiscal. A adaptação é tão boa que até os críticos ficam ofuscados e aceitam certas noções monetaristas com surpreendente facilidade. Entretanto, as noções monetaristas são válidas na condição da oferta agregada ser vertical. Se a oferta agregada ascendente for uma realidade, e não mera curiosidade confinada a certos capítulos dos livros-texto neoclássicos, a aplicação das recomendações monetaristas pode, como se mostra no último capítulo, causar o mal, mesmo que os responsáveis pela política econômica só aspirem ao bem. 15

Neste contexto, a curva de oferta agregada “mais avançada” no domínio neoclássico parece ser aquela de DORNBUSCH & FISCHER (1991). Combinando o mercado de trabalho, uma função de produção na qual o capital é fixo, a curva de Phillips e uma política oligopolística de formação de preço por um mark-up rígido, eles chegam à seguinte curva de oferta agregada: P = P-1 [ 1 + λ ( Y - Y* )] onde Y* é o produto potencial e o parâmetro λ depende da sensibilidade do salário a desemprego. Trata-se de uma equação diferencial cuja solução particular, ou de equilíbrio, omitindo as constantes, ficaria: P = f ( Y - Y* ) Ora, considerando que o produto potencial Y* depende da capacidade instalada, que é função do investimento que, por sua vez, é uma variável endógena cujo valor depende do lucro e, portanto, do preço P, a equação da oferta agregada de Dornbusch & Fischer reduz-se à expressão: P=h(Y) Nesta expressão faltam as variáveis exógenas mas, de qualquer sorte, trata-se de uma linha ascendente no gráfico (P x Y), e não vertical como aqueles autores sugerem. O mesmo resultado - uma relação positiva qualquer entre preço e produto real pode ser derivada de NORDHAUS (1970). A complexa dedução que ele faz (pags. 27-28) pode ser resumida numa expressão como a seguinte: Y = β P exp [m/(1-m)] onde β depende dos custos de produção e m mede retornos de escala. A contribuição de Nordhaus permanece no campo teórico, mas há pesquisadores, raros que sejam, que têm como objetivo a aplicação empírica. ANDERSEN & CARLSON (1970) desenvolvem um modelo de oferta e demanda agregadas com a finalidade de deduzir e estimar a equação reduzida do preço de equilíbrio. Eles consideram que os resultados estatísticos são bons, mostrando que o preço depende da pressão da demanda, o que sugere que a curva de oferta não é vertical. Curiosamente, observam que a “equação do preço é uma alternativa à tradicional curva de Phillips para o curto prazo” (pag. 9) Outra aplicação empírica foi feita por AHMED & associados (1988). No modelo deles a demanda agregada é representada pela equação da teoria quantitativa da moeda, mas do lado da oferta agregada o modelo é bastante complexo e detalhado. Como o objetivo do trabalho é a análise dos efeitos de choques exógenos de oferta, os custos são incluídos formalmente. O resultado final deles, combinando parâmetros e algumas constantes, e expresso na primeira diferença dos logaritmos das variáveis, é: Y = h0 + h1 ( P - W ) - h2 Z + K onde W é o salário nominal, Z, é o preço do petróleo e K é o estoque de capital. Em seguida deduzem e estimam as equações do modelo reduzido, obtendo então resultados considerados satisfatórios. Estes resultados permitem concluir que o impacto da alta do petróleo foi, como esperado, no sentido de retrair a oferta agregada, ou seja, de aumentar o preço e contrair o 16

produto real. Um último exemplo neoclássico de aplicação do modelo de oferta e demanda agregadas, sem se preocupar com a hipótese da verticalidade, é dado por FITOUSSI & LE CACHEUX (1989), cuja oferta agregada final (pag. 137) é: (1 - θ) P = γ (Y - K) + µ r + (1+ϕ ϕλ ) / λ X onde as letras gregas são parâmetros, r é a taxa de juros real e X é a taxa de câmbio real. Compactando termos e generalizando a forma da expressão, pode-se anotar: Y = h ( P, i, TC, K ) onde i é a taxa de juros e TC é a taxa de câmbio, ambas em termos nominais. Eles fizeram observar que a curva de oferta agregada substitui a tradicional curva de Phillips. Fitoussi & Le Cacheux não fazem uma aplicação empírica, limitando-se ao procedimento neoclássico de derivar conclusões a partir das equações obtidas pelo desenvolvimento matemático das premissas. Em resumo deste capítulo, considerados os erros, os acertos, e a importância do tema para a política econômica, conclui-se com FISCHER (1988) que “a lado da oferta agregada continua sendo o principal desafio” (pag. 332).

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4. TEORIA GERAL DA OFERTA A criatividade na descoberta de soluções para problemas que são antigos exige do pesquisador ser ainda mais criativo em dois aspectos: fazer-se compreendido e, dificuldade suprema, evitar que as autoridades no assunto percebam que estão sendo desmentidas. Neste capítulo apresenta-se uma teoria geral sobre a oferta em nível microeconômico, descrevendose um modelo dinâmico de tomada de decisões sobre preço e produção que permite construir uma situação teórica de equilíbrio na qual pode-se definir a curva de oferta. Este modelo está baseado na exposição feita por Marshall na primeira parte do Livro V do seu Principles, onde ele faz um resumo do então estado das artes em matéria de formação de preços e de decisão de produção. Marshall chama os economistas que o precederam de “clássicos”, mas sem qualquer intenção aparente de identificar diferentes linhas de pensamento, mesmo porque ele não faz referência à classificação proposta por Marx a este respeito. O objetivo de Marshall era o de apresentar uma contribuição neste tema, propondo na segunda parte deste seu Livro V algumas noções novas, como a definição de curto prazo pela constância da capacidade de produção, o conceito de “preço normal” e uma curva de oferta na qual o preço, sem ser uma constante, é igual aos custos normais de produção. Apesar de afirmar que a solução de Cournot conduzia a um preço acima da realidade e que aplicação do cálculo diferencial é impossível, esta contribuição de Marshall foi suficiente para fazer com que ele fosse adotado como pioneiro dos neoclássicos. Esta segunda parte do Livro V, a qual pode ser associada ao nascimento da teoria neoclássica, não será considerada aqui. O objeto do item inicial deste capítulo é, pois, a primeira parte daquele Livro, ou seja, o lado “clássico” de Marshall. 4.1. O CONCEITO CLÁSSICO DE OFERTA, SEGUNDO MARSHALL O método marshalliano de análise econômica pode ser resumido na sua própria proposição: “a teoria geral do equilíbrio entre oferta e demanda é uma Idéia Fundamental” (Prefácio da primeira edição dos Principles of Economics10). O mundo de Marshall tem dois grupos de agentes, os consumidores e os produtores, que se relacionam mutuamente de forma tal que, dentro de certas condições ambientais concretas, espera-se que um certo preço faça com que a quantidade demandada seja igual à quantidade produzida. O sistema terá pois que conter ao menos três variáveis endógenas básicas: o consumo, a produção e o preço. O objetivo final de Marshall é, portanto, o de construir um modelo de mercado, baseado nas relações entre oferta e demanda, para explicar como são determinados os níveis destas variáveis. Este é o tema do Livro V dos Principles, no qual duas hipóteses essenciais exigem alguns comentários. Em primeiro lugar, Marshall define a concorrência como sendo “livre”. Para alguns especialistas, como SHOVE (1942), HAGUE (1958) e NEWMAN (1960), esta proposição significa que Marshall adota a noção de concorrência imperfeita, enquanto outros, como afirmaram GILLEBAUD (1952), MAXWELL (1958), e SHAKLE (1967), consideram que Marshall rejeitou a definição de concorrência perfeita. A modelização da competição entre os produtores é importante apenas para a teoria neoclássica, de sorte que sua discussão está fora dos limites deste texto. Para os propósitos deste trabalho é suficiente admitir, sem 10

Durante este item, os números de páginas entre parênteses referem-se, salvo menção em contrário, à 8ª edição, impressão de 1986 de MARSHALL (1890). 18

qualquer pretensão de rigor, que competição “livre” corresponde a uma certa composição indefinida entre concorrência e cooperação entre as empresas. Em segundo plano, apesar de supor que os consumidores e os produtores são agentes otimizadores, Marshall cuidadosamente evita o procedimento neoclássico de maximizar o lucro através do cálculo diferencial. Sua unidade de análise do lado da oferta é um setor industrial de um produto homogêneo como um todo, ao invés do produtor individual como exigido pelo paradigma da maximização. Quando se torna indispensável explicar aspectos comportamentais da indústria, ele utiliza a noção de “empresa representativa”. Esta componente do método marshalliano também não será contemplada aqui; um estudo abrangente da empresa representativa pode ser encontrado em FRISH (1950), HAGUE (1958) e MAXWELL (1958), que apresentam conclusões contraditórias entre si. Este capítulo é dedicado à análise de um importante princípio que parece ser especialmente caro a Marshall: o elemento tempo, ou o movimento dinâmico das variáveis endógenas em direção aos seus pontos de equilíbrio teóricos. O objetivo aqui é o de apresentar um modelo de decisão construído a partir dos princípios marshallianos de equilíbrio e gravitação, modelo este que contém, de forma latente, um componente dinâmico que pode ser isolado e formalizado matematicamente. Na sua forma mais simples, o modelo de Marshall, ou o modelo de oferta-e-demanda, é composto de pelo menos três equações simultâneas, pois que as variáveis endógenas a serem explicadas são pelo menos três: o consumo, a produção e o preço. Segundo o próprio Marshall, no prefácio à primeira edição dos Principles, o analista tem que estar “certo de que ele tem premissas suficientes, e não mais do que suficientes, para suas conclusões (ou seja, que ele tem tantas equações, e nem mais nem menos, quantas são as variáveis do problema)”. Uma destas equações é a curva de demanda, que traduz a relação entre o consumo e o preço. A segunda relação poderia ser a condição de equilíbrio, a igualdade entre a quantidade demandada e a quantidade produzida. Considerando, entretanto, que o equilíbrio é inatingível no mundo real, Marshall propõe que o mercado de qualquer produto se equilibre apenas sob “condições normais”, definindo como normal uma curva de oferta teórica na qual “o preço de oferta de qualquer quantidade daquele produto possa ser visto como as despesas normais de sua produção” (pag. 285). A curva normal de oferta seria assim a terceira relação procurada. Contudo, Marshall vai além e divide as “condições normais” em duas categorias: o curto e o longo prazos. No curto prazo a capacidade industrial de produção é dada, enquanto que no longo prazo todos os fatores são variáveis e podem ser adaptados ao nível da demanda. Mas Marshall não coloca uma linha divisória clara entre o curto e o longo prazos: segundo ele, “a natureza não conhece uma separação absoluta entre curtos e longos períodos” (prefácio à primeira edição) e, mais ainda, em qualquer período de tempo “o preço é determinado pelas relações entre demanda e oferta” (pag. 314). Além do curto prazo e do longo prazo existe o “curtíssimo prazo”, ou “período de mercado”, que é um período no qual as condições normais de Marshall não podem ser observadas. É só por acaso que, no período diário de mercado, a produção pode se igualar ao consumo; o mercado não está necessariamente em equilíbrio no dia-a-dia das transações comerciais. Isto significa que não há curva de oferta no mercado diário, quando então a produção é dada e os “valores de mercado são determinados pela relação da demanda com os estoques disponíveis no mercado” (pag. 309), com uma influência menor dos custos de produção. Este é o tema deste primeiro item do capítulo: os princípios de Marshall sobre o comportamento do produtor no período definido como “mercado diário”. 19

4.1.1. O Modelo Marshalliano de Decisão Na prática, as transações reais de compras e vendas são realizadas no mercado diário, inclusive as contratações de fatores de produção que serão utilizados no próximo período. É durante o período do mercado diário que decisões passadas sobre preço e produção são transformadas em transações efetivas entre os produtores e seus clientes. Os valores observados, aqueles mesmos que são coletados para todos os fins estatísticos, são aqueles realizados no mercado diário. Considerando que no mercado diário o preço pode se adaptar às condições vigentes mas a produção não, pois ela sempre leva um certo período de tempo para ser obtida, o preço e a produção podem resultar de diferentes modelos de decisão, parcialmente independentes entre si. Estas devem ser as razões pelas quais Marshall propõe um modelo de comportamento, para o mercado diário, dividido em duas componentes, o processo de decidir sobre o preço de venda e a tomada de decisão sobre a produção. Esta divisão é coerente com a máxima anti-Say de Marshall: “Produção e marketing são partes de um processo único de ajustamento da oferta à demanda” (MARSHALL, 1919, pag. 181). A Formação do Preço de Venda A proposta de Marshall é a de que as empresas interagem com seus clientes no mercado diário propondo (e não impondo) preços que não são preços de equilíbrio. O mercado só estaria em equilíbrio se e quando todas as variáveis exógenas parassem de variar. Em hipótese alguma os preços seriam determinados só pelos custos ou só pela demanda. Em particular no mercado diário, os preços são determinados principalmente pela relação entre o estoque disponível para entrega e a demanda (pag. 290) de modo que “como regra geral, quanto mais curto o período considerado, mais a atenção deverá ser concentrada na influência da demanda sobre o valor” (pag. 291). Apesar de desempenhar um papel menos importante, os custos de produção também fazem parte do processo de decisão dos produtores a respeito dos preços, de acordo com o princípio de que “a quantidade que cada agricultor ou outro vendedor oferece à venda a um dado preço é determinada pela sua própria necessidade de dinheiro em caixa” (pag. 277), dinheiro este que será utilizado para financiar ao menos uma parte do próximo ciclo de produção. Marshall lembra que o mercado é uma instituição permanente, isto é, que o mercado diário nunca ocorre uma única vez, e que, portanto, a explicação do comportamento dos ofertantes no mercado diário deve ser buscada no longo prazo. Em suas palavras, “por detrás dos movimentos de curto prazo, relativamente rápidos, dos preços de venda, há causas que se mantêm por longos períodos, e o receio de queimar o mercado11 freqüentemente faz com que estas causas tenham efeitos imediatos” (pag. 313). Por exemplo, após uma queda da demanda o ofertante não reduzirá o preço ao ponto de vender todo o seu estoque, seja porque “cada um receia queimar sua própria chance de mais tarde obter um preço melhor de seus clientes” (pag. 311) seja porque um produtor “tem um receio maior ou menor de incorrer no ressentimento de seus concorrentes, o que aconteceria se ele vendesse a um preço que queima o mercado que é o mesmo para todos” (pag. 311). O relacionamento entre compradores e vendedores é descrito por Marshall como um processo de “pechincha e barganha” no qual ambas as partes tentam mostrar um certo grau de indiferença com relação ao negócio, cada um com a finalidade de reduzir os objetivos do outro. Os ofertantes “não mostram de imediato que eles estão dispostos a aceitar aquele preço” 11

No original, spoil the market. 20

(pag. 277) que na verdade eles acabam por aceitar. Os compradores insinuam que não estão interessados no objeto da compra, “eles fingem que estão menos ansiosos do que eles realmente estão” (pag. 277). Com relação ao relacionamento entre os ofertantes, o princípio é o de que “apesar de cada um agir em seu próprio interesse, supõe-se que o conhecimento individual sobre o que os outros estão fazendo seja em geral suficiente para evitar que um produtor venda a um preço menor ou compre a um preço maior do que outros estão praticando” (pag. 284). Este enfoque da formação do preço corresponde à exposição feita por Marshall na parte inicial do Livro V dos Principles, na qual ele relata o estado da arte no momento em que escrevia. De fato, este enfoque pode ser encontrado, por exemplo, em SMITH (1776) ao sugerir que o preço depende da necessidade do vendedor “livrar-se imediatamente da mercadoria” (pag. 57). Isto significa que, se o vendedor não tem necessidade imediata de dinheiro em caixa, ele não vende o produto. Ou, em outros termos, ele venderia a qualquer preço apenas a quantidade suficiente para resolver seus problemas imediatos de caixa. Se o produtor não vende toda a quantidade disponível, então haverá um crescimento nos estoques, de sorte que, no momento da próxima tomada de decisão, terá um peso maior o aspecto de “livrar-se” do produto, mas sempre sem cortar o preço em excesso para não “queimar o mercado”. Desta forma, o princípio de “não queimar o mercado” de Marshall está associado à noção de estoques, e o estoque impõe uma pressão baixista sobre os preços: altos estoques correspondem a baixos preços. Estas noções foram desenvolvidas pelos autores “clássicos” (no dizer de Marshall) provavelmente com a intenção de explicar porque o preço no mercado diário não é fixado exclusivamente pela demanda. Isto aconteceria, ou seja, os preços seriam determinados pelos consumidores de modo soberano, apenas se existisse uma curva de oferta no mercado diário que seria uma linha vertical ao nível da produção do período. Em outros termos, para os clássicos descritos por Marshall, não existe curva de oferta vertical: para estes autores os preços não são fixados só pela demanda. Segundo Marshall, a Lei de Say não vigora. A mesma intenção de explicar porque o preço não é fixado só pela demanda pode ser identificada em outras proposições pós-marshallianas, como por exemplo na idéia do “lucro conveniente” de KALDOR (1939), no “estoque normal” de SAMUELSON (1948, pag. 268), e no “estoquesombra” de BLINDER (1982). Todos estes enfoques parecem adequados para explicar porque a curva de oferta não pode ser uma linha vertical, porque os ofertantes não oferecem simplesmente toda a produção, aceitando o preço imposto pelos consumidores e equilibrando o mercado de tal maneira que os estoques, se existissem, seriam invariáveis. Estas noções são equivalentes à proposição de que o ajustamento de mercado não é instantâneo, implicando em que estoques existem e que o estoque é uma conseqüência da decisão de não-vender, e não necessariamente de algum objetivo outro a ser alcançado pela empresa como, por exemplo, um certo nível ideal da relação estoque/vendas. Diferentemente, a teoria neoclássica moderna sempre associa um papel estratégico proposital aos estoques. Assim, o estoque poderia ser feito com o objetivo de amenizar as variações da produção, evitando flutuações excessivas e supostamente indesejáveis, ou para manter o preço num certo nível, mesmo que este nível seja contraditório com o objetivo de maximizar o lucro. Alternativamente, um estoque temporário poderia resultar de um processo de maximização do valor presente dos lucros esperados no futuro, conforme sugerido desde SMITHIES (1939). Segundo esta proposta, se se espera que a demanda cresça, então será mais lucrativo estocar agora para vender em alguma data futura. Uma sugestão parecida, introduzida pela primeira vez possivelmente por KIRMAN & SOBEL (1974), é a do estoque como variável estratégica na teoria dos jogos. 21

Contrapondo-se à noção “clássica” de que o estoque resulta de uma decisão de não vender, a teoria neoclássica propõe que o estoque existe porque haveria uma política para ele, ou uma demanda por ele. Por sua vez, a demanda de estoques, ou o investimento em estoques, têm sido teoricamente associados à existência ou de um certo nível-objetivo, ou de um certo nível “planejado” de estoques. Neste sentido, dois enfoques têm aparecido mais freqüentemente na literatura neoclássica: o modelo do “estoque amortecedor” (buffer stocks) associado ao “alisamento da produção” (production smoothing), e o modelo (s, S). Os artigos de WILKINSON (1989) e BLINDER & MACCINI (1991) apresentam revisões abrangentes sobre esta literatura. Todavia, pode-se perceber que, se os produtores tomam decisões quanto a preço e produção, ou se prevalece uma equação resultante da maximização do lucro, então o modelo de mercado tem tantas equações quantas são as variáveis endógenas e, neste caso, a equação neoclássica da demanda de estoques seria redundante ou, pior, inconsistente. No ambiente macroeconômico podem-se destacar dois estoques em especial. Em primeiro lugar, o “fundo de reserva” pode ser visto como um estoque de moeda que seria um corolário para a demanda especulativa de moeda de Keynes, como observado por ARROW, KARLIN & SCARF (1958). Em segundo plano, a curva de Phillips é uma relação inversa entre o salário e outro estoque macroeconômico: o desemprego. A proposição original de PHILLIPS (1958, pag. 283) é a de que “a taxa de crescimento dos preços será tão maior quanto mais intenso for o excesso de demanda”: se os estoques forem pequenos enquanto a demanda estiver crescendo, as flutuações de preços serão sensíveis. De modo geral, estoques elevados estão relacionados a baixos preços. Também em termos macroeconômicos existe uma relação inversa entre preço e estoques, a qual tem sido objeto de alguns trabalhos empíricos, como por exemplo o citado WILKINSON (1989). Resumindo: a) é só no período do mercado diário, quando então não há equilíbrio entre oferta e demanda, que os preços são observados e coletados para fins estatísticos e analíticos; b) seguindo os princípios clássicos expostos por Marshall, o preço é formado no mercado diário e é uma função tanto do custo de produção quanto do estoque disponível; c) no início de cada período do mercado diário, o estoque é dado e, se o custo não fosse considerado, o preço seria determinado exclusivamente pela demanda, como se existisse uma curva de oferta perfeitamente vertical. Assim, neste enfoque que Marshall define como “clássico”, nem o custo nem a demanda, cujo efeito aparece no estoque, são suficientes para explicar o preço; ambos são necessários. Aquele que diz “que o preço é determinado pela demanda ... não está estritamente correto” (pag. 290). O preço de oferta a cada período pode então ser expresso por uma função do custo Z e do estoque E existente no momento, isto é, o estoque resultante da interação entre oferta e demanda do período anterior: preço de oferta:

Pt = f ( Zt, Et-1 )

(4.1)

onde a derivada em relação aos custos (δP/δZ) é positiva , enquanto a derivada relativa aos estoques (δP/δE) é negativa. A Decisão de Produção No enfoque clássico de Marshall a decisão sobre o quanto produzir complementa o comportamento da oferta. A produção industrial ou agrícola é naturalmente complexa e em geral exige em certo período de tempo para ser obtida. Apesar disto, todas as decisões sobre 22

produção são transformadas em realidade no mercado diário, através da compra e da contratação de fatores, sendo que estas transações são os únicos eventos observados e registrados para fins estatísticos. Neste modelo, a margem de lucro, tanto a esperada quanto a obtida no mercado diário, é o principal argumento na decisão de produção: quanto maior o lucro maior será o capital alocado no setor, aumentando a produção no curto prazo e a capacidade instalada a longo prazo. Este relacionamento entre o lucro e a alocação de capital e, portanto, a determinação do nível de produção, reflete a própria mobilidade do capital, sendo esta uma noção de fundamental importância para a teoria clássica de Marshall. É possível que, durante um certo período de mercado diário, o preço seja tal que a margem de lucro seja “insuficiente”. Entretanto, numa certa média de longo prazo, a margem deve ser considerado no mínimo como “aceitável” pois, se o preço não for “suficiente para cobrir, a longo prazo, uma boa parte dos custos totais do negócio, a produção será reduzida paulatinamente” (pag. 313). A margem é definida (pag. 313) como o excesso do preço sobre os custos diretos, como o retorno sobre o capital total aplicado, e depende também do giro do capital (pag. 374). Dentre outras alternativas mais complexas, o retorno, ou a margem de lucro R obtida no mercado diário, pode ser definida como a diferença simples entre preço de venda P e o custo de produção Z: margem:

Rt = ( Pt - Zt )

(4.2)

Apesar de ser adequada para análises temporais de um mesmo setor produtivo, esta definição de margem de lucro é incorreta quando se trata de fazer comparações entre diferentes setores. Neste caso de análise comparativa, o retorno deveria ser definido de modo a levar em conta o fato de que tanto o capital fixo quanto o giro do capital são diferentes em cada setor, de sorte que, como o relevante é o lucro sobre o capital aplicado, o simples excedente do preço sobre a produção é uma informação insuficiente para se avaliar o desempenho de um setor em relação aos outros. É este desempenho relativo que orienta a mobilidade do capital em direção do maior retorno. Em termos teóricos, é a mobilidade dos fatores, em especial a mobilidade do capital, que evita a ocorrência de restrições impeditivas ao funcionamento do mercado e, portanto, limitantes da produção. Dado o fundo especulativo de reserva Keynesiano, se o capital é livre para se mover, então todos os setores produtivos têm o capital financeiro que eles próprios consideram adequado para tocar a produção no nível em que ela está, obtendo assim uma margem de lucro não restrita por fatores exógenos ao mercado, se bem que não necessariamente uniforme entre todos os setores. Adicionalmente, Marshall sugere que a produção depende também dos estoques, argumentando que o ato de estocar é percebido como conseqüência de uma queda na demanda do produto. Neste caso, cada empresa, agindo individualmente ou segundo um acordo de cooperação com suas concorrentes, reduz a produção com a finalidade de evitar a pressão sobre os preços que seria exercida por uma estocagem excessiva. Segundo Marshall, os produtores, agindo de forma a impedir um estoque exagerado, decidem “seja olhando seu próprio interesse, seja em respeito a um acordo formal ou informal com os outros produtores, suspender a produção por receio de queimar o mercado ainda mais” (pag. 311). Em caso contrário, se há uma redução nos estoques as empresas compreendem que a procura por seu produto aumentou e cada uma delas faz planos de investimentos e de aumentos de produção, todas tentando garantir para si próprias a maior parte possível do crescimento do mercado. Resumindo, o segundo componente do comportamento da oferta, a decisão de produzir a quantidade Q, pode ser proposta como sendo uma função do lucro R realizado no período passado e do estoque E então disponível: 23

decisão de produção:

Qt = h ( Rt-1, Et-1 )

(4.3)

onde a derivada em relação aos lucros (δQ/δR) é positiva , enquanto a derivada relativa aos estoques (δQ/δE) é negativa. A existência e a importância da relação entre a decisão de produção e os estoques têm sido consideradas por vários analistas, sob diferentes enfoques, dentre os quais devem ser citados o “ajustamento de estoques” proposto por HICKS (1965) e o modelo do “estoque amortecedor”, do qual WILKINSON (1989) apresenta uma revisão de literatura compreensiva. É desta forma que o modelo marshalliano para o mercado diário tem tantas equações, cinco, quantas são as variáveis endógenas que o compõem: preço, produção, consumo, estoque e lucro. Os produtores formam o preço P através de uma equação de decisão que especifica o preço como uma função da variável exógena custo Z e do estoque E endógeno, para o qual sempre existe uma identidade contábil: o estoque de hoje é igual ao estoque de ontem mais a produção Q e menos o consumo D do período entre ontem e hoje. Os consumidores decidem, através da equação da demanda, qual é a quantidade D que será demandada, dados o preço proposto pelos ofertantes e o nível da renda e de outros fatores exógenos que deslocam a curva de demanda. Por sua vez, os produtores decidem o volume Q que será produzido através da equação de decisão da produção, cujos argumentos são o estoque e a margem de lucro R definida, por exemplo pela expressão (4.2). As equações são, portanto, a curva de demanda, o preço de oferta, a decisão de produção, a identidade do estoque e a definição da margem. Neste contexto, não pode existir uma curva de oferta no mercado diário, pois esta seria uma equação redundante no modelo. 4.1.2. Observações sobre o Modelo de Marshall Em termos teóricos, a condição necessária e suficiente para que haja equilíbrio no mercado é que a quantidade produzida seja igual à quantidade consumida. No modelo clássico do mercado diário descrito por Marshall produção e consumo nunca são iguais. Isto significa que no mercado diário, período no qual as transações comerciais reais são realizadas, não há equilíbrio entre oferta e demanda. Coerentemente, não há curva de oferta no mercado diário. Esta distinção entre, por um lado, o mercado diário desequilibrado e, por outro lado, a noção teórica de equilíbrio de mercado pela igualdade entre as quantidades ofertada e demandada, é importante também porque os dados sobre as transações no mundo real são coletados para fins estatísticos e de análise econômica apenas no mercado diário, quando então não há equilíbrio entre oferta e demanda. Isto significa que os dados reais disponíveis são, teoricamente, dados em desequilíbrio, isto é, eles naturalmente contêm um certo erro estatístico que pode ser associado a um erro de medida. Segundo o modelo clássico de Marshall, os produtores tomam suas decisões quando o mercado está fora do equilíbrio. Contudo, não seria apropriado dizer que ele adota um enfoque de desequilíbrio, pois a ausência de equilíbrio refere-se apenas às transações reais realizadas no período do mercado diário. O equilíbrio marshalliano pode ser visto como uma construção teórica a partir dos dados reais, não sendo necessariamente uma hipótese ad hoc sobre o comportamento dos dados reais. A dificuldade do mercado diário atingir o equilíbrio deve-se ao comportamento das variáveis exógenas, o custo e os fatores de deslocamento da demanda, que variam continuamente, sem dar tempo ao ofertante para ajustar a produção. Marshall afirma que o mercado está sempre se movendo em direção ao equilíbrio, mas que ele só chegaria a esta situação se as variáveis exógenas permanecessem constantes durante um certo intervalo mínimo de tempo. O equilíbrio marshalliano resulta ser uma abstração, uma 24

construção teórica. Referindo-se a Adam Smith, e a “outros economistas” como ele mesmo escreveu, Marshall mostra que “o valor normal ou o valor natural de um produto é aquele que as forças econômicas tendem a gerar a longo prazo ... se as condições gerais da vida ficarem estacionárias durante um período de tempo suficiente” (pag. 289). A respeito, ROBINSON (1965b) sugeriu que “O curto prazo é aqui e agora, com os atuais meios de produção concretos. São as incompatibilidades intrínsecas da situação presente ... que determinarão o que acontecerá em seguida. O equilíbrio de longo prazo não está em algum momento no futuro; o equilíbrio é um estado imaginário de negócios correspondente a uma situação atual em que não haja incompatibilidades internas, aqui e agora” (pag. 101). Neste mesmo sentido, BOGGIO (1987) observa no Palgrave Dictionary que, em termos clássicos, preço natural é um centro de gravitação em direção ao qual as variáveis endógenas tendem a se mover. Nas palavras de Marshall, as posições de equilíbrio são “centros ao redor dos quais a quantidade e o preço tendem a oscilar” (pag. 289). Marshall utiliza a imagem de uma pedra pendurada numa mola (pag. 288) para ilustrar este fenômeno: se um “choque exógeno” fizer com que a pedra seja puxada de sua posição de equilíbrio, a força da gravidade a fará voltar, após algumas oscilações, à posição original. Considerando que os choques exógenos podem ser, e em geral o são, de intensidade, duração, direção e freqüência diferentes, cada um deles ocorrendo antes que os efeitos dos anteriores tenham sido absorvidos, pode-se concluir que os choques exógenos induzem a “movimentos parcialmente rítmicos e parcialmente aleatórios” (pag. 288). Em conseqüência, a gravitação ao redor das posições de equilíbrio é um fenômeno aleatório. A noção clássica de Marshall sobre a gravitação pode ser associada ao erro de medida encontrado no mercado diário, quando então há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda. A gravitação pode ser vista como um componente intrínseco das variáveis econômicas, componente este que resultaria do processo de constante ajustamento dos produtores às condições exógenas, instáveis e imprevisíveis, de custo e de demanda. 4.2. UM MODELO DINÂMICO DE OFERTA-E-DEMANDA O comportamento dinâmico do modelo clássico de decisão sugerido por Marshall pode ser assim resumido: uma variação ocorrida numa variável exógena, como por exemplo a renda do consumidor, leva a uma alteração na posição da curva de demanda, daí ao consumo e daí aos estoques. Por sua vez, a variação havida nos estoques induz os produtores a mudar, simultaneamente, o preço e a produção, cada um buscando o maior lucro que a intensidade da concorrência e o grau de cooperação entre eles lhe permite obter. Orientados pelo que ocorre com seus estoques, os produtores procedem, independentemente de uma hipótese prévia sobre a concorrência ou a falta de concorrência entre eles, ao ajustamento da oferta à demanda. Portanto, preço e produção estão ligados aos estoques, e muitos trabalhos de pesquisa dedicam-se a uma ou outra relação: preço versus estoques ou produção versus estoques. Na literatura econômica é pouco freqüente a análise simultânea de preço e produção versus estoques, podendo-se citar os artigos de HAY (1970), KIRMAN & SOBEL (1974) e DUMÉNIL & LÉVY (1987). Adicionalmente, estudos econométricos foram elaborados por MILLS (1962) e pelos seus críticos, STEUER & BUDD (1968). Particularmente importante é a contribuição de KAWASAKI, McMILLAN & ZIMMERMANN (1982), na medida em que o trabalho desenvolvido por eles baseou-se num método estatístico similar a um modelo reduzido que dispensa a adoção prévia de um modelo estrutural de mercado e poderia, se indispensável fosse, adaptar-se a vários modelos alternativos. A conclusão de Kawasaki, Mcmillan & 25

Zimmermann é a de que as empresas de fato reagem a variações nos seus estoques, mudando seus preços e seus níveis de produção de tal modo que a convergência a uma situação teórica de equilíbrio fica assegurada. Baseado nestes princípios pode-se formalizar um modelo de mercado com a seguinte estrutura geral: MODELO ANALÍTICO DINÂMICO DE MERCADO demanda: Dt = g ( Pt, Ft ) preço de oferta: Pt = f ( Zt, Et-η η) decisão de produção: Qt = h ( Rt-ϕ ϕ, Et-ω ω) onde Rt = ( Pt - Zt ) é a margem de lucro, e Et = Et-1 + Qt

- Dt

é o estoque.

O modelo tem três equações, uma definição e uma identidade de natureza contábil, perfazendo cinco relações para explicar cinco variáveis endógenas: a quantidade demandada D, o preço de mercado P, a produção Q, o lucro R e o estoque E. As variáveis exógenas são o fator F de deslocamento da demanda (renda do consumidor, preço de produto concorrente, etc.) e o fator Z de deslocamento da oferta (por exemplo a tecnologia e o preço dos insumos). A característica principal deste modelo é o comportamento da oferta, que aqui é uma generalização do enfoque clássico descrito por Marshall, composto da decisão sobre o preço de oferta (equação 4.1 no item anterior) e da decisão de produção (equação 4.3 no item anterior), sendo estas decisões aparentemente independentes entres si. Considerando, como sugeriu Marshall (pag. 281), que os valores presentes são conseqüências de decisões passadas, ao invés de basear suas decisões atuais apenas no lucro realizado no período anterior e no estoque então disponível, neste modelo geral os produtores levam em conta uma série dos valores anteriores destas variáveis endógenas, o que é indicado pela estrutura indefinida de defasagens representada pelo conjunto [ η, ϕ, ω ]. Esta estrutura de defasagem não é conhecida a priori; ela pode e deve ser determinada na fase de ajustamento econométrico do modelo. A menos de exceções curiosas, espera-se que os mercados sejam convergentes, posto que, de outra forma, eles já teriam deixado de existir. De todo modo, a condição de convergência em direção ao equilíbrio pode ser determinada após a estimação dos parâmetros do modelo estrutural Este é um modelo dinâmico, e não um esquema de desequilíbrio permanente. Dada uma situação teórica de equilíbrio, após um choque exógeno dado no momento t o modelo levará aos valores de todas as variáveis endógenas nos momentos t, t+1, t+2, etc. Se o choque exógeno fosse dado uma única vez, então os sucessivos ajustes promovidos pelos produtores fariam com que as variáveis endógenas seguissem uma trajetória amortecida em direção a uma nova posição de equilíbrio. Contudo, considerando que no mundo real os choques exógenos são numerosos e aleatoriamente distribuídos, é de se esperar em termos teóricos que esta trajetória seja constantemente perturbada, de modo que o equilíbrio seria sempre inalcançável. Isto é equivalente à idéia de que os valores atuais gravitam ao redor das posições teóricas de equilíbrio, problema este que será melhor abordado no capítulo sobre a metodologia. Por fim, neste modelo não se assumem a priori e nem há a expectativa de que as variáveis endógenas 26

venham a assumir alguns valores notáveis. Por exemplo, não se presume ad hoc que o estoque seja zero ou que seja invariável. A principal contribuição deste modelo é a descrição da oferta, que é composta de duas equações associadas a um comportamento de curto prazo: o preço de oferta e a decisão de produção. O comportamento da oferta a curto prazo é tal que uma variação nos estoques induz variações simultâneas no preço e na produção, e na mesma direção, posto que ambos os coeficientes respectivos têm o mesmo sinal negativo. Mais ainda, preço e produção são mutuamente dependentes e, adotando o artifício de uma hipotética situação de equilíbrio, é possível deduzir uma relação teórica, estável, que pode ser identificada a uma curva de oferta. Por isso, as equações do preço de oferta e de decisão de produção podem ser combinadas. Primeiro imagine-se teoricamente que as variáveis exógenas estão constantes há tempo suficiente para que o modelo tenha chegado a uma situação de equilíbrio, e que elas assim permanecem; neste caso desaparecem os índices relativos ao tempo no modelo. Toma-se agora a equação de decisão de produção: Q = h ( R, E ) e substituem-se a margem de lucro, dada por sua definição, e o estoque tirado da equação do preço de oferta, de modo a obter uma expressão geral: Q = h ( P, Z ) Ceteris paribus o fator Z, esta equação descreve a linha dos pontos de equilíbrio simultâneo do preço e da produção; ela é o lugar-comum dos pontos de equilíbrio procurados pelos produtores, podendo por isso ser definida como uma curva de oferta. A curva de oferta deve ser o resultado do comportamento dos produtores nas suas decisões de preço e produção, o que significa que ela contém todos e apenas os níveis de preço e produção considerados interessantes pelos produtores. Comparando, a curva de demanda é uma relação entre preço e quantidade consumida que pode ser deslocada paralelamente por algumas variáveis exógenas “típicas do consumidor” como a sua renda e o preço dos bens substitutos. Da mesma forma, a curva de oferta é uma relação entre o preço P e quantidade produzida Q que pode ser deslocada paralelamente por algumas variáveis exógenas “típicas do lado do produtor” como o preço dos insumos e a tecnologia, aqui representadas por Z12. Diferentemente da teoria neoclássica, neste modelo a curva de oferta não é uma relação de causalidade. Para que a curva de oferta fosse uma função na qual uma variável é a causa e a outra a conseqüência, seria necessário que esta causa fosse imposta ao produtor vindo “de fora” do sistema, tal qual uma variável que seja exógena em relação à oferta e não influenciável pelas decisões dos produtores. Ao invés, aqui as empresas têm algum poder discricionário sobre o mercado, admitindo-se que, na busca do melhor resultado em termos de retorno do capital aplicado, elas podem influir nos preços variando a produção, e vice versa. Em qualquer caso, esta influência está limitada pela posição da curva de demanda, ou da renda do consumidor, de forma que o nível de equilíbrio teórico não resulta de uma imposição unilateral dos produtores - o ponto de equilíbrio depende dos consumidores também. A curva de oferta é uma construção teórica, a partir do modelo dinâmico do mercado diário, que liga pontos imaginários de equilíbrio de preço e produção. Assim, o modelo pode descrever tanto o comportamento de curto prazo, mais próximo à realidade do dia-a-dia, 12

Uma descrição mais detalhada deste modelo, acompanhada de uma aplicação empírica, pode ser encontrada em LIMA (1993b). 27

quanto a estrutura de longo prazo, que é uma abstração teórica daquela realidade. A variável exógena Z determina a posição da curva de oferta, enquanto sua inclinação pode ser derivada de seus dois componentes: o preço de oferta, que depende do estoque, e a decisão de produção, que depende do lucro e também do estoque. Com isso, a inclinação da curva de oferta (dQ/dP) decorre da propensão a investir de todos os produtores em conjunto e das reações das empresas individuais às variações em seus estoques. Formalmente: (dQ/dP) = [(δ δQ/δ δR) (δ δR/δ δP)] + [(δ δQ/δ δE) (δ δE/δ δP)] A inclinação da curva de oferta, que é uma noção de longo prazo, é composta de duas partes: a primeira, representada pela derivada composta [(δQ/δR) (δR/δP)] reflete a decisão de produzir em relação ao lucro obtido (δQ/δR), lucro este que depende (δR/δP) do preço de venda. Em outros termos, esta componente traduz a propensão a investir no setor, ou a medida da mobilidade do capital em direção a este setor, o que não deixa de ser também um resultado do comportamento concorrencial de longo prazo entre empresas que estão e que pretendem entrar no setor. Por outro lado, observando que o estoque individual de uma empresa é uma conseqüência não só do nível da demanda de mercado mas também do desempenho da sua concorrência, pode-se dizer que a segunda componente [(δQ/δE) (δE/δP)] indica o comportamento de competição de curto prazo. Esta parte da oferta combina a decisão de ajustar a produção em resposta às variações dos estoques (δQ/δE) com a sensibilidade da empresa aos estoques quando da decisão de propor um preço (δP/δE) aos seus consumidores. Por oportuno, é útil lembrar que, na prática, a estimativa da inclinação da curva de oferta não exige que se explicite o modelo econométrico completo, isto é, as equações separadas do preço de oferta e de decisão do produção. O teorema da variável omitida garante que se pode estimar diretamente a equação da curva de oferta, pois, sendo o estoque uma variável endógena do modelo, seu efeito estará naturalmente incluído no valor estimado do coeficiente associado à inclinação da oferta. Normalmente o teorema da variável omitida é analisado como um problema, pois os coeficientes estimados das variáveis explicativas não omitidas estarão viesados. Contudo, este viés pode ser interessante, na medida em que se assegura que os coeficientes estimados trazem embutidos os efeitos das variáveis omitidas13. As omitidas não aparecem, mas seus efeitos sim. Neste caso, não é só a influência do estoque que estará embutida, mas também o efeito de qualquer outra variável endógena que, por acaso ou conveniência, tenha sido omitida. De um modo geral, a inclinação é condicionada por alguns aspectos físicos, como a perecibilidade do produto, a tecnologia de produção, a logística de distribuição, a capacidade administrativa, a disponibilidade total de capital próprio, etc. Além disso, a inclinação depende do perfil pessoal do administrador, como por exemplo seu conhecimento geral e do mercado específico, sua reação a expectativas, sua aversão ao risco, sua agressividade nas vendas, sua disponibilidade de caixa e, muito importante, sua atitude em relação à concorrência. Por sua vez, a concorrência está sujeita não só a aspectos psicológicos, mas também a considerações objetivas como a noção de que não faz sentido que uma só empresa carregue o estoque de todo o setor. Um fato importante sobre estas características que influem sobre a inclinação da oferta é que elas são não-separáveis ex-post. Talvez seja esta a razão segundo a qual Marshall condensou todas estas características comportamentais condicionadas que definem a inclinação da curva de oferta dentro da noção simples do “receio de queimar o mercado”.

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JOHNSTON (1986), pag. 260. 28

Sendo não-separáveis, é impossível identificar empiricamente o efeito individual de cada uma destas características sobre a inclinação, vale dizer, sobre a oferta em si mesma. A respeito, BLINDER (1990) observou que os principais modelos microeconômicos baseados no paradigma neoclássico do cálculo diferencial para a maximização do lucro adotam ad hoc muitos fatores comportamentais e materiais para descrever o comportamento do produtor. Entretanto, segundo Blinder, em sua quase totalidade estes fatores são não mensuráveis. É impossível isolar uma das outras porque não há informação estatística sobre elas - não é imaginável que se possa analisar um preço de mercado e concluir objetivamente que, do total, tanto se deve à perecibilidade do produto, tanto à agressividade do vendedor, tanto à aversão ao risco, tanto à capacidade financeira da empresa, etc. A inclinação da curva de oferta, portanto, resulta de um padrão complexo de comportamento, mas o que realmente importa para fins de análise e política econômica é que esta inclinação não precisa ser antecipada teoricamente - ela pode ser conhecida ex post, empiricamente. A respeito, parece ser interessante introduzir nesta etapa um comentário sobre a teoria neoclássica da oferta, que adiciona a esta breve lista de características comportamentais uma hipótese extra: a de que as empresas buscam maximizar o lucro seguindo um procedimento que pode ser descrito pelo cálculo matemático. 4.3. NOTA SOBRE O ENFOQUE NEOCLÁSSICO DA OFERTA O cálculo diferencial limita seriamente as possibilidades de análise dinâmica da teoria neoclássica, pois este método exige a hipótese de que a produção é instantânea, e não há espaço para um tratamento simultâneo dos estoques. Além disso, um problema ainda mais sério com o cálculo diferencial para a maximização do lucro está associado à necessidade matemática de se adotar a hipótese de que a capacidade de produção seja dada, definindo-se esta situação com “curto prazo”. Ora, a capacidade instalada, ou o capital fixo de um setor produtivo, é uma conseqüência do investimento no setor, de forma que supor constante o capital aplicado significa também admitir que não há investimento. Se a capacidade K de produção fosse considerada numa eventual curva de oferta genérica derivada da maximização do lucro, a inclinação desta curva seria dada por: (dQ/dP) = (δ δQ/δ δP) + [(δ δQ/δ δK) (δ δK/δ δP)] Assim, se K for constante, a derivada (δK/δP) que mede a propensão a investir em relação ao preço (lucro), será nula. Não haveria aqui mobilidade do capital. Esta limitação imposta pelo método dificulta o tratamento neoclássico da questão do investimento. A teoria neoclássica não pode falar de investimento de modo claro, pois este não pode deixar de ser função do preço, via lucro. Seguindo o enfoque neoclássico, não é possível formalizar uma “função investimento”, pois se isto for feito então existirá uma certa propensão a investir. Isto significa que, se a derivada (δK/δP) não for nula, a empresa não estará apenas maximizando seu lucro, já que o investimento reflete necessariamente um comportamento de concorrência de longo prazo. Há também aqui uma certa falta de precisão matemática no método neoclássico, associada ao fato de que só se pode supor constante uma variável que seja exógena, ou seja, só se pode invocar a cláusula “ceteris paribus” para uma variável exógena. A aplicação do paradigma neoclássico exige pois que se adote a hipótese de que o investimento é exógeno, que o investimento não tem explicação a partir de qualquer variável endógena como o preço de mercado e o lucro das empresas. Por outro lado, a adoção desta hipótese revela-se contraditória com a aplicação empírica. A econometria impõe que seja incluída na equação respectiva qualquer variável à 29

qual se deseja associar a condição ceteris paribus. O método neoclássico tem que passar ao largo desta imposição matemática, pois não pode incluir a capacidade instalada na equação de maximização sob pena de negar o seu próprio paradigma. Se o investimento for incluído na equação de maximização, ficará claro que a empresa não deseja só maximizar mas também investir. Entretanto, o investimento, ceteris paribus a demanda, certamente reduzirá o lucro quando maturar. Para complicar, se o investimento for, como se espera, uma variável endógena, seu efeito estará naturalmente embutido na estimativa empírica da inclinação da curva de oferta, qualquer que seja o modelo teórico adotado. Além disso, se, mesmo sabendose que o investimento influi no preço, fosse válida a manobra de assumir a hipótese de que ele é exógeno, haveria no procedimento de maximização via cálculo diferencial uma omissão de variável independente, o que provocaria o surgimento de graves problemas econométricos. Mais ainda, mesmo que se consiga superar o problema do investimento, restará a questão da comprovação empírica de que as empresas seguem o paradigma neoclássico. O trabalho de BRESNAHAN (1989) pode ser ilustrativo deste problema. Buscando modernizar e generalizar o método neoclássico, Bresnahan propôs um modelo no qual a aplicação do cálculo diferencial é acompanhada da hipótese de que todos os fatores comportamentais e estruturais de mercado que influem na oferta podem ser condensados na noção de “índice de competitividade”, que seria equivalente à noção de “variação conjetural”. Neste sentido, SCHMALENSEE (1988, pag. 650) sugere que, além da maximização, a inclinação da oferta resulta de um “padrão complexo de comportamento”. Os resultados empíricos de Bresnahan são convincentes, mas põem o rei nu, na medida em que fica clara a impossibilidade de se identificar o parâmetro associado à maximização, o que significa ser inviável comprovar que a empresa maximiza o lucro. Multiplicando-se o efeito composto de um conjunto de fatores de comportamento por uma hipótese adicional - a maximização do lucro - a conclusão é que esta hipótese também é não identificável. Ironicamente, isto significa que o esforço neoclássico no desenvolvimento de uma teoria da formação do preço pode incidentalmente ser reduzido a uma simples troca de nomes, escrevendo-se “índice de competitividade”, ou “variação conjetural”, ou ainda “padrão complexo” no lugar de “receio de queimar o mercado”, sem adicionar informação nova sobre o comportamento da oferta. A menos que a teoria dos jogos, deixando de assumir hipóteses não passíveis de mensuração, encontre um instrumento mágico para medir como os produtores interagem - uma espécie de “competitômetro” - parece improvável que o paradigma neoclássico leve à elaboração de uma teoria do comportamento da oferta. Em conseqüência desta dificuldade com os fundamentos microeconômicos, pode ser que, no nível agregado, nada mais reste às teorias inspiradas no paradigma neoclássico que a lei de Say. 4.4. NOTA SOBRE A TEORIA DO MARK-UP RÍGIDO A experiência mostra que a curva de oferta tende a estar mais próxima de uma linha horizontal ao eixo das quantidades do que da vertical, isto é, os preços tendem a ser rígidos. Isto significa que a demanda influi mais sobre a produção do que sobre os preços de venda. Além disso, é de se esperar que seja “pequena” a influência da demanda sobre os preços representada pela presença dos estoques na equação de decisão do preço de oferta - quando comparada com o efeito dos custos de produção. Coerentemente, a aplicação empírica apresentada em LIMA (1992a, pag. 286) mostra que, no caso da indústria brasileira do cimento, a omissão da variável que mede a demanda na equação reduzida do preço não impede que esta apresente um bom desempenho estatístico.

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O teste econométrico realizado não permitiu, pois, rejeitar a hipótese mais freqüente dos teóricos pós-keynesianos sobre os preços de mercado, segundo a qual os preços são fixados pelas empresas unilateralmente, de acordo com uma política de mark-up rígido. Todavia, esta conclusão não é válida, pois o fato é que a variável da demanda foi simplesmente omitida na equação respectiva. Se ela foi omitida, ela não foi testada e, se não foi testada, não pode ser rejeitada. A eventual não-significância da demanda ou de qualquer outra variável, exógena ou até mesmo endógena, na determinação do preço é condição necessária para suportar a tese de que prevalece a teoria do mark-up rígido. Mas, para se testar corretamente a hipótese nula da nãosignificância é indispensável incluir ao menos uma variável que represente a demanda na equação do preço, seja esta a equação reduzida ou a estrutural. Se, feito isto, o coeficiente associado à demanda resultar ser estatisticamente não diferente de zero, então não será possível rejeitar a hipótese de que os preços são rígidos, independentes da intensidade da demanda, e que a curva de oferta é uma linha horizontal. 4.5. ALGUMAS CONCLUSÕES SOBRE A CURVA DE OFERTA Tanto quanto a curva de demanda, a curva de oferta é uma relação entre duas variáveis endógenas, o preço e a quantidade, relação esta que é deslocada paralelamente por todas as variáveis exógenas relevantes. Por sua vez, os efeitos de quaisquer outras variáveis endógenas que possam ser explicativas, seja do preço seja da quantidade, estarão sempre naturalmente incluídos na estimativa da derivada do preço em relação à quantidade. A curva de oferta derivada do modelo que Marshall chamaria de clássico à sua época, é uma abstração teórica, uma construção hipotética a partir das equações de decisão das empresas sobre preço e produção, dentro do procedimento delas de ajustar a oferta à demanda. Se este ajuste é necessário é porque há, a cada momento em que uma decisão é posta em prática, um desequilíbrio entre oferta e demanda, o que significa que os dados coletados para análise são dados de desequilíbrio, inexistindo portanto uma teoria que explique a relação entre eles, naquele momento. Há assim um erro de medida nas variáveis econômicas endógenas, erro este que foi identificado, por Marshall e seus antecessores, com a noção de gravitação. O tratamento econométrico deve, pois, eliminar este erro. As decisões das empresas são baseadas em valores passados de variáveis endógenas que medem o desempenho do empresário, em especial o lucro e o excedente de produção estocado. Neste modelo de oferta e demanda a empresa é um ser dinâmico, que está sempre retificando seus objetivos, suas metas e seus métodos, em função das expectativas sobre a demanda e de seus próprios erros e acertos passados, ou seja, em função de sua própria história. Mas, na prática, o equilíbrio não chega nunca. Pode-se dizer, atendo-se à equação do preço de oferta, que neste modelo o preço resulta de um política de mark-up, na qual a margem não seria rígida mas sim variável de acordo com a intensidade da demanda. Neste caso, o estoque é um indicador da intensidade da demanda individual, a qual varia não só em função da renda do consumidor, mas também em conseqüência das políticas de marketing dos concorrentes. O estoque funcionaria pois como uma espécie de indicador da formação de expectativas sobre o estado da demanda individual. Este é um modelo dinâmico que naturalmente tem uma solução matemática de equilíbrio associada, mas apenas no plano teórico. As decisões atuais dependem dos resultados das decisões passadas, ou seja, as decisões de hoje dependem das decisões de ontem. Por exemplo, a decisão de hoje sobre o quanto produzir no curto prazo depende do estoque existente, o qual, por sua vez, resulta da diferença entre a venda efetiva e as decisões anteriores 31

sobre a produção. A quantidade produzida é um fluxo mas o estoque não; por isso, ambos não podem ser simultâneos. Eles se sucedem no tempo criando uma seqüência de causação interminável produção-estoque-produção-estoque ... e assim sucessivamente. Trata-se, portanto, de um sistema de desequilíbrio que tem uma situação de equilíbrio associada - a cada nível das variáveis exógenas - apenas como um centro teórico ao redor do qual a realidade gira. Nesta situação teórica de equilíbrio pode-se deduzir uma curva de oferta universal, mais geral do que o método neoclássico e a teoria do mark-up rígido poderiam permitir. Nesta curva de oferta a maximização do lucro não é uma imposição matemática ad hoc, mas também não há qualquer hipótese em contrário. Neste modelo geral dispensa-se a hipótese da busca do lucro máximo como fator comportamental, mas não se nega que a empresa tente sempre obter o melhor resultado para o capital aplicado; apenas não se adota o princípio de que o cálculo diferencial possa ser útil neste contexto. Basta a este modelo que as empresas sejam coerentes ao longo do tempo, adotando as mesmas decisões quando as variáveis exógenas retomarem os mesmos valores. Supõe-se neste modelo que as empresas estejam fazendo o melhor que conseguem, dado o atual estado das artes ao alcance delas.

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5. TEORIA GERAL DA OFERTA AGREGADA Neste capítulo expõe-se uma teoria macroeconômica super-agregada, baseada na Idéia Fundamental de Marshall e nas noções desenvolvidas por Keynes na elaboração do seu modelo de oferta e demanda agregadas. Defende-se aqui que esta teoria, na qual a inspiração Keynesiana, como não poderia deixar de ser, é a característica dominante, é mais geral do que os livros-texto ensinam. Por isso, o modelo proposto pode, alternativamente, ser visto como uma evolução natural dentro de teoria keynesiana, à qual se associa a noção de gravitação, permitindo assim, por um lado, definir uma situação teórica de equilíbrio e, por outro lado, garantir simultaneamente que esta situação jamais é atingida no mundo real. Contudo, este trabalho pretende não se restringir a ser simplesmente mais uma interpretação competitiva do que “Keynes quis dizer”. Há mesmo a expectativa de que os póskeynesianos poderão recusar-se a reconhecer princípios seus nesta teoria geral. Adota-se o objetivo de LEIJONHUFVUD (1968), que foi movido mais pela intenção de contribuir para a teoria econômica do que de fazer uma “leitura correta” dos ensinamentos de Keynes. A orientação que parece ser a mais adequada no contexto é aquela expressa por GERRARD (1991), para quem “a interpretação da Teoria Geral de Keynes só será relevante para a teoria macroeconômica se e somente se ela puder dar acesso a explicações novas do funcionamento da economia no nível agregado” (pag. 286). No mesmo sentido, KREGEL (1995) sugere que “o desafio não é defender seja as propostas originais de Keynes sejam aquelas que se tornaram “convencionais” em seu nome, mas sim formular políticas que conservem a prioridade política keynesiana do pleno emprego” (pag. 276). O objeto deste capítulo é a teoria geral da oferta e demanda agregadas. No primeiro item sugere-se qual seja o elo de conexão entre os níveis micro e macroeconômico que permite assumir a possibilidade da agregação das curvas de oferta e demanda de produtos e serviços individuais. Em seguida destacam-se os principais aspectos do modelo de oferta e demanda agregadas de Keynes, enfatizando-se assim um conjunto de idéias herdadas por esta teoria geral aqui proposta. Ao final do capítulo apresentam-se alguns comentários a respeito desta influência keynesiana. 5.1. A CONEXÃO MARSHALL x KEYNES Keynes leva a Idéia Fundamental de Marshall - a teoria geral do equilíbrio entre oferta e demanda - para o nível macroeconômico. O canal de comunicação que permite a passagem da micro para a macroeconomia, não registrado por Keynes, pode ser a mobilidade do capital. De fato, no modelo geral de comportamento da oferta que Marshall descreve e denomina de “clássico”, a equação de decisão de produção propõe que os empresários decidem qual será a quantidade produzida do próximo período levando em consideração principalmente o lucro propiciado por esta atividade no passado recente. As duas condições necessárias para que isto ocorra sem restrições são a) que o capital financeiro seja livre para se mover de um setor produtivo a outro, e b) que haja suficiente estoque de capital financeiro para atender às necessidades de todos os setores, necessidades estas que podem ser diferentes a cada setor. O esquema de Marshall pode ser idealizado com os setores produtivos girando ao redor de um “caixa central”. Imagine-se teoricamente que a produção de cada um e de todos os setores tenha ciclos bem definidos. Ao final de cada período de produção os setores tomariam sua decisões sobre o quanto produzir, estabelecendo assim o volume de capital financeiro de que necessitam. A diferença apurada entre a) o capital financeiro então em poder de cada setor, e b) a necessidade fixada para o próximo ciclo, será ou transferida do setor para o caixa central 33

ou do caixa central para o setor. Nestes momentos, alguns setores serão doadores de capital financeiro, enquanto outros serão tomadores. Este caixa central é o mercado financeiro. Nada impede, neste esquema marshalliano, que o volume global de capital financeiro seja “mais do que suficiente” para todos os setores em conjunto. Suponha que existam apenas dois setores na economia , o A e o B, e que o sistema produtivo do primeiro seja tal que ele demande mais capital financeiro do que o outro. Se num certo momento o setor A decidir reduzir sua produção, em favor do aumento da quantidade produzida em B, o setor A poderá estar liberando mais capital do que B necessita. Desta forma, como no modelo clássico de Marshall admite-se que o mercado esteja em equilíbrio na existência de estoques, pelo menos durante um certo intervalo de tempo o caixa central pode apresentar um saldo excedente de capital financeiro. A noção de estoque faz com que um certo saldo excedente de capital financeiro seja compatível com a colocação de Marshall. Para Keynes o capital financeiro também se move de um setor a outro, segundo as direções indicadas pela eficiência marginal do capital realizada ou realizável em cada setor, todas elas comparadas com a taxa de juros. O volume maior de capital financeiro fluirá para os setores que apresentem eficiências marginais do capital maiores, em detrimento dos menos eficientes. Contudo, como a taxa de juros é um elemento balizador, o capital financeiro só fluirá para um setor qualquer se a eficiência marginal do capital neste setor for maior do que a taxa de juros de mercado. Segundo Keynes, “o investimento vai variar até aquele ponto da curva de demanda de investimento em que a eficiência marginal do capital em geral é igual à taxa de juros do mercado” (Teoria Geral, pag. 116) Agregando todos os setores produtivos da economia sob a denominação de “setor real”, pode-se perceber que, numa visão macroeconômica, o capital financeiro move-se do setor real para o financeiro e vice versa. Keynes propõe que, além do estoque de capital financeiro retido pelas empresas pelo motivo transações, há ainda uma demanda especulativa de moeda, associada à expectativa quanto à evolução da taxa de juros no curto prazo. Independente da motivação para se reter moeda fora do setor real da economia, o fato é que esta retenção implica na existência de um certo estoque de moeda especulativa, estoque este que se soma ao estoque de moeda retida pelos motivos transação e precaução, e que pode ser denominado de fundo de reserva, ou fundo keynesiano de reserva. Assim, a mobilidade do capital financeiro entre sub-setores reais produtivos no nível microeconômico se transforma numa mobilidade entre o setor real e o setor financeiro da economia. A mobilidade do capital é a interface entre o setor produtivo e o fundo de reserva, entre os lados real e monetário da economia. A mobilidade do capital é a conexão entre a microeconomia clássica de Marshall e a macroeconomia keynesiana. 5.2. PRINCIPAIS ASPECTOS DO MODELO DE KEYNES Apresenta-se neste item um breve resumo que complementa as proposições de Keynes que são essenciais para a compreensão do seu modelo de oferta e demanda agregadas, buscando-se ao mesmo tempo passar ao largo de interpretações próprias ou de terceiros sobre outras proposições fora deste contexto, e também evitando sugerir quais seriam seus “verdadeiros” objetivos e intenções. Ao lado da oferta agregada, apresentada no capítulo 3, e do fundo keynesiano de reserva, é importante destacar que Keynes dividiu a demanda agregada em duas componentes básicas, o consumo e o investimento, cujas motivações são diferentes. Também neste caso, e pelo mesmo motivo de dificuldade de agregação, Keynes fala de valor e não de quantidade. Assim, o valor consumido é colocado como uma função da renda, enquanto o investimento é uma função da taxa de juros e da eficiência marginal do capital, ou seja, do retorno relativo do 34

capital aplicado num setor produtivo. Um dos aspectos fundamentais do modelo keynesiano é o de que o emprego não pode aumentar a não ser que haja expansão da demanda agregada, através do investimento ou da propensão a consumir. Se o investimento e o consumo “resultam em uma insuficiência da demanda efetiva” (Teoria Geral, pag. 42), então “o sistema econômico pode encontrar um equilíbrio estável com N em um nível inferior ao pleno emprego” (Teoria Geral, pag. 41). É também importante relevar neste contexto os seguintes aspectos do modelo de oferta e demanda agregadas de Keynes: 1) há desemprego no mundo real ou, em outros termos, o pleno emprego não existe. Cumpre à teoria econômica tentar explicar o desemprego e não omitir-se como se faz com a teoria “clássica” ao invocar a lei de Say. O desemprego ocorre mesmo que haja equilíbrio entre a oferta e a demanda agregadas. 2) o custo de uso inclui uma avaliação comparativa do empresário entre utilizar ou não a capacidade de produção instalada. Se ele decidir utilizar, incorrerá num certo custo associado ao desgaste dos equipamentos, mas obterá um certo faturamento. Se decidir não utilizar, estará conservando a capacidade instalada para o futuro, mas sem obter qualquer faturamento agora. Keynes admite, pois, a existência de ociosidade industrial, que se explica pela estimativa do empresário sobre o quanto a demanda é insuficiente para justificar o não-emprego do equipamento produtivo. Há, portanto, um certo estoque de capital fixo excedente e ocioso na economia, mesmo que haja equilíbrio entre a oferta e a demanda agregadas. 3) existe uma demanda de moeda associada a um motivo especulação. Trata-se de uma parte do capital financeiro que não é aplicada na produção, permanecendo no sistema financeiro na forma de um fundo de reserva, denominado de fundo keynesiano de reserva. Este é um capital financeiro que, como qualquer outro estoque na economia, excede as necessidades da produção física do país, e fica ocioso, mesmo que haja equilíbrio entre a oferta e a demanda agregadas. 4) o investimento e, portanto, a produção, são funções da eficiência marginal do capital, ou da capacidade do capital aplicado num certo setor real em gerar um retorno maior do que a taxa de juros do mercado financeiro. Ou seja, o capital será alocado nos vários setores da economia, reais ou financeiro, de acordo com o retorno que a atividade propicia. Esta exposição é compatível com a noção de mobilidade de capital, tanto em nível micro quanto macroeconômico. 5) no modelo de oferta e demanda agregadas de Keynes não se introduz qualquer hipótese ad hoc sobre o nível de equilíbrio que o sistema deveria atingir. Deixadas a si próprios, sem intervenção direta do governo, teoricamente os ofertantes e os demandantes encontrarão um ponto de equilíbrio. Esta seria a “solução de mercado” - uma solução de equilíbrio, mas não de pleno emprego dos fatores. A política econômica pode, através de medidas fiscais, elevar o nível de equilíbrio, eventualmente fazendo-o aproximar-se do pleno emprego. De um ponto de vista formalmente lógico, isto não necessariamente quer dizer que, na opinião de Keynes, o governo deveria sempre interferir na economia criando regras para o funcionamento do mercado, mas sim que a política econômica deveria contribuir para a expansão da demanda agregada. 6) a demanda é o “fato gerador” da economia, noção esta que se opõe à lei de Say ou, segundo alguns, a interpretação que Keynes deu à lei de Say14. Entretanto, esta oposição não necessariamente significa que Keynes possa ser reduzido à proposição de uma lei ao inverso de Say. 14

Um resumo da discussão a este respeito pode ser encontrado em SILVA (1995). 35

5.3. MODELO GERAL DE OFERTA E DEMANDA AGREGADAS Neste item sugere-se um modelo macroeconômico geral, mostrando-se que o enfoque de oferta e demanda agregadas tem amplas possibilidades analíticas e elevada aplicabilidade empírica. Os blocos componentes tanto da oferta quanto da demanda agregadas são aqui tratados de modo resumido, mas é claro que eles constituem temas que justificam estudos muito mais profundos do que as respectivas descrições que são feitas neste trabalho. O que se busca neste item, a respeito destes blocos da análise macroeconômica, é tornar explícitas, a partir de funções de comportamento desagregadas, as variáveis exógenas relevantes, tanto do lado da demanda agregada quanto do lado da oferta agregada. Em cada um destes blocos repete-se o método geral: a) a demanda é uma função do preço do produto ou do fator, e da renda do consumidor ou do lucro prociciado pelo uso do fator, e b) a oferta tem duas equações, uma para o preço de oferta, que é função do custo e do estoque, e outra para a decisão de produção, que depende do lucro e do estoque. Combinando-se as duas equações da oferta obtém-se a curva de oferta de longo prazo de cada bloco. Começando pelas unidades, a medida do preço é o índice geral de preços, enquanto que as quantidades são medidas em unidades físicas. Admite-se que seja possível deflacionar os valores de modo a obter índices de quantidade e também que seja possível construir, à semelhança do PIB real, estimativas de índices de quantum para os bens de consumo, de investimento, de exportação, etc. Dado que um dos objetivos da teoria geral é a análise da formação do preço, todos os valores monetários são medidos em termos nominais. Tanto a teoria quanto o modelo expostos foram elaborados sob a hipótese de que a gravitação das variáveis endógenas tenha sido retirada e que, portanto, o sistema objeto esteja numa situação de equilíbrio teórico. Isto equivale a eliminar o erro de medida presente em todas as variáveis econômicas endógenas. Com isso, os valores a que se refere o modelo não são os valores originais observados, mesmo porque os dados observados são dados de desequilíbrio. A noção de equilíbrio é teórica e o enfoque adotado neste trabalho de forma alguma admite que os valores do mundo real sejam valores de equilíbrio. Os valores que entram no modelo resultam de uma transformação da realidade concreta, que se mostra de forma aleatória e caótica, para um mundo teórico abstrato, no qual existe uma teoria que pode explicar as relações entre eles. 5.3.1. O Lado da Demanda A demanda agregada compõe-se de quatro variáveis: o consumo das famílias, o investimento privado, que inclui a variação de estoques, a exportação e o gasto do governo em bens de consumo e de investimento. Esta última é uma variável autônoma, no sentido de que o governo pode, dentro de certos limites, estabelecer o seu valor sem com isso obrigar-se a alterar seus outros parâmetros de política econômica. As três primeiras variáveis são endógenas, posto que, dados os valores das exógenas, seus valores de equilíbrio teórico resultam do comportamento dos agentes econômicos envolvidos. A Função Consumo Seguindo a noção geral de que a demanda tem como argumentos principais o preço do produto e as variáveis exógenas que deslocam a curva de demanda paralelamente, supõe-se que a quantidade demandada de bens de consumo Cd seja função do preço destes bens, representado pelo índice geral de preços P, e da renda disponível do consumidor, YD: Cd = c ( P, YD ) 36

Considera-se que a variável endógena lucros não distribuídos e que as exógenas depreciação e renda líquida enviada ao exterior, que sempre podem ser incluídas num modelo específico, são argumentos de segunda ordem, podendo ser omitidas sem perda de rigor do modelo geral. Com isso, a renda disponível depende apenas do produto interno bruto e da receita tributária T do governo. Como, por sua vez, T é uma função do nível de atividade medido pelo PIB nominal, ou seja, o produto real Y multiplicado pelo índice geral de preços P, a função consumo pode ser representada por: Cd = c ( P, Y )

(5.1) O Investimento

Os principais argumentos na demanda de bens de investimento Id são os seus preços, medidos pelo índice geral de preços P, e o fator de deslocamento e demanda, representado neste caso pelo lucro R na atividade na qual os bens de investimento serão utilizados: Id = f1 ( P, R ) O lucro é obtido deduzindo-se do preço de venda do produto final o custo médio de produção. Assume-se que, em nível macroeconômico, este custo pode ser representado por uma combinação qualquer dos três principais preços de fatores da economia: a taxa de câmbio, aplicada aos insumos importados, o salário W médio de mercado e a taxa de juros i: R = r (P, TC, W, i )

(5.2)

Substituindo-se na equação da demanda de bens de investimento, esta passa a ser: Id = f1 ( P, TC, W, i )

(5.3)

Admite-se que, como no caso dos gastos do governo, a taxa de câmbio TC seja uma variável autônoma, ou seja, uma variável cujo valor pode ser fixado pelo governo de acordo com seus objetivos de política econômica. Diferentemente, o salário médio na economia W e a taxa de juros i são variáveis endógenas cujos valores de equilíbrio resultam, dados os níveis das exógenas, da interação entre as respectivas ofertas e demandas. Torna-se, pois, necessário analisar cada uma delas em separado para que se possa encontrar o conjunto relevante das variáveis exógenas na equação da demanda de bens de investimento. O Salário Seguindo sempre os princípios da teoria geral da oferta, supõe-se que a oferta de trabalho seja composta de duas equações, uma para o salário “pedido” pelo trabalhador e outra para a quantidade ofertada de trabalho Ns, ambas contendo como variável explicativa o “estoque de mão de obra ociosa”, ou seja, o nível de desemprego U. Adicionando-se a idéia de que o salário mínimo SM15 imponha um limite inferior ao salário de mercado, funcionando assim como uma espécie de custo de (re)produção do trabalho, pode-se expressar o salário de oferta Ws por: Ws = w1 ( SM, U ) 15

Admite-se que, como a taxa de câmbio, o salário mínimo é uma variável autônoma, um instrumento de política econômica. 37

O salário de mercado é medido em termos nominais, admitindo-se por hipótese que os trabalhadores e empresários negociam o salário nominal e não o real. Complementando, a quantidade ofertada de trabalho poderia ser expressa por: Ns = n1 [( W - SM ), U ] onde a diferença (W - SM) mediria uma espécie de lucro do trabalhador em relação ao custo de subsistência indicado pelo salário mínimo. Combinando as duas equações, através do desemprego U, tem-se a expressão macroeconômica da oferta de trabalho: Ns = n ( W, SM ) Esta oferta encontra no mercado de trabalho a demanda Nd que, além do salário W, depende, analogamente à demanda de bens de investimento, do lucro R na atividade produtiva na qual o trabalho será empregado: Nd = n2 ( W, R ) Lembrando a definição de lucro R dada pela expressão (5.2), a demanda de trabalho passa a ser dada por: Nd = n2 ( P, W, TC, i ) Igualando-se oferta e demanda de trabalho obtém-se a equação reduzida do salário, ou seja, a solução de equilíbrio teórico do salário no mercado de trabalho: W = n ( P, SM, TC, i )

(5.4)

Além do preço P, que é parte integrante das curvas de oferta e demanda agregadas, esta função contém ainda uma variável endógena a ser eliminada, a taxa de juros de equilíbrio i, que será deduzida no próximo tópico. A Taxa de Juros A taxa de juros é, segundo Keynes, “a recompensa da renúncia à liquidez” (Teoria Geral, pag. 137) e representa o preço correspondente ao fator capital financeiro. Assume-se que é desnecessário analisar explicitamente a eventual influência, sobre a taxa de juros, do estoque de moeda retida para transações. A oferta de capital financeiro também tem duas componentes, sendo a primeira a taxa de juros is proposta pelo detentor do capital a seus tomadores. Supondo que o capital financeiro não tenha “custo de produção”, a taxa de juros pedida resulta ser função do comportamento do capitalista em relação ao seu estoque de capital. A idéia é a de que, quanto maior o estoque disponível, menor será a taxa de juros que o capitalista poderá propor ao mercado. Este estoque é o fundo keynesiano de reserva FR, associado à demanda especulativa de moeda e formado pela quantidade de moeda que as pessoas estão dispostas a desviar de outras finalidades, como o consumo ou a compra de bens de investimento, para emprestar aos tomadores. Desse modo, a taxa de juros de oferta pode ser expressa por uma função apenas do fundo de reserva: is = s ( FR ) 38

A segunda componente da oferta é a quantidade “produzida” de capital financeiro, isto é, o volume de capital financeiro oferecido no mercado. Desprezando-se o custo de captação, o volume ofertado de capital financeiro pode ser expresso como uma função crescente da taxa de juros de mercado i, e decrescente com relação ao fundo de reserva FR. Contudo, os capitalistas não são os únicos ofertantes neste mercado. Além deles há o governo que, de acordo com seus objetivos de política econômica, pode contrair ou expandir o estoque total de moeda emitindo ou retirando de circulação a quantidade M de moeda primária. Uma parte de M, aquela não retida para transações, será, depois de ampliada pelo multiplicador bancário, oferecida como capital financeiro. Pode-se então imaginar que esta parte do estoque M seja adicionada ao fundo de reserva FR, que teria assim duas componentes, sendo uma endógena e a outra autônoma. Alternativamente, pode-se adicionar uma certa proporção de M ao fluxo ofertado KFs: KFs = k1 ( i, FR ) + k2 ( M ) Combinando então, através do estoque dado pelo fundo de reserva FR, as equações da taxa de juros “pedida” e da decisão do volume a oferecer, obtém-se a curva macroeconômica de oferta de capital financeiro: KFs = k3 ( i, M ) onde M, a oferta-fluxo de moeda promovida pela política monetária, é uma variável cujo nível, assim como a taxa de câmbio e o salário mínimo, pode ser fixado pelo governo, dentro de certos limites mais ou menos amplos. Trata-se, portanto, de uma variável autônoma, um instrumento de política econômica. É claro que, ao usar este instrumento, o governo pode estar fazendo concorrência aos capitalistas, que podem tentar opor-se, de alguma forma mais ou menos organizada. Do lado da demanda, o argumento, além da própria taxa de juros, é o mesmo da demanda de trabalho e de bens de investimento, qual seja, o lucro R na atividade onde o capital financeiro será empregado. Contudo, surge neste ponto um outro demandador de capital financeiro, o governo, cuja motivação para tal nada tem a ver com a realização de lucro numa atividade produtiva. A demanda de capital financeiro do governo tem por finalidade, ou financiar o déficit operacional do governo, ou retirar liquidez do sistema, por razões próprias da política monetária ou da política econômica global. Para isso, o governo pode emitir títulos, trocando-os no mercado por capital financeiro. Tanto quanto a taxa de câmbio, o salário mínimo e a oferta de moeda, a demanda do governo por capital financeiro é uma variável autônoma, um instrumento de política econômica. A influência do governo, que pode ser representada pelo nível da dívida pública B que resulta da colocação de títulos, dar-se-á, pois, através do deslocamento da curva de demanda de capital financeiro. Quanto maior a dívida B mais à direita estará a demanda de capital financeiro e, portanto, maior será a taxa de juros. Do ponto de vista do capitalista, o efeito da política do governo no mercado financeiro incomoda quando ela o faz ofertante, mas é bem vindo quando o transforma em cliente. Isto posto, a demanda de capital financeiro pode ser descrita por: KFd = k4 ( i, R, B )

39

A interação entre a oferta e a demanda levará à taxa de juros de equilíbrio do mercado, representada pela equação reduzida do modelo, que foi obtida igualando-se as quantidades demanda e ofertada: i = k ( R, B, M ) Substituindo-se o lucro R dado pela expressão (5.2), e que é uma variável endógena, a taxa de juros fica reduzida à expressão: i = k ( P, TC, W, B, M )

(5.5)

Substituindo nesta equação o salário mínimo de equilíbrio teórico, que é uma variável exógena ao mercado financeiro, mas endógena ao sistema de oferta e demanda agregadas, a taxa de juros de equilíbrio teórico de mercado fica, finalmente, expressa por: i = k ( P, SM, TC, B, M )

(5.6)

Por sua vez, a taxa de juros i presente na função do salário de equilíbrio (5.4) pode ser substituída por sua solução final dada pela expressão (5.6) acima, de forma a obter-se a equação final do equilíbrio teórico do salário de mercado: W = n ( P, SM, TC, B, M )

(5.7)

Finalmente, substituindo-se agora os níveis de equilíbrio do salário de mercado e da taxa de juros na equação (5.3), a demanda de bens de investimento será expressa por: Id = f1 ( P, SM, TC, B, M )

(5.8)

Estas três últimas expressões são exemplos da teoria geral no sentido de que, na situação teórica de equilíbrio, pode-se ter um modelo reduzido no qual fica claro que cada uma das variáveis endógenas, no caso a taxa de juros, o salário de mercado e a demanda de bens de investimento, são funções parciais dos valores fixados para os instrumentos de política econômica: o salário mínimo, a taxa de câmbio, a dívida pública e a oferta de moeda. A Exportação A demanda de bens de exportação, sejam eles destinados ao investimento ou ao consumo em país estrangeiro, pode ser expressa como uma função do índice geral de preços e, simplificando o conjunto de variáveis que podem deslocar a curva de demanda, a renda YE do país importador. Contudo, a conversão das moeda nos quais ambos os valores são expressos exige a presença da taxa de câmbio TC na função, de modo que a demanda por bens de exportação em nível macroeconômico pode ser representada por: Xd = x ( P, TC, YE )

(5.9)

A função de demanda de bens para exportação é, neste modelo geral, deslocada pela variável exógena renda do importador YE, e pelo nível estabelecido pela política econômica para a variável autônoma taxa de câmbio TC.

40

A Curva de Demanda Agregada A demanda agregada, que corresponde ao lado do crédito na conta produção da Contabilidade Nacional, tem três componentes comportamentais, analisados nos blocos acima: as demandas de bens de consumo (equação 5.1), de investimento (equação 5.8) e de exportação (equação 5.9). A estas demandas soma-se uma outra variável autônoma, um outro instrumento de política econômica: os gastos fiscais do governo G que, neste enfoque, não incluem o pagamento de juros da dívida pública. Ou seja, a demanda agregada Yd é composta de: Yd = Cd + Id + Xd + G Substituindo-se as demandas de bens de consumo, de investimento e de exportação por suas respectivas equações, a demanda agregada será expressa por: Yd = f ( P, Y, SM, TC, B, M, YE ) + G Dado que, na situação teórica de equilíbrio o produto Y é igual à demanda agregada Yd, pode-se transpor e consolidar os termos desta equação para obter-se a expressão final da demanda agregada da economia: Yd = f ( P, SM, TC, G, B, M, YE )

(5.10)

Esta expressão mostra que a curva de demanda agregada pode ser definida como uma relação entre o produto real e o nível geral de preços. Esta relação é uma abstração teórica, construída sob a hipótese de que as variáveis exógenas e autônomas deixaram de variar, que elas estão fixas em certos níveis há um tempo suficiente para que o sistema tenha atingido o seu ponto de equilíbrio. Seguindo o princípio clássico da gravitação, a teoria econômica só consegue explicar uma relação entre duas variáveis endógenas se elas estiverem na situação de equilíbrio. Alternativamente, “valor de equilíbrio” pode assim ser entendido como sendo o “valor intrinsecamente econômico” de uma variável. Se as variáveis endógenas estiverem em desequilíbrio, dificilmente uma teoria poderá explicar as possíveis relações econômicas entre elas, a menos que sejam impostas restrições ad hoc ao comportamento humano. A curva de demanda agregada neste modelo geral é deslocada continuamente pela variável exógena renda do exterior YE e pelas variáveis autônomas que compõem a política econômica: o salário mínimo SM (política de rendas), a taxa de câmbio TC (política cambial), os gastos fiscais G (política fiscal), o nível da dívida pública B e a emissão de moeda M (política monetária). 5.3.2. A Curva de Oferta Agregada A oferta de bens e serviços segue um modelo único, diferentemente da demanda agregada, que é decomposta em bens e serviços de consumo, de investimento e de exportação porque há diferentes argumentos em cada um dos blocos. Em princípio, ao ofertar um certo produto, a empresa não necessariamente estaria interessada na particular destinação dada pelo seu cliente para aquele produto. Em nível macroeconômico, a equação do preço de oferta de um produto ou serviço quaisquer pode ser definida por uma função na qual o índice geral de preços P depende do custo de produção que, retomando a definição de lucro na expressão (5.2), pode ser representado pela taxa de câmbio TC, pelo salário de mercado W e pela taxa de juros i, e depende também dos estoques GAP formados pela acumulação dos excedentes da economia: 41

P = g ( TC, W, i, GAP ) Teoricamente, o GAP pode ser medido pelo estoque de produtos acabados, ou em transformação ou de suas matérias primas, ou pela ociosidade industrial, ou pelo nível geral de desemprego, ou pela ociosidade relativa da mão de obra de serviços especializados, ou pela diferença entre o produto potencial e o produto real, etc, ou ainda por uma composição qualquer de todos estes indicadores. Na prática todos eles devem mostra a mesma relação negativa com os preços dos produtos finais da economia. Por seu turno, a decisão de produzir a quantidade Ys a ser ofertada pode ser expressa como uma função da margem de lucro R e do excedente GAP: Ys = h ( R, GAP ) Combinando-se as equações do preço de oferta e de decisão de produzir através da substituição da variável GAP nesta última expressão, tem-se: Ys = h ( P, R, TC, W, i ) Substituindo então o lucro R definido em (5.2), vem: Ys = h ( P, TC, W, i )

(5.11)

Finalmente, substituindo-se na expressão acima o salário de mercado W (equação 5.7) e a taxa de juros i, (expressão 5.6), posto que são variáveis endógenas do sistema, chega-se à curva de oferta agregada: Ys = h ( P, SM, TC, B, M )

(5.12)

Esta expressão mostra que a curva de oferta agregada pode ser definida como uma relação entre o produto real e o nível geral de preços. Esta relação é uma abstração teórica, deduzida sob a hipótese de que as variáveis exógenas e autônomas deixaram de variar, que elas estão fixas em certos níveis há um tempo suficiente para que o sistema tenha atingido o seu ponto de equilíbrio. Além disso, trata-se de uma construção a partir do comportamento dos produtores no curto prazo, que tomam decisões separadamente sobre preço e produção. Nesta curva de oferta agregada não existe uma relação de causalidade entre o produto real e o nível geral de preços. A curva de oferta agregada neste modelo geral é deslocada continuamente pelas variáveis autônomas que compõem a política econômica: o salário mínimo SM (política de rendas), a taxa de câmbio TC (política cambial), o nível da dívida pública B e a emissão de moeda M (política monetária). É um fato notável que estas mesmas variáveis de política econômica fazem parte também do conjunto de argumentos da curva de demanda agregada. A mesma variável que desloca a oferta agregada desloca simultaneamente a demanda agregada. Um aumento do salário mínimo expande a demanda agregada, porque o salário é renda para o trabalhador, mas causa uma contração na oferta agregada, posto que aumenta o custo de produção das empresas. Uma desvalorização cambial provoca um aumento de demanda agregada, pois cresce a renda do exterior expressa na moeda doméstica, mas retrai a oferta agregada por aumentar o custo dos insumos importados. Por fim, a colocação de títulos da dívida ou a contração da oferta de moeda operam no mesmo sentido: ambas causam, através do aumento da taxa de juros de mercado, uma retração simultânea da oferta e da demanda agregadas. Esta coincidência de variáveis explicativas, compreensível do ponto de vista 42

teórico, introduz algumas limitações quanto à aplicação empírica do modelo geral, mas não chega a ser um impedimento ou uma restrição séria do modelo. 5.3.3. Oferta e Demanda Agregadas Consolidando os resultados anteriores, tem-se um modelo super-agregado, construído sob a hipótese de que o sistema esteja numa posição de equilíbrio de longo prazo. Esta situação é teórica, no sentido de que ela retrata um universo abstrato que a teoria econômica pode explicar. A discrepância entre o modelo e a realidade é dada pelo fenômeno da gravitação, que é aleatório e imprevisível. Esta teoria geral permite que se trate a realidade em permanente desequilíbrio, construindo-se para fins analíticos um modelo teórico que é uma abstração que jamais será observada no mundo real, por mais que o tempo passe. MODELO MACROECONÔMICO SUPER-AGREGADO demanda agregada: Yd = f ( P, SM, TC, G, B, M, YE )

(5.10)

oferta agregada:

(5.12)

Ys = h ( P, SM, TC, B, M )

Este modelo é livre de restrições não lineares. O equilíbrio entre oferta e demanda pode se dar em qualquer nível das variáveis endógenas preço e produto real. Nada foi introduzido ad hoc de forma a poder artificialmente garantir ex post algum valor final previamente escolhido, como por exemplo a máxima utilização da capacidade instalada. Salvo situações extremas e improváveis do conjunto das variáveis exógenas e autônomas, nada assegura a realização da produção potencial. Qualquer que seja a situação atual, ela é uma conseqüência da interação entre oferta e demanda agregadas, dados os valores das variáveis exógenas e autônomas. O sucesso em termos de se obter o melhor resultado econômico possível não depende só da vontade de capitalistas e trabalhadores, mas também, e crucialmente, dos valores dados às variáveis autônomas de política econômica. Neste modelo geral algumas variáveis tipicamente exógenas não foram incluídas ao longo do caminho e, portanto, não aparecem nas equações finais de oferta e demanda agregadas. Não há, por exemplo, uma variável para medir os recursos naturais disponíveis, se bem que sua inclusão seria indispensável caso um ou outro recurso natural fosse limitante da produção. Também não foi incluída a população que, além de em geral não ser um fator restritivo, cresce continuamente. Aliás, a população foi considerada quando da definição da taxa de desemprego. Mas, como o desemprego representa o estoque de mão de obra excedente, ele saiu do bloco do mercado de trabalho. Isto equivale a dizer que, já no bloco do mercado de trabalho pode-se inferir que, neste modelo geral, o equilíbrio pode se dar com qualquer nível de desemprego. Um outro modelo, mais interessado no detalhe, poderia explicitar a população como uma parte autônoma e exógena na equação da quantidade ofertada de trabalho, de modo análogo à introdução da política monetária na oferta de capital financeiro. Com isso, a população apareceria tanto na equação final da demanda agregada quanto na equação da oferta agregada. De qualquer modo, a relevância da população, ou de qualquer outra variável exógena ou autônoma, pode ser testada empiricamente, diretamente nas equações finais de oferta e demanda agregadas. No modelo super-agregado as variáveis endógenas que entram nas diversas equações de comportamento que conduzem à dedução da oferta e demanda agregadas são tomadas pelos 43

seus respectivos valores de equilíbrio, obtidos em seus respectivos modelos reduzidos. Exatamente por isso, estas variáveis foram sendo sucessivamente substituídas pelas variáveis exógenas e autônomas que as explicam. Contudo, os efeitos de todas as variáveis endógenas que não aparecem nas equações finais de oferta e demanda agregadas estão naturalmente embutidos nas inclinações das curvas. Isto significa que o equilíbrio entre oferta e demanda agregadas pode ocorrer com qualquer valor das variáveis endógenas, estejam elas presentes ou omitidas nas equações finais de oferta e demanda agregadas. Em outros termos, as variáveis endógenas são flexíveis, no sentido de que não há uma restrição extra-modelo impedindo que elas assumam qualquer valor previsto pelo modelo. Em particular, pode haver equilíbrio com qualquer nível da taxa de juros, do salário nominal de mercado, do salário real e do emprego. Em outros termos, é de se esperar que a taxa de juros, o salário de mercado e o emprego, posto que flexíveis, variem à medida em que se deslocam as curvas de oferta e demanda agregadas. 5.3.4. Modelo Agregado Reduzido O modelo reduzido é um primeiro estágio de alguns dos métodos econométricos mais simples, sendo útil no campo teórico para mostrar de modo ainda mais direto que os valores de equilíbrio das variáveis endógenas são determinados não só pelos comportamentos dos produtores e dos consumidores, refletidos nos parâmetros do modelo estrutural, mas também, e principalmente, pelos valores assumidos ou impostos às variáveis exógenas e autônomas. MODELO MACROECONÔMICO REDUZIDO preço: P = φ1 ( SM, TC, G, B, M, YE ) produto: Yd = Ys = Y = φ2 ( SM, TC, G, B, M, YE ) O modelo reduzido põe em evidência o fato de que, segundo este modelo geral de oferta e demanda agregadas, o nível de equilíbrio teórico da economia, ao redor do qual a realidade concreta gira aleatoriamente, depende a) do nível da variável exógena YE, que representa a renda do exterior, e b) dos níveis dados às variáveis autônomas. Estas últimas são os instrumentos de política econômica, quais sejam, a política de rendas (salário mínimo SM), a política cambial (taxa de câmbio TC), a política fiscal (gastos fiscais G) e a política monetária (emissão de moeda M e emissão acumulada de dívida líquida B). Cada um destes instrumentos não apresenta, é claro, uma independência total, seja em relação aos outros, seja em relação às variáveis endógenas. Todavia, trata-se de variáveis que são passíveis de serem utilizadas, como de fato o são, como instrumentos de política econômica porque o governo pode, dentro de certos limites delineados por esta independência, fixar-lhes valores de acordo com seus objetivos políticos. A inclusão a seu tempo de todos estes instrumentos, o que os levou a estarem presentes nas equações de oferta e demanda agregadas, permite uma análise individual dos efeitos de cada um deles. Existem formas alternativas de se representar um modelo reduzido. Em particular, neste estão presentes todos os instrumentos de política econômica e mais a exógena renda do exterior como explicativas de todas as variáveis endógenas do modelo estrutural. Neste modelo fica claro que todas e cada uma das exógenas e autônomas influem na determinação do valor de todas as endógenas. Não há, pois, política econômica “localizada”, no sentido de que uma certa medida, materializada através de um certo instrumento, possa influir numa só ou num conjunto restrito de variáveis endógenas. Por exemplo, uma contração do gasto fiscal G 44

provoca uma queda tanto no nível geral de preços quanto na produção, no emprego, no salário de mercado, etc. Isto acontece apesar de que nem todas as variáveis autônomas são argumentos na oferta e demanda agregadas simultaneamente. Por exemplo, o gasto fiscal G influi no produto de equilíbrio via demanda agregada, posto que o gasto G não é uma variável explicativa do comportamento da oferta agregada. Este modelo reduzido atende à condição necessária de que todos os instrumentos relevantes estejam presentes na mesma equação para se poder assegurar a aplicação da cláusula ceteris paribus. Neste modelo reduzido, que mostra o efeito total de uma variável autônoma sobre cada uma das endógenas, pode-se simular o efeito de uma determinada proposta de política econômica, bastando para isso variar os valores das variáveis instrumentais envolvidas enquanto se mantém as demais constantes. Outro ponto importante a ressaltar é a dinâmica ao longo do tempo. O modelo reduzido evidencia que o nível da variável endógena (o preço por exemplo), depende do nível da variável autônoma (a emissão de moeda, por exemplo). Isto significa que a endógena só pode variar se a autônoma variar antes. Só haverá inflação se houver uma variação permanente de uma ou algumas variáveis autônomas. Esta teoria é geral, de modo que casos especiais podem ser por ela explicados. Por exemplo, o modelo não impede que a curva de oferta agregada seja vertical como apregoado pelos novos-clássicos, e nem horizontal como os pós-keynesianos defendem. As hipóteses de que a economia esteja nestas situações extremas podem ser testadas segundo os princípios estatísticos. Caso a oferta agregada seja horizontal, o deslocamento da demanda agregada sobre ela não terá influência sobre os preços. Dado que a única variável autônoma que desloca a demanda agregada sem ao mesmo tempo deslocar a oferta agregada é o gasto fiscal G do governo, para que a hipótese nula horizontalista não fosse rejeitada bastaria que a estimativa do coeficiente de G na equação reduzida do preço fosse estatisticamente nula. A seu turno, para que a hipótese verticalista prevalecesse, seria necessário e suficiente que o valor da derivada da produção em relação aos gastos fiscais G, estimado através da equação reduzida do produto, fosse estatisticamente nulo. Considerando que a teoria geral permite que estas duas hipóteses seja testadas empiricamente, parece não ser indispensável adotar qualquer uma delas a priori na análise macroeconômica. Em resumo, esta teoria geral descreve um comportamento de mercado livre, no qual o exterior e, principalmente, a política econômica do governo, estabelecem os níveis exógenos, aqueles que não podem ser alterados pelos produtores e consumidores privados. Dados estes níveis exógenos, a interação entre ofertantes e demandantes determinará o ponto de equilíbrio teórico do sistema. Em outros termos, o ponto de equilíbrio depende do comportamento dos agentes econômicos, comportamento este que é estável e descritível pela teoria econômica e, portanto, previsível. Acima de tudo, neste modelo geral o ponto de equilíbrio teórico, em especial o nível de emprego teórico ao redor do qual o mundo real gravita, depende dos valores das variáveis autônomas estabelecidos pelo governo. O governo dá os parâmetros; o resto da economia adapta-se a eles. Estes parâmetros não são necessariamente estáveis e, por definição, estão fora do alcance do poder explicativo de qualquer teoria econômica. Não cabe à teoria econômica explicar as variáveis autônomas de política, mas sim conhecer e dar conhecimento de suas conseqüências para a sociedade. Para tanto, é importante que a teoria econômica não admita ad hoc valores especiais das variáveis autônomas nem condições particulares de comportamento dos agentes econômicos. 5.4. HERANÇA KEYNESIANA 45

Um dos problemas metodológicos que preocupava Keynes era a demonstração de que o fato de haver equilíbrio entre oferta e demanda não significa que há pleno emprego. Apesar da insistência de Keynes, pode-se encontrar freqüentemente a noção de que “equilíbrio” é sinônimo de “pleno emprego” ou de alguma espécie de “justiça”. Espera-se que o modelo geral de oferta seja uma contribuição convincente também neste sentido. Neste modelo geral as decisões de preço e de produção são funções do estoque existente do produto ou do fator analisado. Com isso, para demonstrar a existência de estoque, ou da ociosidade industrial implícita no custo de uso, ou do fundo de reserva, ou do desemprego, é necessário e suficiente comprovar a significância estatística destas variáveis na formação do preço e na determinação do volume de produção. Isto feito, fica evidenciado que o sistema de oferta e demanda pode se equilibrar com qualquer nível dos estoques, o que implica que oferta e demanda agregadas podem estar em equilíbrio com qualquer nível de desemprego. O modelo de oferta e demanda é uma construção abstrata sob a hipótese de que as variáveis exógenas estão “sob controle”, isto é, constantes durante um período de tempo suficiente para que o sistema encontre sua situação de repouso. Esta hipótese é meramente teórica, pois nenhuma teoria pode, por definição, imaginar que pode controlar aquilo que lhe é exógeno. Por isso, as “condições históricas” exigidas por uma corrente de pós-keynesianos como relevantes para explicar as variações do mark-up, são procedentes. De fato, elas estão embutidas nas variáveis autônomas do modelo. A autonomia destas variáveis significa que seus valores são estabelecidos pelo poder político, pelas “instituições” da sociedade. O modelo geral de oferta e demanda agregadas não é um “mecanismo equilibrador”, no sentido que alguns críticos da teoria neoclássica conferem ao termo. Não importa o tempo que passe, oferta e demanda agregadas jamais conduzirão a sociedade a um estado socialmente “justo”. Como diria Keynes, aproximar-se ou não deste estado depende das variáveis autônomas do modelo, depende da política econômica em vigor. Um outro problema metodológico na Teoria Geral de Keynes residia na compreensão de como é que se pode ter uma curva de oferta agregada estável se outras variáveis, em especial o salário, estão variando. Em outros termos, a questão é saber se é ou não necessário adotar a hipótese de que o salário, nominal ou real, seja constante para se poder derivar a curva de oferta agregada. A colocação de Keynes, no sentido de que tal hipótese é dispensável, parece não ter sido suficientemente compreendida. Segundo ele, “o fato de os salários nominais e de outros aspectos estarem ou não sujeitos a variação em nada altera a natureza do raciocínio” (pag. 39). De fato, o modelo geral de oferta e demanda agregadas proposto mostra que todas as variáveis endógenas, exceto o preço e a produção, podem e devem estar omitidas, pois o que realmente interessa é a relação total entre preço e produção, a derivada total de uma em relação à outra. Mesmo estando omitida a variável, o efeito do salário, no caso tanto faz se o nominal ou o real, estará embutido naquela derivada. Mais ainda, em se tratando de uma variável endógena, não faz sentido aplicar-lhe a cláusula ceteris paribus. Nenhuma variável endógena pode ficar constante enquanto pelo menos uma variável autônoma varia.

5.4.1. Pleno Emprego versus Oferta Vertical Tanto na teoria “clássica” criticada por Keynes quanto na moderna teoria novo-clássica exposta nos livros-texto, a curva de oferta de trabalho é, na verdade, definida como sendo vertical, a longo prazo. A razão alegada seria a noção de que todo trabalhador reduz seu salário pedido até o ponto onde encontra emprego. Todavia, nestas teorias, a curto prazo o mercado de trabalho é “normal”, ou seja, a curva de oferta é ascendente enquanto a curva de demanda de 46

mão de obra é negativamente inclinada em relação ao salário, que é conceituado em termos reais. Os problemas destas teorias são muitos. Um deles é o de supor que a interação entre a oferta e demanda de trabalho conduzem ao pleno emprego, admitindo-se ao mesmo tempo que pode haver uma queda da demanda de trabalho, provocada por exemplo por uma política monetária restritiva. Neste caso, o nível de emprego cai e se reconhece que, apesar de ainda existir equilíbrio entre oferta e demanda de trabalho, não se está mais no nível “pleno”. Para voltar ao pleno emprego a teoria novoclássica introduz o argumento acima, no sentido de que cabe ao trabalhador despedido a iniciativa de reduzir seu salário até achar um novo emprego. Baixar o salário pedido no caso significa que esta teoria espera que a oferta de trabalho aumente, ou seja, que a curva de oferta de trabalho se desloque para a direita. Se isto acontecesse, o pleno emprego seria restaurado a um salário mais baixo. O pleno emprego só não seria recuperado se os salários fossem rígidos. Ora, isto teoricamente não corresponde de fato a uma curva de oferta de trabalho ascendente, mas sim a uma curva de oferta vertical, pois o nível de emprego seria sempre o mesmo - o máximo - enquanto o salário variaria. Keynes observou que a teoria clássica “tem o costume de basear numa pretensa fluidez dos salários nominais a suposta aptidão do sistema econômico para se ajustar por si mesmo; e, quando há rigidez, de atribuir a ela a responsabilidade pelos desajustamentos” (Teoria Geral, pag. 201). Keynes critica sob vários ângulos esta proposição clássica para o mercado de trabalho, mesmo porque a essência da sua Teoria Geral está no trabalho. Partilhando da crítica keynesiana, a situação extrema proposta pela teoria novo-clássica pode ser explicada pela teoria geral aqui exposta. Para tanto, admita-se, para efeito de análise, a hipótese de que a oferta de trabalho a longo prazo seja plenamente vertical. Com isso, o salário, que já é flexível no modelo geral, seria ainda mais flexível, posto que determinado apenas pela posição da demanda de trabalho. O objetivo deste exercício é o de testar a hipótese de que o pleno emprego seja sinônimo de curva de oferta vertical. Suponha-se então que a curva de oferta de trabalho de longo prazo Ns seja representada por uma restrição do tipo: Ns = N* onde N* seria o nível de pleno emprego ou de emprego natural da teoria novo-clássica. Recordando, a demanda de trabalho foi definida por: Nd = n2 ( P, W, TC, i ) Combinando-se oferta e demanda de trabalho obtém-se a equação reduzida do salário, ou seja, o salário de equilíbrio deste sistema com restrição no comportamento da oferta de mão de obra: W = n ( N*, P, TC, i )

(5.13)

Substituindo-se a taxa de juros de equilíbrio dada pela expressão (5.5), quando então o salário não havia ainda sido trocado pela sua expressão de equilíbrio, e rearranjando os termos, o salário de equilíbrio deste modelo restrito seria dado por: W = n ( N*, P, TC, B, M ) Com isso, a própria taxa de juros de equilíbrio teria que ser redefinida, e seria expressa por: 47

i = k ( N*, P, TC, B, M ) Substituindo-se agora o salário e a taxa de juros de equilíbrio na equação (5.11), a oferta agregada neste modelo restrito seria: Ys = h ( P, TC, B, M, N* ) Apesar de se restringir o modelo, impondo a hipótese de que a oferta de trabalho seja vertical ao nível de pleno emprego, assim obrigando as empresas a contratarem todos os trabalhadores, a curva de oferta agregada continuaria sendo ascendente, pois a produção permaneceria sendo função do preço. Como no modelo geral, a produção só seria a máxima se houvesse demanda agregada suficiente para tal, e é só a partir deste ponto que a oferta agregada seria vertical. Em condições normais, é de se esperar que a demanda agregada continue cortando a oferta agregada no trecho onde esta é ascendente. Neste caso extremo proposto pela teoria novo-clássica, o pleno emprego estaria garantido mas, mesmo que o salário seja totalmente flexível e determinado unicamente pelos empresários, não se pode garantir que será utilizada ao máximo a capacidade instalada de produção. Isto significa que, mesmo que a oferta de trabalho seja vertical, não se pode assegurar que a curva de oferta agregada seja vertical. A teoria novo-clássica limita-se a supor que a quantidade produzida seja dada pela função de produção, assumindo a hipótese de que “no curto prazo o capital é dado”. Adicionalmente, postula-se que, se houver flexibilidade de salário, os trabalhadores aceitarão qualquer salário, de forma que seria mantido o emprego global sempre no nível máximo. Assim, com capital e trabalho dados, a produção seria fixa ao nível correspondente ao pleno emprego, salvo variações aleatórias de curto prazo ao redor da posição de equilíbrio de longo prazo. Ocorre, contudo, que o fato de dizer que o capital é dado não significa que ele será todo utilizado. Para que todo o capital disponível fosse empregado, a teoria novo-clássica teria que adotar o mesmo procedimento aplicado ao mercado de trabalho, qual seja, postular que a curva de oferta de capital é vertical a longo prazo. Assim como se admite nesta teoria que o pleno emprego só fica garantido quando o trabalhador aceita reduzir seu salário, o pleno emprego do capital só pode ser assegurado se o capitalista aceitar reduzir sua remuneração. Neste caso a taxa de juros seria imposta pela demanda, ou seja, pelos tomadores de capital financeiro. Mais ainda, não existiria fundo especulativo de reserva e os demandantes seriam apenas as empresas necessitadas de capital financeiro para financiar o próximo ciclo de produção. Esta seria uma hipótese ousada. Como nem a teoria novo-clássica aventurar-se-ia a sugerir a verticalidade da oferta de capital, muito menos a do capital financeiro, resta verificar como fica o salário quando o mercado de capital é normal mas a oferta de trabalho é vertical. Nestas condições, o salário de equilíbrio de mercado seria dado pela expressão (5.13) acima, que mostra que ele seria uma função do nível de pleno emprego N*, e de um conjunto de variáveis exógenas que são características do mercado de trabalho: o índice geral de preços P, a taxa de câmbio TC e a taxa de juros i. Este conjunto de variáveis define a margem de lucro das empresas, excluído daí o próprio salário. Assim, se aumentar N*, devido por exemplo a um crescimento da população, o salário cairá. Por outro lado, se o lucro baixar, por exemplo em conseqüência de uma queda da demanda agregada provocada por uma emissão de títulos da dívida pública, o salário será reduzido. Como esta emissão de títulos aumenta a taxa de juros, pode-se dizer que, neste caso, 48

a redução do salário será uma compensação à queda do lucro das empresas, queda esta que teria sido provocada pelo aumento do custo das empresas causado pela elevação do gasto com juros. A flexibilidade do salário não garante que a curva de oferta agregada seja vertical, mas pode permitir uma transferência para o trabalhador de uma parte ainda maior do prejuízo causado às empresas - via queda do lucro - de uma recessão econômica provocada por uma política monetária restritiva. Salário flexível, como se admite na teoria geral, significa transferir ao mercado de trabalho, na forma de menores salários e desemprego, os efeitos negativos de uma insuficiência da demanda agregada. Oferta vertical de trabalho significa maximizar esta transferência. Em resumo, nem mesmo a flexibilidade do salário, nos moldes em que é exigida pela teoria novo-clássica, pode assegurar que a curva de oferta agregada seja vertical. A teoria novo-clássica parece ter como objetivo principal construir um modelo que sirva “na medida certa” para defender a primazia da política monetária sobre a fiscal, o que seria compatível com a lei de Say. Esta lei - cujo enunciado é “a oferta cria sua própria demanda” - é uma noção extremamente reducionista da teoria econômica. Ela fica ainda menos realista quando se observa que, segundo a teoria geral, os capitalistas, agindo como qualquer outro ofertante na economia, retêm um certo estoque de moeda, ofertando um volume de capital financeiro menor do que o total disponível. Mesmo na hipótese de que a lei de Say fosse relevante, ela ainda seria capciosa, pois o ofertante pode ofertar apenas parte de sua disponibilidade para venda. Para que a lei de Say fosse válida, seria necessário que todos - e não apenas os trabalhadores - oferecessem sempre todo o estoque de seus produtos e aceitassem por ele o preço que a demanda quisesse pagar. Só neste caso a oferta agregada seria vertical e só neste caso seriam teoricamente procedentes os princípios básicos que hoje, como ontem, concedem prioridade à política monetária dentro da política econômica. 5.4.2. A Teoria Quantitativa da Moeda Por fim, uma das etapas cuja ultrapassagem Keynes considerou necessárias foi a análise crítica e rejeição da teoria quantitativa da moeda. A respeito, formaliza-se neste tópico uma contribuição à critica desta teoria baseada no modelo geral de oferta e demanda agregadas. Como este modelo geral mostra, todas as variáveis endógenas dependem de todas as exógenas e autônomas, de forma que as variáveis endógenas “combinadas” também são função deste conjunto de variáveis exógenas e autônomas. Um exemplo disto é o salário real, que é uma combinação das endógenas salário nominal e nível geral de preços. Assim, o PIB nominal, obtido pela multiplicação do produto real Y pelo índice geral de preços P, também pode ser escrito como função do conjunto de explicativas do modelo reduzido: PIB = P x Y = φ3 ( SM, TC, G, B, M, YE ) Fazendo variar a emissão de moeda M, e mantendo constantes as demais variáveis autônomas e a exógena, obtém-se a expressão: PxY=VxM onde V seria uma combinação das variáveis mantidas constantes: __ __ _ _ __ __ V = θ ( SM, TC, G, B, M, YE )

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Seguindo esta teoria geral, pode-se derivar uma equação que é correspondente à teoria quantitativa da moeda. Em outros termos, a teoria quantitativa da moeda pode ser vista como uma relação entre o PIB nominal e a oferta de moeda, ceteris paribus o resto da política econômica e a renda do exterior. Se, como a teoria “novo-monetarista” parece pretender, os outros instrumentos de política fossem engessados ou prescritos, a velocidade de circulação da moeda seria praticamente constante, posto que espera-se que em geral o efeito da renda exterior sobre a economia nacional seja estatisticamente não significante. Congelando-se o restante da política econômica, a teoria relevante seria a teoria quantitativa, e a política monetária seria a única política disponível para cumprir a conflitante tarefa de controlar a inflação e fazer o país crescer. Dito de outro modo, para defender a primazia da política monetária é necessário engessar todo o resto da política econômica.

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6. ASPECTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo analisam-se dois aspectos que condicionam o método utilizado na parte empírica. O primeiro deles refere-se à gravitação, já introduzida anteriormente. O problema básico de dá importância ao tema gravitação é a discrepância dos dados do mundo real - os dados coletados para análise estatística - com relação aos seus valores econômicos intrínsecos, ou valores de equilíbrio. Os valores observados gravitam em torno dos valores de equilíbrio, sendo estes os únicos que a teoria pode explicar. Por definição, a teoria explica valores de equilíbrio, a menos que “equilíbrio” seja associado a um estado “desejável” ou “justo”, imposto ad hoc por quem tenha poder para fazê-lo. A teoria não pode explicar valores em desequilíbrio pois, se o conseguisse, ficaria então criada uma nova teoria - aquela que explica porque a teoria antiga não funcionava - e os dados do mundo real, por serem então explicados, deixariam de estar em desequilíbrio. Estes dados poderiam estar afastados do “justo”, mas estariam equilibrados. Em segundo lugar, considerando que oferta e demanda determinam, simultaneamente e em conjunto, os níveis das duas mais importantes variáveis econômicas endógenas, o preço e a produção, faz-se aqui uma digressão aprofundada das condições e conseqüências dos modelos de equações simultâneas. Especial ênfase é dada à noção e utilização da cláusula “ceteris paribus”, posto que tem-se observado na literatura econômica uma certa desatenção quanto à sua aplicação, o que tem levado a algumas situações de perplexidade em relação às conclusões então obtidas. Em seguida comentam-se duas seqüelas destas duas questões: a noção de expectativa racional e a curva de Phillips. Tenta-se resgatar o conceito de expectativa racional, que foi banido do universo keynesiano. Argumenta-se que o problema não está na idéia em si, mas no mau uso que os novos-clássicos fazem dela. Além disso, ao admitir que as decisões de hoje dos empresários estão baseadas nos seus resultados anteriores, a teoria geral embute automaticamente a noção de expectativa racional no comportamento dos agentes, assim dispensando tanto a sua introdução direta quanto a discussão de como ela é formada. Mostra-se aqui que a curva de Phillips apresentada por Phillips não é a mesma que está nos livros-texto. Os pósteros não souberam reproduzir o experimento de Phillips, tendo negligenciado a necessidade teórica e empírica de se colocar o custo de produção, ou de sobrevivência, sob a condição ceteris paribus. Aliás, é curioso observar que a curva de Phillips, plena de histórias de fracasso nas tentativas de estimação empírica, tenha sido transformada num instrumento de uso tão difundido no nível teórico. Por fim, adicionam-se comentários sobre alguns cuidados metodológicos específicos do ambiente macroeconômico, onde desponta a presença das variáveis autônomas simultaneamente do lado da demanda agregada e da oferta agregada. 6.1. GRAVITAÇÃO E MÉTODO ECONOMÉTRICO As transações comerciais reais são realizadas no período do mercado diário, quando então são observados e coletados os dados para fins estatísticos e de análise. A noção de curto prazo está aqui associada a estes valores observados, defendendo-se a idéia de que estes valores estão sempre em desequilíbrio, posto que no período de mercado não há equilíbrio entre oferta e demanda. Uma condição necessária para o equilíbrio é a ausência de choques exógenos. Considerando, porém, que nenhum sistema pode, por definição, controlar suas variáveis exógenas, esta condição é antes de tudo uma hipótese, o que deve ser entendido como significando que o equilíbrio é uma circunstância teórica. O equilíbrio só seria atingido se as variáveis exógenas parassem de variar, mas isto na prática não acontece. Esta situação 51

pode ser construída laboratorialmente, dispensando-se assim a necessidade de, como se faz na teoria novo-clássica, apelar para a hipótese pouco realista de que os dados do mundo real estão sempre em equilíbrio. De qualquer sorte, o equilíbrio não é observado na prática, ele é uma abstração da realidade. O objetivo deste tópico é o de apresentar um método que permite obter os valores de equilíbrio através do cálculo teórico, a partir dos dados da realidade concreta observada. Neste método, o tempo não é uma variável explicativa, como acontece com as séries temporais. Não importa quanto tempo passe, o equilíbrio jamais será atingido. O método das séries temporais também parte da idéia de que a condição necessária para o equilíbrio é a que não haja choques exógenos e também não exige que o valor de equilíbrio corresponda a um particular nível das variáveis endógenas, definido ad hoc, como por exemplo o pleno emprego. Tome-se, para ilustrar, a equação auto-regressiva e de defasagens distribuídas sugerida por WICKENS & BREUSCH (1988) para descrever uma série temporal:

yt = Σ α i yt-i + Σ βi xt-i + et onde y é a variável endógena, x representa o conjunto de das variáveis exógenas e e é um ruído branco. Esta é uma equação de diferenças finitas numa forma especial que permite o cálculo do parâmetro θ, que eles definiram como multiplicador de longo prazo: θ = [Σ Σ βi ] / [ 1 - Σ α i ] O símbolo θ é portanto o parâmetro da solução particular, de equilíbrio, da equação acima, solução esta que poderia ter sido escrita da seguinte forma:

yt = θ xt onde o asterisco refere-se a valor de equilíbrio. No contexto, o enfoque da cointegração propõe que, dadas as séries yt e xt, integradas de ordem 1, se existir um parâmetro A tal que z, dado por:

zt = x t - A y t seja integrada de ordem zero, então:

xt = A yt será definida como uma relação de equilíbrio, e z será o erro de equilíbrio (GRANGER, 1986, pag. 215). Correndo o risco de repetir o óbvio, observa-se que, em equilíbrio, as variáveis endógenas são explicadas pelo conjunto de variáveis exógenas “reais”. Não há nas equações de equilíbrio acima um componente “tempo”, nem explícita e nem implicitamente. Em ambos enfoques nenhum esforço é feito para assegurar que o equilíbrio só seria atingido quando o sistema assumisse um certo valor especial como o pleno emprego por exemplo. Mais importante ainda, deve ser lembrado que, além de necessária, a condição de imobilidade é também uma condição suficiente para o equilíbrio. Em termos matemáticos, isto significa que o equilíbrio não coincide com um valor especial qualquer. Independente do nível atingido, se um sistema está imóvel ele está em equilíbrio e vice versa.

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O problema metodológico está então na necessidade de se encontrar os valores de equilíbrio teóricos das variáveis endógenas para, em seguida, estimar as relações teóricas entre elas. A diferença entre os valores observados e de equilíbrio é o fenômeno da gravitação, sobre o qual BOGGIO (1987) observa que “parece ser necessário muito trabalho neste campo. Sua importância deriva não apenas da questão da gravitação apenas, mas também de outros aspectos gerais da teoria econômica” (pag. 393). A discussão que se segue, e o método econométrico sugerido mais à frente, nada têm a ver com a análise das séries temporais, apesar de algumas aparentes semelhanças. Como se demonstra em LIMA (1992b), as séries temporais associam um certo poder explicativo ao tempo, hipótese esta que o método aqui proposto busca evitar. 6.1.1. A Noção de Gravitação Na teoria geral proposta o produtor aprende as lições das suas experiências passadas e toma decisões atuais de acordo com elas. As decisões de ontem implicam em certos resultados em termos de lucro e estoque não vendido hoje, e estes resultados são levados em conta nas decisões de hoje que, por sua vez, terão conseqüências sobre os resultados de amanhã, e assim sucessivamente. De modo bastante genérico, considere-se um sistema com n equações identificáveis para explicar n variáveis endógenas, na qual pelo menos uma delas pode representar parte da história passada do sistema. Um equação geral válida para qualquer equação do respectivo modelo estrutural poderia ser:

yt = f ( zt-1, xt ) onde y é a variável endógena dependente, z é uma variável endógena explicativa defasada e x representa “outras” variáveis. A variável defasada z pode provisoriamente ser vista como exógena e, por isso, será incluída como explicativa em todas as equações do modelo reduzido. Isto significa que todas as variáveis endógenas do sistema serão funções de, entre outras variáveis, zt-1. Conseqüentemente, a própria variável endógena z é uma função dela mesma, defasada:

zt = f ( zt-1, xt ) Esta é uma equação de diferenças finitas que, independentemente do grau de complexidade envolvida, tem duas soluções. A solução particular pode ser associada à solução de equilíbrio estático, enquanto a solução complementar seria a descrição da dinâmica do movimento em direção ao equilíbrio. Finalmente, considerando que todas as outras variáveis endógenas, com o mostra o modelo reduzido, são funções de z, todas elas podem ser expressas da mesma forma. Este raciocínio implica em que a condição suficiente para introduzir dinâmica num modelo é a de que uma variável seja parcialmente explicada por outra variável endógena, defasada. Do ponto de vista teórico, a convergência em direção ao equilíbrio pode ocorrer ou não. Contudo, para que um certo mercado de oferta e demanda exista no mundo real, é necessário que a convergência tenha sido, de alguma forma que não será objeto de estudo aqui, garantida. A preocupação maior neste capítulo é com a idéia de gravitação, peça chave na metodologia da análise empírica. Considere que, num dado momento inicial, um certo sistema de oferta e demanda está em equilíbrio e que ocorre então uma variação “de uma vez para sempre” no nível de uma das variáveis exógenas. Uma primeira solução geral para o sistema, em reação a este choque exógeno, pode ser descrita pela equação: 53

yt = y*t + [ y*t - y*o ] f ( α, t ) onde yt é o valor presente da variável endógena, y*t é o valor de equilíbrio determinado pelo atual nível das variáveis exógenas, em direção do qual tende a ir o sistema, y*0 é o valor de equilíbrio anterior, o ponto de partida do atual movimento dinâmico, e α é um parâmetro composto dos coeficientes do modelo estrutural. Esta expressão matemática geral significa que, num momento qualquer no tempo, uma variável endógena deste modelo estrutural defasado tem dois componentes: o valor de equilíbrio e a tendência, representada pelo segundo termo à direita. Após um choque exógeno único, para que a convergência em direção ao equilíbrio prevaleça é necessário que o valor de α seja tal que, após um intervalo de tempo suficiente, a tendência desapareça, que o segundo termo acima se anule. Após este intervalo, o sistema estaria numa situação de equilíbrio. Este intervalo de tempo é uma variável exógena porque ele depende, por exemplo, das características físicas da produção e do comportamento dos empresários nos seus processos decisórios. Admita-se agora que há um segundo choque, e depois um terceiro, um quarto, etc. Para se fazer uma idéia visual do fenômeno, fica mais fácil supor que cada choque só acontece depois que o efeito do anterior tenha desaparecido. Neste caso, a expressão acima continuaria sendo capaz de explicar os movimentos e os novos valores de equilíbrio que se sucederiam. Estes pontos de equilíbrio mover-se-iam para cima e para baixo, enquanto a diferença entre eles e os valores observados a curto prazo aumentaria e diminuiria, às vezes assumindo valores positivos e às vezes negativos, de tal sorte que, se os choques são aleatórios, a série destas diferenças também o será. Contudo, se o novo choque for dado antes que o sistema atinja seu novo ponto de equilíbrio, então o movimento em curso será abortado e o sistema iniciará uma outra trajetória, ou seja, a trajetória atual será retificada, agora a partir de uma situação qualquer e não de um ponto de equilíbrio. A componente de tendência não será mais uma função simples como aquela expressa acima, mas o resultado de pelo menos duas forças: a inércia do movimento atual e a atração exercida pelo novo ponto de equilíbrio. Resumindo, é de se esperar que, após uma série de tais choques exógenos sucessivos, a trajetória em direção ao equilíbrio seja continuamente perturbada, tornando-se errática e imprevisível. O valor atual observado terá sempre duas componentes, o nível de equilíbrio e a tendência, mas esta tendência passaria a ser uma composição qualquer de uma série indefinida de movimentos parcialmente abortados, e não necessariamente em seqüência, porque alguns mais recentes deles podem ter seus efeitos zerados enquanto outros, mais antigos mas mais intensos, podem ainda ser relevantes. Assumindo que, teoricamente, os choques podem ser numerosos, e independentemente e identicamente distribuídos, pode-se esperar que a componente de tendência seja um ruído, ou um ruído branco para efeitos de estimação. Define-se gravitação como sendo o processo pelo qual os valores observados de uma variável endógena são permanentemente mantidos afastados de seus valores de equilíbrio. A gravitação pode ser medida pela diferença entre o valor presente de mercado e o valor de equilíbrio teórico determinado pelo nível atual das variáveis exógenas, a cada momento do tempo: G(y)t = yt - y*t Espera-se que a gravitação seja uma variável aleatória normal, independente e identicamente distribuída com média zero e variância constante, isto é um ruído branco. 54

Qualquer comportamento sistemático da gravitação seria explicado pela ausência de alguma variável exógena no modelo respectivo. Esta observação é um corolário da constatação de que a ausência de uma variável explicativa leva à existência de autocorrelação, isto é, a um comportamento matematicamente descritível, dos resíduos de uma regressão. Se o método econométrico utilizado eliminar a gravitação, não mais será necessário utilizar-se das séries temporais. Outro aspecto interessante associado à gravitação é o das expectativas racionais. Transpondo os termos na definição acima tem-se:

yt = y*t + G(y)t Aplicando-se o operador esperança matemática nesta expressão, o resultado é que o valor esperado de uma variável endógena é o mesmo que seu valor de equilíbrio teórico, e a condição necessária e suficiente para isto é que a gravitação seja um ruído branco. A propósito, MUTH (1961) observa que “o valor esperado iguala-se ao valor de equilíbrio” (pag. 318). A gravitação parece ser a justificativa de ROBINSON (1960) ao postular que “a vida econômica está continuamente cambaleando de uma posição de equilíbrio a outra”. As variáveis econômicas parecem estar flutuando a esmo mas, uma vez que a gravitação tenha sido eliminada, surgirão os valores de equilíbrio teórico, pondo uma certa ordem no aparente caos que caracteriza o mundo real. A gravitação também associa as noções de prazo em economia: ela faz a conexão entre o valor observado, que é de curto prazo, ao valor de equilíbrio esperado no longo prazo. Espera-se que, em condições normais, o valor observado de toda variável endógena carregue uma componente de erro de medida, aleatório e imprevisível, em relação ao valor teoricamente explicável, de forma que a estimação de uma relação direta contendo duas variáveis endógenas pode apresentar problemas econométricos indesejáveis e incontornáveis. O mesmo pode se dar se a gravitação for alternativamente vista como uma variável exógena omitida no modelo. O método econométrico deve procurar evitar os efeitos negativos destes problemas potenciais. 6.1.2. O Método Econométrico Considerando que o modelo de oferta e demanda é, por natureza, um modelo de equações simultâneas, os métodos mais simples para se estimá-lo seriam o dos mínimos quadrados indiretos e o de dois estágios. Em ambos exige-se uma primeira etapa onde se estima um modelo reduzido. Nas equações reduzidas, seria adequado aplicar-se o modelo das exógenas defasadas, refletindo o fato de que a gravitação faz com que o valor atual de uma variável endógena seja “visto como uma resultante da soma dos efeitos de valores passados e presentes” (JOHNSTON, 1986, pag. 344) das variáveis exógenas. A idéia das exógenas defasadas é a de que o valor observado de uma exógena no período t terá um efeito distribuído sobre a endógena em vários períodos subseqüentes. Neste sentido a equação reduzida especifica que a variável endógena, digamos y, seja função de um conjunto de variáveis exógenas x, defasadas, como por exemplo:

yt = Φ + φo xt + φ1 xt-1 + φ2 xt-2 + φ3 xt-3 + ... + µt onde Φ é uma constante, x representa o conjunto de variáveis exógenas e µ é um ruído branco. Mais uma vez aplicando o operador esperança, a conclusão de WALLIS (1980) é a de que “a expectativa racional é dada por uma combinação linear das previsões sobre as variáveis exógenas, e a informação relevante sobre as quais basear esta previsões é o conjunto dos valores passados xt-1, xt-2, ... , desde que a lista das variáveis exógenas no modelo seja correta e completa” (pag. 329). Este modelo econométrico adapta-se melhor à teoria econômica do que 55

as equações nas quais se especifica a expectativa racional de uma variável endógena como função dela mesma, defasada, pois, estas equações são temporais por natureza e, seguindo MUTH (1960), “há pouca evidência de que elas tenham sentido econômico” (pag. 321). Dado que as variáveis exógenas são independentemente distribuídas, a variável tempo não está, nem implicitamente, incluída neste modelo. O valor de equilíbrio da variável endógena y a cada momento de tempo será calculado assumindo-se que o valor de todas as exógenas defasadas seja igual ao último valor observado. Para tanto, pode-se agregar todos os coeficientes significativos na estimativa da equação acima de forma a obter:

yt = Φ + Σ φi xt onde a letra i identifica os parâmetros, não ordenados na seqüência, que forem significantes estatisticamente. Este processo encontra um seu semelhante na análise das séries temporais, por exemplo em JOHNSTON (1984) e em WICKENS & BREUSCH (1988). A diferença está em que a agregação proposta aqui se resume aos coeficientes que sejam significantes, baseado a escolha do particular conjunto de defasagens na sua performance estatística. Na prática, várias estruturas diferentes de defasagens podem ser testadas, sempre de acordo com algumas regras básicas: a) o valor calculado de F deve ser satisfatório; b) não pode haver autocorrelação dos resíduos; c) os sinais dos parâmetros agregados devem estar de acordo com a previsão da teoria; d) os valores de equilíbrio devem ser tais que a gravitação, calculada ex post, deve ser um ruído branco. Pode ser que aconteça de alguma defasagem em particular obscurecer o efeito de outras, impedindo-as de serem significantes na equação reduzida. Contudo, é de se esperar que o parâmetro agregado tenha um valor estável, no sentido de que, para uma amostra suficientemente grande, conjuntos diferentes mas significantes de defasagens levarão a parâmetros agregados estatisticamente não diferentes entre si. Testes práticos desta colocação e da hipótese de que a gravitação é um ruído branco podem ser encontrado em LIMA (1992b). Por fim, pode-se esperar também que o modelo das exógenas distribuídas aumente os problemas associados à multicolinearidade, devido ao fato de que a correlação entre diferentes defasagens de uma mesma variável tende a ser elevada (MALINVAUD, 1966). A performance estatística do modelo deverá, pois, ser suficiente para superar a eventual super-estimativa da variância dos coeficientes. Em resumo, o método econométrico proposto tem três etapas: na primeira estima-se o modelo reduzido, através do modelo das exógenas defasadas, na segunda agregam-se os coeficientes significantes de cada exógena e na terceira, usando estes coeficientes agregados ou as séries de equilíbrio das variáveis endógenas calculadas com estes coeficientes, estimam-se os coeficientes do modelo estrutural através do método dos mínimos quadrados, seja o indireto seja o de dois estágios. 6.2. IMPLICAÇÕES DOS MODELOS SIMULTÂNEOS Se no mundo real prevalece a necessidade da interação entre ofertantes e demandantes para que se estabeleçam os níveis de equilíbrio teórico de preço e produção, o modelo analítico relevante é o das curvas de oferta e demanda. Este é um modelo composto de equações 56

simultâneas, e esta observação vem a propósito de algumas implicações tão sérias quanto descuidadas com relação à metodologia da análise econômica. Por exemplo, os modelos de equação única, como a curva de Phillips e a teoria quantitativa da moeda, são, em geral, estatisticamente viesados, potencialmente enganosos do ponto de vista teórico e só apresentam bom desempenho econométrico por mero acaso. Mesmo que o modelo geral sugerido seja ainda simples ao exagero e necessitado de muita pesquisa & desenvolvimento, se na realidade impera a lei da oferta e da procura pode-se concluir que são formadas a partir de dois vetores independentes entre si as duas variáveis endógenas da mais absoluta relevância para o universo econômico: a produção e o preço. Deve ser por isso que Marshall concebeu a noção de oferta e demanda como a Idéia Fundamental e Keynes a considerou como de vital importância para se determinar o volume de emprego agregado. A propósito, admita-se um modelo estrutural de oferta e demanda no qual já tenha sido eliminada a gravitação das variáveis endógenas: demanda: Ydt = ao - a1 Pt + a2 Ft + µdt oferta:

Yst = bo + b1 Pt - b2 Zt + µst

equilíbrio: Ydt = Yst onde Y representa a quantidade, P é o preço, F é a variável exógena que desloca a curva de demanda, Z é a variável exógena do lado dos custos e µ são os ruídos brancos de cada equação. Para eliminar-se a gravitação das variáveis, teria sido previamente estimado o modelo reduzido associado a este modelo estrutural, o qual então permitiria calcular as séries de equilíbrio do preço e da produção adotando-se para as variáveis exógenas apenas a último valor observado. O modelo reduzido de equilíbrio seria então: -1

preço: Pt = (a1 + b1) [( ao - bo) + a2 Ft + b2 Zt + µdt - µst] -1

produção: Yt = (a1 + b1) [(a1bo + aob1) + a2b1Ft - a1b2 Zt + b1µdt + a1µst] Pode-se simplificar este modelo reduzido mudando sua notação para: preço: Pt = Ao + A1 Ft + A2 Zt + νpt produção: Yt = Bo + B1 Ft - B2 Zt + νyt onde as letras maiúsculas são combinações lineares das letras minúsculas respectivas, e ν representa os resíduos das equações. Isto posto, são cinco os aspectos que se considera importante destacar, antes da descrição do experimento empírico realizado. Em primeiro lugar, o modelo reduzido mostra que o preço P, que é uma variável explicativa tanto na equação da demanda quanto da oferta, é influenciada pelos erros µ das duas equações. Esta é a causa do viés dos modelos de equações simultâneas (JOHNSTON, 1984, pag. 439-41), viés este que pode ser “substancial”. De nada adiantaria especificar um certo modelo no qual todas as premissas pareçam razoáveis. Se na prática este modelo resultar no ajustamento de uma equação única, com uma endógena entre as variáveis explicativas, a estimativa do parâmetro desta endógena estará naturalmente viesado. Dois dos métodos econométricos mais simples 57

recomendados para se lidar com modelos simultâneos são o mínimo quadrados de dois estágios e o indireto, ambos passando pelo modelo reduzido numa primeira etapa. Em segundo lugar, as variáveis preço P e produção Y precedem no tempo todas as outras variáveis endógenas igualmente importantes, como o (des)emprego, o lucro, a taxa de juros, os excedentes de produção, a acumulação do capital, etc. Estas variáveis formam um ponto qualquer no espaço delimitado pelo tradicional sistema de eixos ortogonais (Y x P), recebendo ao mesmo tempo a pressão de duas forças simultâneas e opostas, vindas das variáveis exógenas que deslocam a demanda e a oferta. Assim, todas as outras variáveis endógenas derivadas do preço e da produção sofrem a pressão de duas forças conflitantes. Um modelo que desconsidere uma das duas ab initio, como por exemplo a versão novo-clássica da curva de Phillips, certamente terá problemas na fase do teste empírico, mesmo que a eventual conclusão seja particularmente brilhante, no campo teórico. Em terceiro plano, pelo fato de ser deslocado por vetores de direções diferentes, na prática o par (quantidade x preço) acaba geralmente formando uma nuvem dispersa de pontos, dando a falsa impressão gráfica de que estas variáveis não estão correlacionadas. Para se ter uma imagem da relação entre a quantidade e o preço é necessário retirar o efeito de um dos vetores de deslocamento. Por exemplo, para se ter a curva de oferta é preciso que se retire das variáveis o efeito das variações do custo de produção. Uma vez que isto tenha sido feito, o par (Y x P) será deslocado apenas pela força da demanda, alinhando-se então os pontos ao redor da curva de oferta. Há, porém, situações reais onde uma das forças tem uma variância significativamente maior do que a da outra. Por exemplo, como dizia Keynes, a demanda agregada é muito mais instável do que a oferta agregada. Neste caso, o gráfico de dispersão em geral já mostra uma clara tendência dos pontos alinharem-se de acordo com a inclinação da oferta. Há também a possibilidade de que duas outras variáveis endógenas sejam deslocadas sempre na mesma direção, qualquer que seja a origem do choque exógeno, se do lado da oferta ou da demanda. Um exemplo prático deste tipo de relação é apresentado em LIMA (1995a), onde se mostra que, no caso da indústria brasileira de cimento, o lucro efetivo está sempre negativamente correlacionado com o grau de cartelização das empresas, seja quando a demanda varia, seja quando a variação está do lado do custo de produção. Nesta situação, a nuvem de pontos no gráfico respectivo é claramente descendente. Entretanto, a regressão simples entre duas variáveis com tais características apresentará em geral uma significativa autocorrelação dos resíduos. Isto se deve ao fato de que há na realidade duas retas relacionando as variáveis e, como a reta de regressão passa “no meio” destas duas retas, a distância entre o ponto observado e o estimado pela equação única segue um processo matemático relativamente simples, dando assim origem a um comportamento temporal estatisticamente bem definido. A regressão direta indicaria, pois, que há omissão de variáveis na equação como, aliás, de fato acontece. Além disto, a alta correlação associada a um “baixo” DW sugeriria que a relação entre as duas variáveis é espúria, mas esta conclusão não seria necessariamente verdadeira. No caso do exemplo citado há de fato uma relação entre lucro e cartelização, mas para encontrá-la empiricamente, de forma a não ser induzido a conclusões “teoricamente lógicas”, foi necessário especificar um modelo completo de equações simultâneas. Outro exemplo desta coincidência de direções, em nível macroeconômico, é a lei de Okun, que relaciona produção e desemprego Em quarto lugar, o modelo reduzido, no qual cada equação coloca uma endógena em função de todas as exógenas, é uma conseqüência matemática do desenvolvimento do modelo estrutural, é uma derivada. Como sempre acontece em matemática, a derivada em geral é 58

única, mas a operação inversa, a integração, conduz a um conjunto de possibilidades. A síntese é unívoca, mas a análise leva a diferentes causas. Assim, dado um modelo reduzido, pode-se afirmar que o modelo estrutural que o antecede é uma das suas possíveis origens, mas certamente não é a única. Ilustrando, a oferta no modelo estrutural acima poderia, de acordo com a teoria geral proposta neste trabalho, ter sido especificada com duas equações, ao invés de uma só, e o modelo reduzido continuaria o mesmo. Este comentário vem a propósito de que, sendo o modelo reduzido uma passagem rotineira, as conclusões permitidas pelo método econométrico são a) a não rejeição do modelo proposto e b) a observação de que ele é o menos complexo das possibilidades existentes ou por descobrir. Mas o resultado estatístico não permite concluir que o modelo estrutural proposto seja o único. Por mais detalhado que seja o modelo, sempre haverá mais detalhes a incluir. O limite não é teórico, mas prático, dado pela possibilidade de se medir o fenômeno estudado. Por último, a noção do “ceteris paribus”. Cada equação do modelo reduzido, por exemplo a dos preços: Pt = Ao + A1 Ft + A2 Zt + νpt pode ser lida como “qual é o nível de preço quando o custo Z varia, ceteris paribus a demanda F”. Em geral, fazem-se hipóteses sobre o comportamento das (n-1) variáveis exógenas de uma equação reduzida para se analisar o efeito da enésima. A cláusula ceteris paribus é uma desta hipóteses. É claro que não faz sentido aplicar a condição ceteris paribus a todas as exógenas, simultaneamente; isto corresponderia à entropia mínima do sistema. Nesta situação o sistema todo estaria em estado de repouso, nenhum movimento aconteceria e, sem movimento, nenhuma relação entre duas variáveis poderia ser observada e estudada. O equivalente ao ceteris paribus é o fator de deslocamento. Na equação reduzida do preço acima a demanda F desloca a relação (P x Z) continuamente. Por isso, para se conhecer P, dado Z, é imprescindível dar um valor hipotético a F. Mais importante, é necessário incluir a variável F no modelo e na regressão para que se possa, depois da estimação do seu parâmetro respectivo, fixar um valor arbitrário da variável. Se ela não for incluída no modelo, seu valor não poderá ser assumido como constante em hipótese alguma. Não tendo sido incluída no modelo, de nada adiantará supô-la constante. O fato de se escrever a hipótese de que uma variável é constante, ou “dada”, não obriga variável alguma a ser constante. Ela varia e seu efeito deve ser posto sob controle, e para isto ela tem que ser incluída no modelo de modo explícito. A cláusula ceteris paribus, ou a simulação de valores outros das variáveis exógenas, vem a ser o laboratório das ciências sociais, que não podem fazer experimentos diretos. Mas esta cláusula só pode ser aplicada a variáveis exógenas, pois todas a variáveis endógenas variam sempre, desde que pelo menos uma das exógenas varie. Por exemplo, na equação do preço macroeconômico de oferta: Pt = g ( TC, W, i, GAP) não se pode analisar a relação entre o GAP e o preço P assumindo-se a hipótese ceteris paribus as outras variáveis na função. A taxa de câmbio TC pode ser suposta constante a um determinado nível, mas o salário W e a taxa de juros i não. Estas duas são variáveis endógenas que certamente variarão quando variarem as outras exógenas ausentes na equação do preço. Aliás, é necessário que estas outras exógenas ausentes variem para que surja uma relação entre o preço e o gap. A informação que esta equação do preço fornece é o efeito parcial do gap sobre o preço, mas é uma manobra inválida propor a condição ceteris paribus para o salário e a 59

taxa de juros. Um exemplo prático da inobservância deste princípio matemático é dado pelo procedimento neoclássico de descrever a maximização do lucro através do cálculo diferencial. neste procedimento supõe-se que o capital, fixo e financeiro, seja dado e constante. Todavia, o estoque de capital resulta do investimento que, por sua vez, é função do lucro e, portanto, do preço. O capital é, pois, uma variável endógena e não poderia ser suposto constante enquanto variam as exógenas do problema. O que poderia ser associado a uma endógena é a noção de expectativa, comentada a seguir. 6.3. EXPECTATIVAS E TEMPO HISTÓRICO De acordo com a teoria geral proposta, o valor observado de uma variável endógena tem dois componentes: o valor teórico intrinsecamente econômico, ou valor de equilíbrio teórico, e a gravitação. Pode-se anotar então:

yt = y*t + G(y)t Mais uma vez aplicando-se o operador esperança a esta expressão, constata-se que y* é o valor esperado de y, a ser teoricamente obtido quando a gravitação hipoteticamente desaparecer. Em outros termos, y* é a expectativa de y. O valor esperado é derivado do modelo reduzido adotando-se a hipótese de que as exógenas são dadas a um certo nível, por exemplo o último valor observado delas. Pode-se expressar esta noção por:

y*t = E [ yt  Zt, Ft ] + µt onde Z e F são as variáveis exógenas e µ é um ruído branco. A expectativa de uma variável é o valor que se espera que ela assuma, dados determinados níveis das variáveis exógenas. Segundo MUTH (1960 e 1961), a expectativa é racional quando o valor esperado é explicado pela teoria e pelos níveis das exógenas, e a teoria a que ele se refere nos seus artigos é a do modelo de oferta e demanda sem qualquer restrição de verticalidade ou de horizontalidade. A noção de expectativa racional proposta por Muth foi adotada por LUCAS (1970) para desenvolver uma nova vertente de justificativas para a hipótese da curva de oferta agregada vertical, criando assim a falsa impressão de que a noção de expectativa racional seja parte integrante e característica da teoria novo-clássica. Esta impressão não procede; se tal associação de conceitos fosse válida, o logaritmo seria também uma noção novo-clássica. No modelo de Lucas o problema está na restrição imposta à curva de oferta agregada, que os formuladores de política econômica devem imaginar que é vertical, e não no instrumental que ele utiliza para dar suporte à sua teoria. A expectativa racional aplica-se às variáveis endógenas, mas nada impede que os agentes formem expectativas sobre as variáveis exógenas, por exemplo a política monetária. Contudo, neste caso a expectativa não é “racional”, pois as variáveis exógenas e autônomas são aleatórias e imprevisíveis por definição, não cabendo a racionalidade da teoria na sua previsão. Inside information talvez, mas previsão estatística só com muito acaso no meio. Isto não deve conduzir, contudo, à imprevisibilidade total. Há que haver um certo padrão na política econômica adotada e no comportamento de longo prazo das instituições. O futuro é incerto, mas uma noção do tipo “incerteza radical”, no sentido de que o país pode dormir monetarista e acordar fiscalista, nada esclarece. As variáveis exógenas podem ser vistas também como as condições históricas propostas pelos pós-keynesianos na explicação dos fatos econômicos. As condições históricas 60

definem cada situação a cada momento no tempo. As decisões de política econômica transformam-se em atos e fatos que, adequadamente colecionados, traçam uma história micro ou macroeconômica. De todo modo, as condições históricas devem traduzir-se em valores objetivamente mensuráveis de alguma variável exógena. Ou uma teoria baseia-se em fatores explicativos comprováveis empiricamente, ou ela não poderá ser submetida ao teste da sua aderência à realidade. Se não forem mensuráveis direta ou indiretamente, as condições históricas poderão ser manipuladas para explicar qualquer fato econômico de modo a refletir as preferências do analista e não necessariamente a realidade. Por fim, observa-se que o método para se estimar a expectativa racional de uma variável endógena é o mesmo da estimação do modelo reduzido de equilíbrio. A teoria geral, ao eliminar a gravitação, elimina o componente de erro de uma variável endógena, retendo então apenas o seu valor intrinsecamente econômico, ou o seu valor teórico de equilíbrio. Isto significa que a inclusão de uma variável num modelo da teoria geral pela sua expectativa é redundante, isto já é feito naturalmente. 6.4. A CURVA DE PHILLIPS Phillips parece estar repetindo a proposição de SAMUELSON (1948), no sentido de que o preço de mercado ajusta-se em direção ao ponto de equilíbrio em função do estoque de produto existente. Segundo FISCHER (1988), Phillips explicou sua curva como uma aplicação do modelo de oferta e demanda (pag. 316). A originalidade da proposição de Phillips, segundo ele mesmo, estava na forma da relação entre o preço e o estoque, que deveria ser uma curva e não uma reta. Analisando o mercado de trabalho, ele observa a respeito que “a relação entre o desemprego e a taxa de variação dos salários tem, portanto, uma alta probabilidade de ser nãolinear” (PHILLIPS, 1958, pag. 245). O importante a destacar aqui é o método adotado por Phillips na elaboração de seus gráficos. Na aplicação empírica Phillips cuidou de manter o lado da oferta “sob controle”, introduzindo uma variável “custo de vida”, medida por um índice de preços de produtos importados. Como este índice era variável, a maneira encontrada por Phillips para praticar a cláusula ceteris paribus foi a de dividir a sua amostra em vários sub-períodos, dentro dos quais o índice de preços dos produtos importados eram aproximadamente constantes. Este cuidado tem sido negligenciado nas tentativas de estimação da curva de Phillips encontradas na literatura econômica. A base teórica de Phillips, embora ele não tenha dito isto, é a equação do preço de oferta da teoria geral, estando o seu interesse orientado para a forma matemática da relação entre o preço e o estoque. No caso dele, entre o salário e o desemprego. Esta relação é negativa, mas apenas na equação do preço de oferta, onde o efeito parcial do estoque sobre os preços, ceteris paribus o custo, ou seja, quando só a demanda varia. Entretanto, quando o inverso acontece, isto é quando o choque exógeno provem do lado da oferta e quem varia é o custo enquanto a demanda fica constante, o fato relevante é a retração da curva de oferta. Neste caso, tanto o preço sobe porque subiu o custo, quanto o estoque sobe porque a um preço maior as vendas são menores. Nesta situação, o sinal da relação entre o preço e o estoque é positivo. Assim, na medida em que no mundo real variam simultaneamente custo e demanda, os pontos se espalham no plano dos eixos preço e estoque na forma de uma nuvem sem forma definida. Nesta condições, só uma inusitada dose de sorte permitiria encontrar uma regressão com bom desempenho estatístico, seja entre o estoque e o preço, seja entre o estoque e a variação do preço. Para se estimar a curva de Phillips é necessário, como sempre, elaborar um modelo completo de equações simultâneas. A propósito, podem ser encontradas duas 61

estimativas bem sucedidas da curva de Phillips, uma no nível microeconômico em LIMA (1992a), referente ao mercado brasileiro de cimento, e outra em LIMA (1993a) para o Brasil. 6.5. PECULIARIDADES MACROECONÔMICAS É um fato notável que no modelo geral em nível macroeconômico quase todas as variáveis autônomas estão simultaneamente do lado da demanda e da oferta agregadas. Se a coincidência total acontecesse, o modelo de oferta-e-demanda agregadas seria, na prática, inútil. A simultaneidade das variáveis autônomas torna impossível a estimação das equações, mesmo que pelo métodos dos mínimos quadrados em dois estágios. Ilustrando, não se pode incluir numa regressão que seria a da oferta a variável autônoma taxa de câmbio TC porque ela é característica da demanda agregada. Mas também não se pode omiti-la porque ela é, ao mesmo tempo, característica da oferta agregada. Contudo, a estimativa da curva de oferta, ou antes, da inclinação da curva de oferta agregada, pode ser obtida via mínimos quadrados indiretos, pois existem duas variáveis que são típicas da demanda, exclusivamente: a política fiscal G e a renda do exterior YE. Assim, a inclinação da oferta agregada (dP/dY) pode ser obtida calculando a razão entre as derivadas, em relação à política fiscal, do preço (dP/dG) e do produto (dY/dG): (dP/dY) = (dP/dG) / (dY/dG) Alternativamente, pode-se calcular as séries de valores teóricos de equilíbrio do preço P e do produto Y sob a hipótese de que apenas o gasto fiscal varia. Plotando-se as duas séries num gráfico no plano (Y x P) pode-se ter uma imagem visual da curva de oferta agregada. Observe-se que a regressão simples entre P e Y pode fornecer a inclinação da curva de oferta

agregada. Esta regressão simples provavelmente apresentará um elevadíssimo coeficiente de determinação mas, em geral, haverá autocorrelação dos resíduos em decorrência da omissão de variáveis explicativas. Note-se que a variável exógena renda do exterior YE também poderia ser utilizada neste procedimento; ocorre, entretanto, que na maioria dos países, dentre eles o Brasil, a renda do exterior não deve ser uma variável explicativa significativa, vis-a-vis os instrumentos de política econômica. Aliás, com há no modelo um número elevado de variáveis independentes, a inclusão de YE aumentaria a chance de se obter uma matriz de variância singular. Outro fato relevante para o método econométrico é a presença simultânea de três variáveis referentes ao orçamento do governo: o gasto fiscal G, a emissão de moeda M e o nível da dívida B resultante da colocação de títulos para financiar o déficit do governo. Estas variáveis combinam-se no orçamento: G - T = M + dB onde T é a receita tributária e dB mede a variação da dívida, ou a emissão líquida de títulos. Considerando que a receita tributária é endógena, ela não poderia estar nas equações finais de oferta e demanda agregadas. Isto significa que, nos modelos estrutural e reduzido, haveria uma combinação linear entre G, M e B, de sorte que não é necessário nem permitido incluir as três variáveis simultaneamente. Adicionando-se neste contexto o fato de que a medida de moeda não é assunto sem controvérsia, havendo mesmo vários conceitos alternativos do que seja moeda, conclui-se que é procedente a sugestão de se eliminar a emissão de moeda M na especificação da oferta e demanda agregadas para efeitos de estimação empírica.

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Por último, há o problema da inflação. Em sendo a curva de oferta ascendente, é de se esperar que, com a expansão da demanda agregada haja um crescimento “natural” dos preços. Entretanto, se a taxa de expansão da demanda for superior à capacidade de resposta do sistema produtivo, haverá uma alta “pura” dos preços. Tudo se passaria, numa situação de expansão muito rápida da demanda agregada, provocada por exemplo por uma elevação dos gastos fiscais de 30% ao mês, como se a curva de oferta fosse próxima da vertical. O IGP tradicional, que não leva em consideração a existência da oferta agregada e muito menos a evolução natural do preço, mede a variação total dele. Assim, o indispensável deflacionamento não pode ser feito com o IGP tradicional, que seria adequado apenas no caso em que a curva de oferta agregada fosse horizontal. O deflator correto será dado pela diferença entre o IGP e o preço indicado pela curva de oferta. Ex post, o deflator é igual à razão entre os valores de equilíbrio do PIB nominal e do PIB real. Na prática, como a estimativa do PIB real de equilíbrio exige um conhecimento prévio do deflator, este será calculado pela divisão entre o PIB nominal de equilíbrio e o PIB real observado.

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7. A CURVA DE OFERTA AGREGADA NO BRASIL Neste capítulo apresenta-se uma estimativa da curva de oferta agregada brasileira, baseando-se em dados do período 1970-93. Faz-se aqui uma atualização, com um substancial progresso em termos de qualidade, em relação ao trabalho de pesquisa relatado em LIMA (1993a). O modelo de oferta e demanda agregadas é definido, além da condição de identidade entre quantidade ofertada e demandada, por duas equações: demanda: Yd = f ( P, SM, TC, G, B ) oferta: Ys = h ( P, SM, TC, B ) onde P é o preço de oferta, um índice geral de preços “reais” da economia que não deve ser confundido com o tradicional IGP, que mede a inflação total. P é um índice de base 100 no ano de 1993 que resulta da interação entre oferta e demanda agregadas, enquanto o IGP tradicional reflete a variação total dos preços, independente de qual seja a oferta agregada. Neste modelo, SM é o salário mínimo em reais por mês, TC é a taxa de câmbio medida em reais por lote de mil dólares, G é o gasto fiscal em bilhões de reais e não inclui o pagamento de juros e B é o nível da dívida pública interna, em bilhões de reais. A dívida refere-se ao total de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, incluindo o estoque da dívida em poder do Banco Central mas excluindo os títulos colocados pelo Banco Central no mercado financeiro. Foi desconsiderada a renda do exterior neste modelo, sob o argumento de que sua contribuição para a formação do preço e do produto interno pode, neste contexto, ser desprezada. Também não foi incluída a oferta de moeda M, por se considerar que há uma combinação linear entre esta variável, os gastos fiscais e o nível da dívida, e também porque a medida de M não é ponto pacífico nem na teoria nem na prática econômicas. O primeiro passo a ser dado é o de estimar o deflator DEFL, definido como a razão entre o PIB nominal de equilíbrio PIB* e o produto real (Y): DEFLt = (PIB*t/Yt) x 100 Para se calcular o valor de equilíbrio do PIB nominal, foi ajustada uma equação reduzida da forma: PIBt = g ( SMNt-φφ, TCNt-κ κ, GNt-ρ ρ, BNt-ω ω ) + µt onde os subscritos gregos representam a estrutura de defasagem, a ser determinada pelo exercício econométrico, e µ é um ruído branco. As variáveis explicativas são as mesmas do modelo estrutural mas, seguidas da letra N para indicar que se trata de seus valores nominais. Os resultados obtidos estão no Anexo I, onde se nota que o desempenho estatístico da regressão não permite rejeitar a hipótese de que estas quatro variáveis autônomas, isto é, estes quatro instrumentos de política econômica, podem explicar o comportamento do PIB nominal. A estrutura de defasagem é bastante simples, possivelmente refletindo o fato de que as séries anuais de dados em nível agregado normalmente devem exibir uma correlação elevada. Supondo então que todas as variáveis autônomas estão no tempo t, calculou-se a série de 64

equilíbrio do PIB nominal, que foi em seguida multiplicada por um escalar conveniente de forma que a série do deflator DEFL tivesse base igual a 100 em 1993. A propósito, o Anexo II mostra que o mesmo conjunto de variáveis autônomas e, por coincidência, o mesmo esquema de defasagem, explica o comportamento do IGP neste período, como seria de se esperar. O Anexo III apresenta as mesmas regressões do PIB nominal e do IGP, mas agora para o período mais recente que vai de 1986 a 1993 e compreende os planos de estabilização de preços anteriores ao Plano Real. O curioso a notar é que os parâmetros estimados são estatisticamente os mesmos do período completo. A conclusão é a de que os planos não mudaram significativamente o padrão de comportamento da economia brasileira. Em seguida foi calculada a série de equilíbrio do PIB nominal, para isto assumido-se que no modelo acima todas as variáveis estão com seus valores contemporâneos. Ou seja, não há defasagem, de forma que o valor de equilíbrio teórico é dado, considerando que a constante de regressão é não significativa, por: PIBt = α1 SMNt + α2 TCNt + α3 GNt + α4 BNt onde os αi são os coeficientes estimados relatados na tabela inferior do Anexo I. Feito isto, calcula-se o deflator DEFL seguindo a fórmula acima. O segundo passo é a deflacionamento de todas as séries exceto o PIB real, dividindo-se todas elas pelo DEFL. O Anexo IV apresenta a série e o gráfico do índice geral de preços P, que foi obtido pelo deflacionamento do IGP: Pt = (IGPt/DEFLt) x 100 Esta é uma das variáveis básicas deste estudo, uma das componentes da oferta agregada. A outra é o PIB real Y, apresentado no Anexo V, convertido em bilhões de reais de 1993. O Anexo VI mostra um gráfico da relação direta entre P e Y, podendo-se notar que, mesmo tratando-se de valores atuais observados e não ainda valores de equilíbrio teórico, os pontos estão alinhados numa direção ascendente, apesar de oferta e demanda estarem se deslocando simultaneamente. Poder-se-ia imaginar que estes pontos estivessem numa nuvem sem forma definida, sem qualquer tendência, posto que os pares (P , Y) são puxados segundo direções divergentes, dependendo se a fonte do choque exógeno está do lado da demanda ou da oferta agregadas. Contudo, como sustentava Keynes, a demanda é muito mais instável do que a oferta, de sorte que os pontos acabam naturalmente por se concentrarem ao redor da curva de oferta agregada. A inspeção visual deste gráfico sugere que até 1986 os pontos acompanhavam uma linha imaginária ascendente, mas que, a partir daquele ano, quando então ocorreu o primeiro choque heterodoxo sobre a economia brasileira, ao pontos concentram-se ao redor de uma linha vertical. O terceiro passo é a estimativa do modelo reduzido, no qual as duas variáveis endógenas P e Y são funções das variáveis autônomas deflacionadas cujas séries constam, junto com os respectivos gráficos, dos Anexos VII a X. Como pode ser observado, todas as variáveis, exceto a taxa de câmbio, apresentam uma pronunciada tendência de crescimento no período analisado.

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Em seguida foi feito o ajustamento do modelo reduzido: produção: Yt = ψ2 ( SMt-φφ, TCt-κ κ, Gt-ρ ρ, Bt-ω ω ) + µyt preço: Pt = ψ1 ( SMt-φφ, TCt-κ κ, Gt-ρ ρ, Bt-ω ω ) + µpt onde os subscritos em letra grega representam a estrutura de defasagem, a ser determinada pelo exercício econométrico, e µ é um ruído branco. O resultado de regressão obtido para o PIB real Y está no Anexo XI, onde se observa que o desempenho estatístico é satisfatório, não há autocorrelação dos resíduos, e todos os coeficientes das variáveis autônomas exibem os sinais esperados. Mais uma vez, a estrutura de defasagem é simples. Dada que a constante de regressão é não significativa, a regressão sem ela é apresentada na tabela da parte de baixo deste Anexo XI. Na seqüência, o Anexo XII mostra o cálculo e o gráfico do valor teórico de equilíbrio, denominado YSTAR, do produto real Y. A diferença entre o valor de equilíbrio teórico YSTAR e o valor efetivamente observado Y é a gravitação do produto real ao redor do equilíbrio, denominada aqui de GPIB e apresentada no Anexo XIII. Repetindo o procedimento para o preço P, o Anexo XIV traz o resultado de regressão, o Anexo XV mostra o valor de equilíbrio numa tabela e num gráfico, enquanto que o Anexo XVI apresenta o visual da gravitação do preço. O desempenho econométrico da regressão é satisfatório, não há autocorrelação dos resíduos, e a estrutura de defasagem, mesmo tendo mudado ligeiramente, ainda é simples. O mais interessante a observar é que, apesar de todas as tentativas realizadas, o estoque da dívida pública B resultou não ser significativo na explicação do comportamento do preço. Por fim, a curva de oferta agregada da economia brasileira, para o período 1972-93, está apresentada no gráfico da página seguinte. Neste gráfico as séries especiais de PREÇO e PIBREAL foram obtidas fazendo-se, no modelo reduzido, variar apenas os gastos fiscais G, enquanto permaneciam constantes, no nível observado em 1993, os demais instrumentos de política econômica. Dado que a variável G desloca apenas a curva de demanda agregada, ocorre que os sucessivos pontos de equilíbrio entre oferta e demanda agregadas, aqueles mostrados no gráfico, estão alinhados sobre a curva de oferta agregada. Este procedimento corresponde a uma estimação normal de uma equação de oferta, na qual mantém-se as variáveis do lado da oferta sob a cláusula ceteris paribus, ao mesmo tempo em que as variáveis de deslocamento da demanda, por não entrarem na equação, variam sem restrições. A principal conclusão do trabalho é a de que os dados do mundo real não permitem rejeitar a tese de que a teoria geral aqui exposta conduz a um modelo macroeconômico superagregado, do qual surge a curva de oferta ascendente a longo prazo. Esta é uma conclusão que tem implicações da mais alta relevância para a teoria e a política econômicas. A mais importante delas, de longe, é a de que, afinal de contas, Keynes estava certo em sua crítica à teoria clássica ou, nos tempos modernos, novo-clássica. Espera-se assim que este trabalho contribua para retificar alguns conceitos arraigados na tradição do ensino em economia, fazendo com que a teoria econômica deixe de criar modelos que, intencionalmente ou não, favorecem alguns, em prejuízo do emprego e da sobrevivência digna da maior parte da sociedade.

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8. UMA VISÃO CRÍTICA DA POLÍTICA MONETÁRIA Este trabalho não partiu de uma hipótese ad hoc de que a curva de oferta agregada seja ascendente a longo prazo. Pelo contrário, esta é uma tese que foi delineada teoricamente e demonstrada empiricamente com os dados da economia brasileira. De acordo com a teoria geral exposta e com o método empírico adotado, para se comprovar esta tese foi necessário mostrar que tanto o preço quanto o produto real são afetados pelos deslocamentos da curva de demanda agregada, a longo prazo. Em primeiro lugar, observa-se que a inclinação da oferta agregada é dada pela razão entre as derivadas do preço e do produto real em relação a uma variável que desloque a demanda agregada. Considerando-se que a única variável que tem este papel de deslocar a demanda agregada é o gasto fiscal do governo, a inclinação da oferta agregada, indicada por exemplo pela derivada (dP/dY), pode ser obtida dividindo-se as duas derivadas: (dP/dY) = (dP/dG) / (dY/dG) No caso do Brasil obteve-se: (dP/dY) = 0.486328/26.27575 = 0.02 Para obter-se este resultado é necessário que tanto a derivada (dP/dG), que é o coeficiente de G na regressão do preço P (Anexo XIV), quanto a derivada (dY/dG), que é o coeficiente de G na regressão do produto real Y (Anexo XI), sejam significantes. Isto de fato ocorre, conforme mostram os respectivos relatórios de regressão. Ora, se a derivada (dP/dG) é positiva e não nula, é porque a demanda agregada influencia os preços e, portanto, a curva de oferta agregada a longo prazo é não-horizontal. Muito mais importante ainda, se a derivada (dY/dG) é positiva e não nula, é porque a demanda agregada influencia o nível do produto real e, portanto, a curva de oferta agregada a longo prazo é não-vertical. Ocorre, entretanto, que a teoria exposta nos livros-texto defende a idéia de que a curva de oferta agregada seja vertical a longo prazo. Segundo Keynes, isto já acontecia desde 100 anos antes dele. O problema maior está em que a política econômica adota esta idéia e age na sua conformidade. Esta ação da política econômica pode não ser, lamentavelmente, “apenas” equivocada, “apenas” incapaz de promover o bem estar da população de quem ela pretende obter votos. Esta ação pode estar prejudicando seriamente a sua clientela. De fato há, além da força da lógica teórica já descoberta por Keynes, duas evidências empíricas neste sentido. A primeira é a de que o sinal do coeficiente da dívida B na regressão do produto é negativo, enquanto que B tem um parâmetro não-significativo na equação do preço. A contribuição do aumento da dívida pública para o conjunto da política econômica foi o de baixar a produção interna e, ao mesmo tempo, não influir no preço, ou seja, não controlar a inflação. Isto significa que a política monetária provocou, no período analisado, uma retração tanto da demanda agregada (provavelmente através do efeito negativo da taxa de juros sobre os investimentos) quanto da oferta agregada (devida, provavelmente, à “fuga” do capital financeiro para as aplicações de curto prazo garantidas pelo governo). Assim, ao emitir mais dívida, o preço se mantinha estável enquanto a produção caía. Em termos teóricos, congelando-se os níveis do salário mínimo SM, da taxa de câmbio TC e dos gastos fiscais G, a política monetária pode congelar o país, mas não os preços. A segunda evidência neste sentido é dada pelo gráfico à página seguinte.

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Este gráfico retoma a relação apresentada no Anexo VI, mas agora utilizando-se os valores de equilíbrio teórico, calculados através do modelo reduzido, do preço (PSTAR) e do produto real (YSTAR), registrados nos Anexos XV e XII, respectivamente. O gráfico sugere que, a partir de 1986, quando então começaram os n planos de estabilização de preços baseados em princípios monetaristas, aparentemente a curva de oferta agregada passou a comportar-se como se fosse vertical. A política econômica do período foi tal que impediu o crescimento econômico do país sem, contudo, evitar o aumento dos preços. O que então acontecia de fato é que a curva de oferta agregada não permanecia mais ou menos estável, como é a sua característica histórica. Na prática ela foi deslocada para a esquerda, “para trás”, pela política monetária. Pior do que não ajudar é atrapalhar. O instrumental monetarista da política econômica está demonstrando que tem o poder de fazer com que a realidade se comporte de acordo com a sua teoria. A política monetária pode fazer com que a lei de Say se transforme em realidade. Mesmo sem atingir seu objetivo declarado - o controle de preços - esta política, foco central da luta de Keynes, tem provocado a paralisação do país ao nível da média do período 1986-93. É particularmente preocupante o fato de ainda ser procedente repetir, mais de 60 anos após, a mesma crítica de Keynes à teoria e à política econômicas predominantes. No discurso político, a “regra de ouro” desta política é equilíbrio do orçamento mas, na prática, esta regra de ouro transforma-se no financiamento do déficit do governo através da emissão de títulos da dívida pública, ainda que a causa do déficit seja o pagamento dos juros da dívida, ainda que não haja recursos tributários para pagar os respectivos juros. Esta regra serviu para impedir que a produção e o emprego crescessem, mas não conseguiu segurar o aumento de preços causado pela expansão da política fiscal. A inoperância da política monetária no controle dos preços deve-se à criação de moeda implícita na rolagem da dívida pública, conforme demonstrado em LIMA (1995b). De acordo com os resultados econométricos apresentados naquele e neste estudo, e considerando-se que o título emitido para financiar o déficit operacional do governo vira moeda M2, melhor seria não emitir título. Se isto tivesse acontecido, ou se a dívida fosse trocada por M1, assim colocando uma moeda não remunerada no lugar de uma moeda remunerada, nada aconteceria com os preços e a produção aumentaria 17%. Se o país deixasse de ser obrigado a pagar juros, seria possível criar 17% a mais de empregos e baixar a taxa de juros imediatamente, assim estimulando o investimento e aumentando a oferta de trabalho para aqueles que hoje estão se preparando para o futuro. Se o Tesouro Nacional e o Banco Central parassem de emitir títulos novos da dívida, deixando de tentar inutilmente esterilizar a expansão de oferta de moeda que ocorre por conta do pagamento de juros da dívida, a produção cresceria 17% sem que houvesse aumento dos preços.

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ÍNDICE GERAL 1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA...................................................1 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE OFERTA.............4 3. A OFERTA AGREGADA DESDE KEYNES.............................10 3.1. Pós-keynesianos.............................................................11 3.2. Neoclássicos, Novos-clássicos, Novos-keynesianos......14 4. TEORIA GERAL DA OFERTA.................................................18 4.1. O Conceito Clássico de Oferta, segundo Marshall........18 4.1.1. O Modelo Marshalliano de Decisão.............20 4.1.2. Observações sobre o Modelo de Marshall....24 4.2. Um Modelo Dinâmico de Oferta-e-Demanda................25 4.3. Nota sobre o Enfoque Neoclássico da Oferta.................29 4.4. Nota sobre o Mark-up Rígido........................................31 4.5. Algumas Conclusões sobre a Curva de Oferta...............31 5. TEORIA GERAL DA OFERTA AGREGADA...........................33 5.1. A Conexão Marshall x Keynes......................................33 5.2. Principais Aspectos do Modelo de Keynes....................34 5.3. Modelo Geral de Oferta e Demanda Agregadas............36 5.3.1. O Lado da Demanda.....................................36 5.3.2. A Curva de Oferta Agregada........................42 5.3.3. Oferta e Demanda Agregadas.......................43 5.3.4. Modelo Agregado Reduzido.........................44 5.4. Herança Keynesiana......................................................46 5.4.1. Pleno Emprego versus Oferta Vertical...........47 5.4.2. A Teoria Quantitativa da Moeda...................50 6. ASPECTOS METODOLÓGICOS.............................................51 6.1. Gravitação e Método Econométrico..............................51 6.1.1. A Noção de Gravitação.................................53 6.1.2. O Método Econométrico...............................55 6.2. Implicações dos Modelos Simultâneos.........................57 6.3. Expectativas e Tempo Histórico....................................60 6.4. A Curva de Phillips.......................................................61 6.5. Peculiaridades Macroeconômicas.................................62 7. A CURVA DE OFERTA AGREGADA NO BRASIL...............64 8. UMA VISÃO CRÍTICA DA POLÍTICA MONETÁRIA...........69 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................72 ANEXOS..............................................................................77

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